Um ser com roupas encouraçadas e uma espada similar a uma cimitarra¹ percorre as estreitas ruas da cidade. Ao menor movimento suspeito, a espada é empunhada e um grunhido pode ser ouvido por todos na proximidade. Quando um sujeito cambaleando é avistado, ele é derrubado no chão com um leve empurrão.

—Esse lugar não é protegido por todos nós para vagabundos como você se drogarem por aí. 

O sujeito caído no chão não consegue mais se levantar, logo desiste e se mistura com os excrementos e lixos espalhados pelo terreno. Agora, não pode-se mais diferenciar o lixo da gente.

Que cena lamentável, pensa um concidadão caminhando a espreita do outro lado. Ele evita olhar para o ocorrido, sabe que uma troca de olhares com o agredido será vergonhoso e com o agressor será arriscado. Devo me apressar para o centro educacional, tenho que relatar minhas pesquisas para o reitor, é urgente. 

O centro educacional possuía 200 anos de história, era a maior construção de toda a cidade, inclusive maior que o castelo senhorial. A razão é simples, o centro educacional é patrocinado pela OVP (Ordem dos Verdadeiros Pensadores), uma organização ligada a Igreja que administra e divulga todo o conhecimento referente a esse continente. E apesar da Igreja tratar o Senhor dessas terras com grande prestígio, ao menor sinal de rebelião ele poderia facilmente ser deposto e ter seu trono usurpado. 

A Igreja ganhou muito poder desestruturando qualquer indício de monarquia, no final, o Supremo Líder Religioso (SLR) é o grande soberano de todo esse continente e chefe de todos os outros senhores.

Chegando ao centro educacional, ele virou na primeira entrada depois dos jardins principais. Era um longo corredor, pintado internamente com variadas cores, afinal, quanto mais cores uma localidade tiver, mais importante ela deve ser.

Ficou a espera por alguns momentos até que uma grande porta foi aberta, a sua frente se encontrava uma pessoa vestida em um tecido policromático que tampava grande parte de seu corpo.

— Entre, por favor. Senhor ...

— Óneiporos², eu sou o Óneiporos.

—Certo, Senhor Óneiporos, vejo em sua ficha que recentemente o Senhor tem feito uma pesquisa em relação à Astronomia, confirma?

—Exato..., Exato Senhor.

— E essa pesquisa tem sido feita em relação ao que?

—Ao movimento planetário.

O reitor o olhou com desconfiança, a astronomia era de todas as áreas a mais investigada pela OVP, poucos se arriscariam em algo do tipo, a chance de ser executado era demasiada grande.

—Óneiporos, vejo que sua ficha é bastante limpa, terminou essa universidade com prestígio e não foi nenhuma surpresa quando se tornou um professor e pesquisador aqui. Na verdade, ficamos muito contentes com sua escolha... Porém, imagino que saiba que seu mais novo empreendimento tem causado transtornos entre nossos outros professores...

—Que tipo de transtornos? Senhor!

—Bem, a verdade é: você é o único pesquisador desse centro educacional relacionado com o campo de Astronomia, mesmo os professores de Astronomia tem se especializado em outras áreas. Estou propondo, não, estou intimando o Senhor a trocar seu foco de pesquisas. Estamos entendidos?

Óneiporos coçou um pouco sua perna em meio ao constrangimento, tentou pensar em algo para confronta-lo, dizer que a Astronomia não pode ser censurada, mas fraquejou, olhou para baixo simplesmente respondendo:

— Sim... Senhor!

Cinco anos!Cinco anos de pesquisas jogados fora. Completamente fora. Eu nem cagava direito, fiquei todo tempo trancado dentro do meu próprio observatório em casa. Tenho pilhas e pilhas de papéis com cada posicionamento planetar. Lixo, tudo lixo. Retomou um pouco de folego e resolveu voltar para casa.

Percorria o mesmo caminho de quando viera, observou que o sujeito abandonado em meio aos excrementos ainda se encontrava lá, imóvel. Ele sabe, ele sabe que eu sou um nada, por isso fica ali estirado no chão me olhando com aquele sorriso malicioso. Como é desistir de tudo? É realmente mais fácil? 

—Ei, o que você está fazendo?

Alguém o agarrou pelo colarinho, era o sujeito que a pouco estava deitado.

—Escute jove pro..pro.. fessor, nobre e ... por que ta com essa cara? Vem comigo me pa...pagar algo para ... 

—Me solte, imund...

Ambos foram interrompidos. A figura mais grotesca já vista, caminhava lentamente em suas direções. O sujeito de roupas rasgadas e coberto de excrementos saiu correndo pelo primeiro beco que encontrara. Enquanto isso, Óneiporos escorregou em meio ao pânico e se sentou forçadamente.

O ser misterioso continuou se aproximando e com uma expressão séria começou a gesticular seus braços e pernas de maneira histérica. Falava palavras indecifráveis, talvez um idioma perdido há muito tempo. Esse à frente de Óneiporos era nenhum outro senão Sophrosseus.