Alexandria amanheceu maravilhosamente brilhante naquela manhã. Os primeiros raios de sol ainda não tinham derretido a geada que cobria as placas espelhadas que forneciam a energia elétrica à comunidade. O efeito era um deslumbramento de luz cintilante com as sete cores do arco íris.

O grupo que tão cedo já estava de pé, concertando os estragos causados por duas invasões seguidas de vivos e mortos hostis, deleitava - se com a beleza do amanhecer cintilante.

A paz de espírito do grupo de diligentes trabalhadores não era partilhada por seu líder. Rick Grimes detestava esses interlúdios de falsa paz. Isso desestabilizava a vigilância tão necessária para a sobrevivência.

Da última vez que que havia relaxado, que havia tentado aproveitar a paz, Rick Grimes perdera tudo. Tivera que correr sem olhar pra trás. Com um pouco de sorte conseguira escapar com seu filho.

Tivera que correr sem pensar que estava deixando sua garotinha. Judith estava morta. Esse cancro se alojara em seu coração minando sua esperança durante muito tempo.

A manhã prometera ser tão boa, mas boas promessas nesse mundo eram vãs.

O barulho de caminhões pesados estacionando próximos ao portão de entrada e a voz debochada chamando por ele confirmavam o péssimo pressentimento que tivera naquela manhã de luz e beleza.

"Não era possivel!" "Não era possível que aquele desgraçado estivesse de volta tão cedo!"

Rick Grimes estava enraivecido. Seu lugar seguro, Alexandria, estava sendo ameaçado e coagido por um grupo extremamente hostil e imprevisível. Acostumado a lidar com ameaças que se resolviam rapidamente, agora era obrigado a conviver com os agressores.

Ainda estava em absoluta desvantagem bélica e de pessoal treinado. Tivera que se render.

Fazia pouco mais de três semanas que Negan e seus homens estiveram em Alexandria, humilhando e pilhando a comunidade. Impondo sua vontade sobre Rick Grimes, deixando claro para todos ali quem estava no comando agora.

A algazarra que Negan fazia no portão já anunciara aos moradores da comunidade que eles teriam outro dia difícil em sua jornada de sobrevivência.

Quando Rick Grimes chegou perto do portão, Negan já estava sendo recepcionado por Michonne. O olhar carrancudo de sua mulher conseguia intimidar a maioria dos homens e mulheres que conhecia. Mas Negan nem piscava e em total destemor xavecava a Samurai com cantadas baratas.

Quando Negan viu Grimes seus olhos brilharam com ódio. Aquele merdinha do Sul havia causado muita dor e desprestígio em Refúgio. Por isso reservava os piores insultos quando falava com o Xerife:

_Rick, seu fudido! O sol já levantou faz horas e até agora você está mofando na cama. Essa Michonne, hein?! Tá acabando contigo. Disse pra ela que se tiver interessada num macho mais potente e vier comigo, eu a torno a número um do meu harém.

Às vezes Rick esquecia o que Negan podia fazer com eles e não fazia o teatro do subserviente:

_O que você quer Negan? Perguntou sem rodeios. Péssima escolha de palavras.

_Quero foder você, seu ze aruela.

_Negan, nós não temos comida. Não temos nada para oferecer de tributo. O tom de Rick agora era mais subserviente, assim como seus modos.

_É claro que eu sei que vocês não tem nada, porra! Um bando de gente preguiçosa e burra! Um monte de espaço dentro desses muros e aos invés de plantar, ficaram comendo enlatado podre.

Até mesmo Rick havia se surpreendido com a falta de hortas e plantações mais elaboradas quando chegara ali. Os alexandrinos tinham passado dois anos de sonho, enquanto o mundo ruia. Isso ainda custava caro.

Negan andava pelas ruas de Alexandria contando as casas e observando tudo.

Seus homens se espalhavam em duplas e trios, entrando nas casas, perguntando se estavam vazias e recolhendo cobertores e panelas. Intimidavam os alexandrinos com seu armamento pesado e palavreado chulo, mas não molestavam a população. Negan mantinha um rígido controle sobre o comportamento dos seus homens.

Negan estava diferente naquela manhã. Mais quieto, frio e calculista. Como se pesando uma decisão que tivesse tomado.

_Eu estava conversando com a sua mulher, enquanto esperava você se recuperar da surra de boceta que ela te deu e descobri que seu grupo foi encontrado nas estradas. É isso mesmo, Rickyto?

Rick não sabia aonde Negan queria chegar com aquela conversa fiada, mas não via motivos para não contar a história verdadeira. Então confirmou:

_Sim, fomos encontrados pelo recrutador de Alexandria. Estávamos nas estradas há tempos.

_E vocês continuam procurando a porra de sobreviventes?

Negan havia parado numa rua de Alexandria onde o mato crescia alto e todas as casas estavam vazias. Estavam bem conservadas, apesar do abandono.

_Não procuramos mais sobreviventes. Eles estão por sua própria conta, agora.

Negan olhou com deboche para Rick e sua voz tinha um tom de julgamento:

_Te entendo, Rickyto. Agora que a porra dos teus amigos está a salvo, que se dane os outros sobreviventes que continuam se fudendo lá fora, não é? E você se acha o último homem decente do mundo, hein Rickyto?

_Não. Não sou. Rick Grimes se forçou a responder, trincando os dentes. _O último homem decente do mundo você matou, Negan. Ele se chamava Daryl Dixon.

*******

"Não se afastem demais do comboio, mon petit." As crianças conheciam essa regra é claro. E sabiam que as regras eram necessárias para que sobrevivessem nesse mundo que mal compreendiam.

Mas Regina First repetia as regras do bando todos os dias, especialmente num dia atípico como aquele. Depois de muito tempo, estavam convivendo com pessoas estranhas ao seu convívio. E estranhos sempre foram um perigo, principalmente para as crianças.

Quando o apocalipse zombie começou e a civilização acabou, a sobrevivência das crianças se tornou impraticável. Foram os primeiros a morrer.

_Judith, Marie, Elton! A voz de Regina era puro mel quando chamou seus pequeninos que começavam a se afastar.

Gill, o adolescente mais velho, levava seus companheiros para fazer o reconhecimento da mata, onde Negan os havia deixado junto a poucos Salvadores.

_Não precisam montar acampamento. Logo Negan estará de volta e vocês poderão entrar na nova comunidade.

O homem dos Salvadores, chamado Tony se aproximou parecendo demonstrar abertamente sua curiosidade:

_Não deve ter sido fácil mante-los vivos, disse se referindo aos pequenos.

_Não. Não foi. _Regina também podia ser amistosa quando queria algo. E agora extrair informações do lugar onde pretendiam instalar seu bando era primordial.

_Nós matamos para mante-los vivos desde que os infectados começaram a aparecer. Quando ainda estavam frescos e as pessoas tinham dúvidas sobre o que eram: doentes ou loucos. Tinha uma lenda antiga e quase esquecida na minha cidade sobre mortos andarem, os velhos os chamam de zombie.

Tony os olhava com admiração e temor. Com certa inveja mesmo. Nenhuma das crianças de seu grupo original havia sobrevivido. Ele afastou a dor e se esforçou para ouvir o que Regina perguntava.

_Que lugar é esse para onde nós trouxeram, salvador?

_A comunidade chama-se Alexandria. Negan tem negócios com eles.

******

O lugar parecia com Woodbury. As pessoas os olhavam com mal disfarçada aversão enquanto seu novo bando seguia a melhor líder que tivera no perverso novo mundo.

A opulência do passado representada pelas casas grandes e bem construídas constratava com a cara faminta e assustada dos brancos que os vigiavam. Judith estava em suas costas e ele pensava qual daquelas pessoas teria que matar para manter suas crianças vivas.

Desde que a prisão caira há três estações, nunca mais encontrara sinal das pessoas que convivera e que o havia traído. Lizzie estava muito bem, mais sociável e calma do que se lembrava na prisão. Ele se sentia acolhido nesse novo bando, muito mais do que jamais estivera em qualquer outro.

Distraído, Tyreese sentiu a mão de Lizzie segurar gelada sua mão. Ele olhou para onde a menina olhava e seu suor também ficou gelado.

Aqueles rostos eram conhecidos. Eles estavam pálidos e distorcidos no horror do mútuo reconhecimento. Assim como a menina ao seu lado, ele imitou seus velhos conhecidos, ignorando-os.

Seu olhar permaneceu firme à sua frente, enquanto passava ao lado do pai de sua preciosa carga e escutava Negan, o novo dono de seu bando falar:

"Diga a eles que sou mau, Rick Grimes, tente. Vão pensar que está com inveja da minha generosidade. E assim eu vou poder foder você melhor."