Delta escrita por Rodrigo Silveira


Capítulo 5
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Notas iniciais do capítulo

Fortes emoções para o capítulo de hoje...



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Depois de rodar um pouco no ônibus — sim, eu me perdi — desci finalmente próximo à rua dezessete. A rua era apenas uma série de casinhas pequenas com calçadas irregulares, algumas altas, outras baixas, que me renderam tropeços algumas vezes. Tentei encontrar o lugar indicado por Taka. Não gosto de falar isso, mas aquele lugar parecia um lar de criminosos. Eu nunca tinha visto essa parte de Nova Eufrades, eu e meu pai morávamos em uma parte bem mais urbana da cidade. As pessoas ali tinham um aspecto sujo, eu acho estranho... Mas não quero falar delas.

Havia alguns postes acima da minha cabeça. A manutenção parecia precária, alguns fios amarrados em outros. Sobre eles, estavam as câmeras de monitoramento do governo que pareciam em perfeito funcionamento. Talvez eu realmente estivesse ficando maluco, mas a informação de Taka de que eles não estavam funcionando me pareceu reconfortante.

Mais à frente, eu encontrei o beco que Taka mencionara na mensagem. Paredes brancas, mas sujas, escuras mesmo sendo dia. Alguns gatos passaram correndo por mim para fazer o favor de me assustar. Juntei o resto de coragem que me restara e entrei no lugar.

De repente, senti um puxão e fui atirado contra a parede. Respirei ofegante, assustado. Meus olhos arregalados avistaram Taka na minha frente rindo de boca escancarada.

— Muito fácil te assustar. — Falou ele — Toda vez funciona.

Irritado, tirei as mãos dele que agarravam meu casaco.

— Me chamou aqui pra zoar comigo? — Eu disse — Melhor ir pra casa.

— Ei — Falou Taka — Espera. Veio até aqui. Isso significa que quer saber o que está acontecendo.

— Quero saber o que está acontecendo comigo. Você estava lá, na noite que o Sungro morreu. Sabe o que fizeram comigo. — Levantei a camiseta exibindo novamente a marca em forma de triângulo em minha barriga. — Por algum tempo eu pensei que fosse uma tatuagem. Sabe? Jovens são idiotas, fazem idiotices, eu sou um jovem idiota. Só que isso aqui tem a ver com o fogo em minhas mãos. Tenho certeza que você sabe. Vi o que fez com as câmeras. Essa coisa com eletricidade. Fizeram isso contigo também, não é? Tenho certeza que sabe o que houve com o Sungro. Ele também estava estranho.

Taka ergueu as sobrancelhas.

— Tantas acusações. Acho que já sabe o suficiente. Não preciso te dizer nada então. — Disse ele e virou as costas para mim.

Corri até ele, agarrando-o pelo colete preto que sempre usava. Taka apenas me olhou entediado. Em seguida, voltou seu olhar para as minhas mãos. Elas estavam esfumaçando, por consequência, queimando a roupa.

Soltei rapidamente seu colete. Estava acontecendo de novo.

— Lembra o que eu te falei. — Disse Taka, irritado, tentando limpar o colete — nada de ataques de raiva. Vem. A vizinhança não vai gostar muito de gente pegando fogo em seus becos.

Taka avançou no beco. Depois seguiu passando por uma esquina. Eu já tinha começado, agora tinha de segui-lo, e afinal, não queria me perder, o que era de costume. Nos outros becos, a pouca luminosidade se intensificava, mesmo com a luz do dia. Havia algumas pessoas que olharam para nós quando passamos. Elas me lembraram de que havia outros caras na noite em que Sungro morreu. Meus pés tentaram me levar de volta, mas eu prossegui.

No fim, chegamos a uma espécie de lanchonete. Parecia velha e mal cuidada. Nós passamos por uma portinha torta de madeira e escolhemos uma mesa. Não havia muita gente no local. Só alguns sujeitos desconhecidos, cada um em sua mesa. Havia também uma TV velha mais acima na parede. Estava passando um noticiário.

— Acho que você já pode começar a contar. — Disse eu, nervoso.

— Relaxa — Falou Taka, recostando-se na cadeira enferrujada em que eu jamais me encostaria. — Estamos seguros. Essas pessoas. Todo mundo aqui detesta a IRIS, o governo e etc. Querem ser livres de ter que andar por aí com uma câmera mirada em nossa direção. A propósito, o cara que morreu, Sungro, ele também andava aqui. Admito que ele não fosse boa peça, alguns caras querem liberdade para usar drogas livremente, fazer coisa errada, mas a galera aqui, a maioria é gente boa. Relaxa. Nada vai acontecer.

— Ah, sim — Meu nível de sarcasmo atingia os céus. — Acredito. Muito.

— Antes de tudo — Taka começou, me olhando firmemente nos olhos. Acho isso desconfortante. — Não tem tanto a ver com drogas ou com a morte do Sungro. Tem a ver com você. Os caras da escola e os do shopping. São da IRIS. Do governo.

— Por quê? — Perguntei, perplexo. — Pensei que eles só vigiassem tudo para nossa segurança. 

— É a ideia errada que se tem sobre eles. Fizeram todos acreditarem que estão vigiando. Errado. Estão procurando. E faz tempo. Agora eles acharam.

— Eu?

Taka assentiu.

— O que eu tenho de especial? As pessoas dizem que eu sou lesado, inclusive. A única coisa que eu sei fazer é jogar FLYERSTEP direito. Eu nunca vi ninguém correndo atrás dos outros jogadores com armas na mão.

Taka ergueu a sobrancelha.                                                         

— Bem. Isso é porque nenhum deles pega fogo. 

Certo. Ele tinha me pegado.

— Isso nunca tinha acontecido antes. — Falei. — Acho que eu me lembraria.

Taka remexeu-se na cadeira, fazendo barulho. Em seguida, apoiou os cotovelos na mesa.

— Não vim falar sobre isso. Essas explicações não são minha responsabilidade. Eu vim aqui te avisar sobre a IRIS. Eles estão armando um grande tabuleiro. E nós estamos nele. Nas cidades suspensas que circundam Nova Éden. Tudo o que queriam encontrar as peças certas. E agora eles acharam.

— E por que eu sou essa peça?

Antes que eu falasse mais alto, Taka colocou o dedo na frente da boca pedindo para eu falar mais baixo.

— Que jogo é esse? — Continuei — Quem participa disso? A Lea. Os caras sabiam quem era ela. Ela está envolvida nisso?

— Bem. Não exatamente. Mais algumas pessoas já tinha formulado teorias de conspiração contra a IRIS. Nem todo mundo concorda em ter a vida vigiado vinte e quatro horas por dia. Acho que ela deve acreditar em algo assim. Os caras conheciam o pai dela, Rijjad Vinsyl. É um ex-senador. Era influente. Ninguém mais fala disso. Ela vai ficar bem. Isto é, se ficar fora disso. A garota não se lembra de nada. Nem de você pegando fogo. Deixe-a fora disso.

Eu definitivamente concordava em deixar todos com quem me importava fora de risco. Perguntar sobre os revolucionários ou se a tal Revolução que todos falavam às escondidas me passou pela cabeça, mas a próxima pergunta surgiu naturalmente:

— Mas e o meu pai? Eles foram até a minha casa. Interrogaram ele.

— E como ele reagiu? Quero dizer, depois. — Perguntou Taka, interessado.

— Estranho. Eu acho. Falou em mudar de cidade.

Taka apenas balançou a cabeça.

— Obrigado por confiar em mim, Reen — Disse ele, sorridente. — Eu sei que pareço um completo estranho, mas não é bem assim. Um dia espero que possa te contar o quão próximo nós dois somos.

Senti que era hora certa de levantar e sair quando um homem sentado a uma mesa da lanchonete chamou nossa atenção apontando para a TV:

— Ei, Taka. Acho que vai querer ver isso

Uma propaganda da IRIS passava naquele momento. O rosto de um homem extremamente branco estampava o comercial entre os chiados da televisão. Esse eu sabia quem era: o senhor presidente, Zac Nelos.

Pude sentir Taka apertando a mão na mesa de plástico. Ele estava olhando sério para o aparelho. O homem na TV continuou falando:

... Há mais de quinze anos, a IRIS tem sido exemplo de segurança para todos. Trabalhando juntos, nós tornamos o estado celeste um lugar de paz e segurança. Um lugar sem as guerras e os conflitos que destruíram todas as civilizações do passado. Nós estamos em toda a parte garantindo que nenhum criminoso fique foragido e todos os crimes sejam solucionados...

— Zac Nelos. — Taka confirmou, sem tirar o olhar sério da TV. — É o presidente da IRIS e governador de Nova Éden.

Zac Nelos era incrivelmente jovem. Era essa a pessoa que estava me procurando? De alguma forma, seu modo de falar, talvez sua voz, parecia muito convincente.

As pessoas que estavam na lanchonete estavam todos lançando palavras de baixo calão para o homem. A propaganda continuou:

... E por isso, nós seguimos investindo em segurança para os cidadãos. Então, nos próximos dias, estaremos revelando o novo investimento do governo e parceria com a IRIS para nossa proteção. E escolhemos uma cidade muito especial para receber nosso projeto. A todas as pessoas de Nova Eufrades, meus parabéns. A nova segurança começa com vocês.

Não precisei de Taka para entender que aquilo era claramente uma armadilha. As pessoas presentes levantaram-se em silêncio, retirando-se, assustadas. A mulher que atendia no balcão olhou séria para Taka.

Ele me puxou para fora do estabelecimento e me levou até os becos escuros.

— Certo— Disse Taka, suando frio — Você vai para casa...

Nesse instante, o celular dele tocou. Ele retirou do bolso rapidamente e falou ao telefone:

— Oi. Viram o anúncio? Onde vocês estão? Preciso de vocês aqui o mais rápido possível. Certo. Por favor, venham logo.

Depois disso, Taka desligou.

— Por favor — Falei, muito nervoso, quase chorando. — O que eles querem comigo?

— Reen. Só tem calma. A ajuda está chegando — Disse Taka com um olhar confortante. Nós dois estávamos bem próximos — Tudo vai se ajeitar. Vai para casa e fica lá. Todos vão ficar bem. Se alguém mexer com qualquer pessoa importante para você...

Um raio caiu perto de nós, incendiando uma lata de lixo.

— Bom. — Continuou ele — Não vai ser muito legal.

Taka saiu de perto de mim e desapareceu entre os becos.

O nervosismo dificultou minha volta à Rua Dezessete, mas eu consegui. Não tinha mais ninguém na rua. Todos pareciam estar escondidos. As portas estavam trancadas. Voltei pelo mesmo caminho e peguei o ônibus. Não conseguia parar de pensar no que estava acontecendo. Em meu pai, em Dex, Lea. Até em Taka. Desde que ele surgira, as coisas tinham mudado tanto. Talvez não fosse sua culpa. Talvez ele estivesse apenas tentando ajudar.

Durante o percurso, peguei-me imaginando se meu pai tinha percebido meu sumiço. Sempre que ele se trancava daquele jeito no quarto, saía apenas no dia seguinte. Eu desejava muito voltar para casa, mas não sentia que devesse estar lá. A IRIS estava me procurando e eu não sabia o que fazer, só que tinha que ser logo e deixar todos os que eu conhecia de fora. Foi naquele momento que decidi não ir para casa. Dessa vez, eu tinha total noção quando o ônibus passou direto pelo ponto que eu deveria descer.

Peguei meu celular e liguei para Dex, que me atendeu prontamente.

— Legal — Disse Dex — Decidiu vir? Tô te esperando.

— Não. — Minha voz falhou, como se eu fosse chorar. — Dex. Por favor, não sai de casa. Preciso que você fique aí.

— Como assim? Você tá bem, Reen?

Eu ia formular mais uma mentira. Mas simplesmente resolvi desligar.

Sem rumo, digitei no celular o nome do homem que Taka dissera ser o pai de Lea: Rijjad Vinsyl. Por dez minutos algumas pesquisas me levaram a encontrar suas propostas de mandato para as últimas eleições. Nada muito útil. Vi algumas fotos do homem, em sua casajunto com uma mulher e uma garotinha, Lea. A casa era grande, talvez fosse em algum bairro chique. Encontrei o endereço na Internet. Eles precisam resolver isso de endereços online. As pessoas ficam muito expostas. Depois de rodar bastante, encontrei o lugar. Rapidamente, toquei o sinal e desci alguns metros depois. A pé, cheguei em frente a casa. Ela era tão grande quanto parecia nas fotos.

Hesitei um pouco antes de tocar a campainha. Eu sempre cometia algum erro assim, tocar campainhas de casas em que eu achava que conhecia os moradores. Deixa pra lá.

Depois de alguns segundos, uma mulher abriu a porta. Era a mesma que estava nas fotos. Ela tinha olhos verdes e cabelos negros e curtos. Sua boca me fazia lembrar-me de Lea.

— Posso ajudar? — A mulher perguntou, interrompendo minha observação de sua fisionomia.

— É... — Eu travei. Ela olhou curiosa. Eu estava todo suado e nervoso.

— Está aqui para ver a Lea? É algum colega da escola?

Um homem apareceu por detrás da mulher. O senhor Vinsyl. Ele parecia um pouco mais velho do que nas fotos. Cabelos brancos se misturavam aos negros agora. Seus lábios, mais finos, estavam curvados um pouco para baixo revelando desagrado.

— Ela não está. — O homem falou, sem entonação. — Volte outra hora... Quando estiver menos nervoso. — Em seguida, fechou a porta.

Tudo bem. Agora eu sabia de quem Lea tinha herdado sua temperança. Caminhei para a calçada para tomar o próximo ônibus. Precisava sair dali.

Dor.

Alguém puxou meu cabelo, me fazendo andar para trás.

Seja quem fosse, estava me fazendo voltar até a casa de Vinsyl. Mas eu não conseguia ver quem me atacara. Fui arrastado por detrás do jardim da casa. Acho que era uma passagem para os fundos. A pessoa que me puxava abriu uma portinha. No fim da rua, uma câmera da IRIS estava apontada para nós.

No quintal de Vinsyl havia um pequeno quartinho. Eu e a pessoa que arrancava meus cabelos entramos lá.

O sentimento de que a qualquer momento eu poderia pôr tudo em chamas tomou conta de mim. Fui jogado ao chão e a pessoa que me levara finalmente se mostrou.

Lea.

Eu levantei rapidamente. Fiquei grato por não saber como usar aquelas labaredas, senão teria colocado fogo na garota. Fui pego de surpresa, mas admito que, para uma menina baixinha, Lea tinha bastante força.

Ela estava ali parada na minha frente agora. A pouca iluminação vinda do lado de fora revelava seu rosto furioso.

— Não faça barulho. — Disse ela, entre dentes. — Nem um pio.

Obedeci, passando a mão na cabeça, procurando a parte de onde ela arrancara meus cabelos. No fim das contas não teria como falar nada, pois estava sem fôlego.

— Tu é idiota, cara? — Ela perguntou. — Os caras mais perigosos que existem estão atrás de nós dois e você vem justamente na minha casa? Por que está aqui?

— O noticiário. — Falei, exausto. — Você viu? Eles estão planejando alguma coisa. Aqui em Nova Eufrades. O cara. Nelos, ele tem um plano.

Lea bufou, arqueando os ombros.

— Não me diga. — Falou ela, com tom de sarcasmo. Em seguida, passou por mim e acendeu as luzes do quarto.

Certo, não era um lugar muito organizando, nem limpo, mas o que ela tinha ali era impressionante. Ao nosso redor, em todas as paredes, haviam fotos pregadas de várias pessoas famosas, ligadas por fitas a outras. Em cada uma delas havia um papel com algo escrito, como se fossem anotações sobre aquelas pessoas. Todas as fitas levavam para uma única foto. Bem grande, na maior das paredes, havia uma foto do homem que aparecera na TV: Zac Nelos.

— Eu já sabia. — Disse Lea, enquanto eu observava o local.

Havia também papéis espalhados pelo chão em toda a parte, mas não me atrevi a me aproximar.

— Então — Perguntei — O que é isso?

— Um dossiê. Uma investigação sobre muita coisa que está acontecendo. Muita merda tá rolando. É uma conspiração.

Sobre a foto de Nelos, havia um ponto de interrogação feito de tinta vermelha. Lea percebeu que eu estava olhando para ele.

— Nelos é só uma marionete, é o que dizem. Só um rostinho bonito, alguém maior está o usando, não sabemos quem é.

— Quem diz isso? — Perguntei — Quem são vocês? Que negócio é esse de Revolução que as pessoas falam por ai?

Lea caminhou e pegou o que parecia ser um álbum de fotografias. Ela o abriu e me mostrou algumas páginas, onde haviam várias fotos de cidades. Os lugares estavam completamente destruídos. Olhei confuso para ela.

— Eu trabalho sozinha. Como assim, não sabe o que é a Revolução?

— História não é minha matéria favorita.

— E qual é? Aquele jogo idiota de dança?

FLYERSTEP não é um jogo de dança...

A menina deu de ombros e continuou:

— Há dezessete anos, houve um conflito na antiga capital. Um grupo de cientistas se revoltou contra o governo por algum motivo. O conflito durou quase um ano e, no fim, causou a destruição completa de Éden, a antiga capital. Depois disso, quando a Nova Éden foi construída, Zac Nelos fez todos acreditarem que a décima primeira cidade, Tadei, foi culpada pela Revolução e todas as outras abriram fogo contra ela...

— Nunca ouvi falar em uma cidade chamada Tadei. — Eu disse, confuso.

— Claro que não. A cidade foi varrida do mapa. Tudo o que sobrou foi o que chamamos de Judas. Um lugar deserto em que ainda existem conflitos bélicos atribuídos a um grupo de pessoas chamadas de Revolucionários. Eles acreditam que o antigo governo escondia um segredo maligno, que foi o verdadeiro causador disso tudo e que usou a cidade de Tadei como um bode expiatório. Eles levaram a culpa por algo que não fizeram. Já ouviu essa história alguma vez? 

Eu balancei a cabeça.

Aquilo era muita história para mim. Nem sabia se tinha entendido tudo o que ela tinha falado. A garota apontou para as fotos. Em cada uma delas, um mesmo símbolo estava presente. Era um triângulo. Às vezes desenhada perto de corpos estendidos, às vezes nas paredes dos lugares. Aquilo me fez ter calafrios, pois era igual ao sinal em meu abdômen.

— É a letra Delta em um idioma muito antigo. Os revolucionários usam como seu sinal. O fato é que por mais que eu tenha procurado, ninguém realmente sabe o que aconteceu de verdade naquela noite de quinhentos e três — Ela jogou o álbum no chão e passou a caminhar pelo porão. — O curioso é que a IRIS parece estar tentando esconder que exista uma Revolução. Dizem que nunca foi visto nada do tipo pelas câmeras. E que o conflito é apenas por posse de território. Por causa disso, eles viraram apenas uma lenda urbana. Mas eu acho que isso não é verdade.

— E por que não? — Perguntei, quase mudo.

— Além de lesado você tem amnésia? — Disse ela. — Esqueceu dos caras que correram atrás da gente naquela noite?

— Por que acha que estavam atrás da gente?

— Eu não sei, Reen — Lea passou a mão pelos cabelos, impaciente. — Sempre pesquisei sobre esses assuntos. Eu nunca deveria ter te procurado. Ou Talvez só porque estivesse comigo. — Em seguida, ela me olhou de soslaio — Ou por causa do cara negro.

Dei dois passos para trás quando o olhar dela pareceu uma ameaça.

— Pois é — Continuou Lea — Eu me lembro do que aconteceu. Ele desligando as câmeras, apagando as luzes. Vi o que você fez com o cara, o fogo em suas mãos. Não sei como fez aquilo, mas é um pouco óbvio de por que a IRIS tá atrás de ti.

— Olha — Eu tentei explicar o inexplicável — Nem mesmo eu sei como fiz aquilo, eu juro que foi a primeira vez na minha vida que aconteceu. O Taka, aquele cara, tá me seguindo pra onde eu for, e eu também não sei o porquê. Se tiver algo rolando aqui, eu sou o mais inocente.

— Tá bom. Olha, sabe como o Sungro morreu? Acho que sim. Queimado. Acho justo que eles tenham ido te interrogar. Concorda?

Uma ponta de culpa me atingiu naquele instante. Aquela era uma informação da qual eu não sabia, então não tinha como me defender. A suposição de Lea, ou acusação poderia ser muito bem verdade.

— Não... — As palavras me fugiam. — Não faz sentido... Eu...

Lea veio até mim.

— Eu não estou te culpando por nada. Também acho que você é tão inocente quanto qualquer um. Mas precisamos encontrar o porquê de tudo isso.

— Você tá pensando em investigar isso? Você mesmo disse que isso é tipo uma guerra. A gente pode se machucar. Tudo o que você tem aqui. Se alguém achar... Você pode se machucar.

Lea ergueu as sobrancelhas.

— Não, se nós trabalharmos juntos. — Segurou minhas mãos. — Olha o que você fez. Imagina o que pode fazer, nós podemos desmascará-los. Mostrar pra todo mundo o que eles estão procurando.

Soltei rapidamente as mãos dela, mesmo que não o quisesse fazer.

— Nem pensar. Eu estou fugindo das câmeras da IRIS, não quero o resto das câmeras do mundo apontadas para mim. Só preciso de um lugar fora do alcance deles. Meu pai está pensando em sair da cidade. É melhor pra nós dois.

Lea aparentou estar decepcionada. Ela foi até uma das paredes cheia de fotos. Ela passou a mão por elas como se estivesse fazendo carinho.

— Não se importa com todas as outras pessoas. Acho que eu me enganei sobre você... Você é só um covarde. Mais um. E até parece que eles vão te perder. A IRIS pode encontrar qualquer coisa em qualquer lugar...

Antes que eu pudesse responder, nós ouvimos um barulho vindo do quintal.

Lea correu e colocou a mão na minha boca. Balancei a cabeça tentando respirar e ela entendeu que eu não faria barulho. Em seguida, ela correu para o interruptor o desligou as luzes.

Lea se abaixou e indicou para que eu fizesse o mesmo. Esperamos em silêncio que algo acontecesse. E, de fato, aconteceu. Alguns segundos depois, as luzes se acenderam. As lâmpadas pareciam oscilar e mudar a intensidade da luz. Nessa hora, eu tive uma ideia de quem poderia ser.

Com muita facilidade, Taka abriu a porta e adentrou o lugar. O rapaz de pele escura olhou para nós e depois apenas para mim, com indignação.

— Sabe — Disse Taka — Antigamente eu pensava que você tinha problema em prestar atenção nas coisas. Mas agora sei que você é apenas burro mesmo. Como você veio parar aqui, Reen? — Ele começou a gritar — Eu disse pra ir para casa. Vocês correram perigo naquela noite porque estavam juntos, e olhe só, está repetindo a mesma burrice.

— Eu te disse — Falou Lea — Seu burro.

Taka caminhou pela sala, parecendo, finalmente, perceber o que Lea fazia ali. Ele parou de frente aos papéis e tirou uma foto da parede. Lea fez que ia protestar, mas parou logo em seguida.

— Interessante — Disse Taka, olhando a foto e depois colocando-a no lugar de outra, alterando a organização. — Tem algumas falhas nessa sua teoria, mas ela é boa. O problema é que tem mais coisas. Coisas que ninguém sabe, que não tem na internet.

— Isso. — Lea olhava com um ar de animação para Taka — Como seu amigo aqui, que solta fogo pelas mãos — Disse, apontando para mim — E eu não me esqueci do que você fez. O negócio com eletricidade. A IRIS tem alguma coisa a ver com isso. Eu aposto.

Taka olhou para a garota com um ar de indignação.

— E eu aposto — Começou ele — Que você não vai contar nada pra ninguém...

Doom, Doom, Rowl.

Meu celular começou a tocar. Taka e Lea me encararam. Por ser quem estava me ligando, só o que pude fazer foi atender.

— Oi, pai. — Eu falei, quase engasgando. 

— Onde diabos você está, Reen Kosh? — Gritou ele do outro lado da linha. — E não me venha dizer que está na casa do Dex, porque a mãe dele me ligou. Ele saiu. Está com você? Onde você está?

A primeira ideia que tive foi que Dex tivesse saído para me procurar. Em seguida, dei-me conta do quão perigoso era isso. Eu precisava encontrá-lo.

— Reen — Berrou meu pai. — Tá me ouvindo? Onde você está?

— Eu... Vou encontrar o Dex. E vou pra casa. — Em seguida, perdendo completamente a noção, desliguei na cara dele.

Lea e Taka estavam ali, olhando para mim com a curiosidade estampada da cara deles.

— O Dex. Ele sumiu. — Eu esclareci. — Tenho que encontrá-lo.

Ao ouvir isso, Taka pareceu perder a curiosidade.

— Eu posso ajudar. — Disse Lea, parecendo mais solidária que o outro.

Taka bufou, parecendo chateado.

— Não. Não pode. Será que a conversa que tivemos hoje não serviu pra nada? — Falou. — Vocês não podem ser vistos juntos, para sua segurança, garota.

— Ei — Protestei — E a minha segurança?

Taka abriu a porta do quartinho.

— Você é o “probleminha” aqui. Venha. Vou te ajudar a encontrar o seu chaveiro.

Antes de fechar a porta, deixando Lea sozinha, Taka olhou severamente para ela:

— E você, não deixe ninguém ver o que tem aqui.

[...]

— Tem alguma ideia de onde estamos indo, ou só está perdido novamente? — Perguntou Taka, depois que descemos do ônibus e corremos vários quarteirões sem parar — Sabe, eu acharia legal saber ao menos até onde eu estou correndo.

Eu não respondi. Estava nervoso demais para isso. Mas eu sabia. Antes de meu pai sofrer o acidente que o fez perder a perna, ele era um projetista de prédios. Não sei o que isso tem a ver, mas ele nos ajudou a construir uma casa na árvore em uma pracinha, onde Dex e eu brincávamos quando éramos mais novos. Era para lá que eu estava indo.

— Sabia que estamos sendo vistos por mais de trinta câmeras da IRIS? — Taka insistiu. — Se me ajudar, eu encoberto a gente, mas eu realmente preciso saber pra onde estamos indo.

— Pra Praça Dos Três Tigres — Respondi, arfando, enquanto corria — Tem uma casa na árvore. Meu pai construiu pra gente. Acho que o Dex pode estar lá.

— Viu? — Taka falou, me ultrapassando. Eu estava completamente suado, mas ele nem parecia estar cansado. — Uma conversa de boa não faz mal a ninguém. Siga-me, eu conheço uns atalhos.

Preocupado, eu nem me importei em obedecê-lo. Seguimos correndo por algumas ruas e becos que eu desconhecia, mesmo morando ali minha vida toda.

Quase próximo à praça, Taka parou. Ele pôs a mão em meu peito, me impedindo de avançar também. Mais à frente, na praça, três ou quatro carros policiais cercavam o local, impedindo que uma boa quantidade de pessoas ali presentes se aproximasse de algo. Taka apontou para o capuz no meu casaco. Cobri minha cabeça com ele, enquanto Taka colocava um gorro preto que tirara do bolso.

Seguimos por várias pessoas de diferentes faixas etárias, todas amontoadas ao redor do cerco feito pela polícia. Meu coração pulsava aceleradamente, como se fosse rasgar meu peito. Porém, assim que chegamos em frente dos carros, o que eu vi fez com que o suor gelado em meu rosto se misturasse com as de lágrimas quentes que começaram a descer.

Dentro do cerco, entre todos os policiais e algumas pessoas vestidas com jalecos, estava um pequeno corpo inerte, coberto com um pano branco sinalizando o óbito.

Era Dex.


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Notas finais do capítulo

R.I.P. Dex...
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