Delta escrita por Rodrigo Silveira


Capítulo 12
Lugar vazio


Notas iniciais do capítulo

E aqui estamos nós de novo para mais um capítulo. Espero que curtam.



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— Você tem que o quê?

Lea conseguia fazer as caras, bocas e trejeitos que eu não conseguia quando estava indignado.

Terminei de explicar tudo e ainda parecia loucura o que eu mesmo estava dizendo.

— Está realmente disposto a fazer isso? — Ela duvidou.

— Acho que o que Grower falou é verdade. Maluquice, mas é verdade.

— Estamos em um mundo maluco, boy.

Taka tinha voltado. Ele parecia melhor, já não usava nada no lugar dos tiros. Vestia sua jaqueta de couro por cima das mesmas roupas dos revolucionários. As luvinhas que compunham sem visual ainda estavam lá.

— Ainda não confio em você — Falei.

— Fiquei até magoado. Então, vamos voltar para Nova Eufrades?

— Você não — Kai interveio — Precisa descansar mais, Zero-Dois.

Taka mostrou o dedo do meio para ele e saiu. Era interessante ver que até ele estava sob autoridade do líder. Então me dei conta de que eu também estava.

— Ai — Eu reclamei quando Lea deu um tapa na minha cabeça.

— Você vai mesmo exumar o túmulo da sua mãe?

No começo, Lea foi quem me chamou à atenção de todas as coisas estranhas ao meu redor. Agora, ela estava me mantendo preso a antiga realidade. As coisas que eu pensava serem normais.

— Eu não vou sair perdendo —revelei meu incrível plano surpresa — Se tudo que houver no cemitério forem coisas antigas do Erik, nós conseguimos nosso projeto de...

— Avião — Lea completou.

— Isso. Se não, estarei pronto pra revelar para Nova Éden tudo o que sei sobre os revolucionários. Afinal, terei muitas câmeras olhando para mim.

Os caras ao meu redor pareceram todos indignados com o que eu falei. Mas para minha surpresa, Kai, a quem eu estava tentando atingir, não me pareceu incomodado com a ideia.

— Por mim tudo bem — Ele falou dando de ombros — Partiremos à tarde.

— Então — Lea deu sua condição — enquanto vocês vão até lá, preciso checar como está minha mãe.

Kai riu levemente.

— Você não vai.

Lea voltou a fazer as caras e bocas.

O líder explicou:

— Essa é uma missão sigilosa. Iremos eu, Zero-Três e Ruben no carro de polícia. Disfarçados.

Lea pareceu que ia explodir. Ao invés disso, ela apenas relaxou os ombros e ficou em silêncio.

— Eu vou checar se está tudo bem com sua mãe — Eu tentei acalmá-la, pondo a mão em seu ombro.

— Não faça nada.

Nunca fui bom nisso.

— A refém aqui vai voltar ao seu quarto.

Lea saiu e foi seguida por Fred, sempre com sua arma em mãos.

— Quer dizer que eu também não vou? — perguntou o carinha de franja azul.

— O Grower precisa de você, Zero-cinco. — Kai respondeu, abaixando-se para ficar da altura dele.

— Não trate como o retardado aqui — ele falou, olhando pra mim e em seguida olhando de volta para o líder — Quando eu vou poder me juntar a vocês nas missões?

— Volte com Grower para o nosso lar e termine seu treinamento. No seu caso, vai ser “rapidinho”.

Zero-cinco apontou o dedo do meio para Kai e desapareceu mais rápido do que qualquer um de nós pudesse ter visto.

Caminhei por entre os revolucionários para chegar até seu líder. Alguns acenaram positivamente com a cabeça como se eu tivesse ganhado a aprovação deles.

— Ele tem um nome normal? — Eu quis saber — Robert, Iran, Miguelito...?

— Kevin. — Kai respondeu, levantando-se.

— E se for uma armadilha? — perguntei.

Kai me olhou sério. Sem me menosprezar dessa vez.

— É por isso que eu estou indo.

[...]

Mesmo que seu pai seja um homem que não é seu pai e tem uma perna protética de metal que falhe constantemente, nunca fale que a comida dele é ruim. A da Revolução é muito pior. Assim que aprendi a colocar aquilo pra dentro sem querer vomitar sobre o prato, passei pelo corredor onde Fred vigiava o quarto de Lea e juntei-me aos outros no meio da rua.

Minha roupa não era preta como as roupas dos outros. Era mais como cor de sujo. Mesmo assim, me sentia como um deles agora. Fui instruído a não deixar de usá-la em momento algum. Ia ser difícil ir ao banheiro, mas tudo bem. Ruben me deu uma roupa de soldado que mais parecia de escoteiro que vesti sobre tudo.

— Senhores!

Os caras reuniram-se em volta do carro de Ruben para ouvir Kai falar.

— Estamos voltando para Nova Eufrades. O sucesso dessa missão pode mudar tudo. Caso não voltemos até a noite, voltem para o nosso lar. Taka assumirá como novo líder e ele decidirá o que fazer.

O moreno deu um sorriso maligno em minha direção.

Se fosse pra ser liderado por ele, nem mesmo eu queria voltar.

Os revolucionários fizeram um triangulo com as mãos e apontaram para nós. Talvez isso significasse boa sorte ou fosse uma despedida. Preferi não perguntar. Saber o que o Delta significava agora me deixava mais nervoso.

Entrei no banco de trás do carro enquanto Kai, trajando uma roupa igual a de Ruben, sentou no banco da frente.

— Fique em silêncio — Alertou meu líder careca — Podemos passar por policiais de verdade e não importa o que aconteça, não fale nada. Eu e Ruben resolveremos tudo.

Com o sol do meio-dia sobre o carro passamos pelo mesmo caminho de onde viemos. Agora eu podia ver claramente o que tínhamos devastado. Casas, comércios, escolas. Muita gente estava sendo atingida inocentemente pela nossa briguinha com Zac Nelos. Eu queria resolver tudo àquilo para as pessoas pararem de sofrer, no entanto, na verdade desejava muito que houvesse alguém no tumulo. Preferia entregar os revolucionários e voltar a minha vida, mesmo sabendo que nunca mais ela seria normal.

Ruben ligou o rádio da polícia. Estava funcionando muito bem, inclusive. Havia várias chamadas de caras tentando descobrir onde o esconderijo em Silverado estava.

— Não vão conseguir — Ruben falou notando que eu pareci preocupado — Nosso refúgio não existe no mapa. Por isso também que não temos câmeras lá.

Do lado de fora, pude ver alguns jovens, talvez tivesse minha idade. Eles andavam pela rua, brincavam e conversavam entre si. Um deles apontou o dedo do meio para uma das câmeras da IRIS. Eu não faria aquilo. Nunca mais.

Mesmo depois do ocorrido da noite passada, as pessoas de Silverado estavam vivendo sua rotina, exceto é claro pelas pessoas que tiveram prédios danificados pela nossa fuga.

Fiquei tenso no momento em que duas viaturas passaram por nós. Um dos policiais pareceu conhecer Ruben e apenas acenou com a cabeça deixando-nos passar.

— Viu? — Ruben falou — Vai dar tudo certo.

Eu não acreditava que nada mais daria certo, mas não me dei ao trabalho de responder. Mais a frente, quando chegamos à Estrada de Diamante, eu tive noção de quão grande era o esforço da IRIS para nos achar: Haviam vários camburões trazendo mais de cinquenta homens armados com o mesmo armamento novo que usavam os policiais que foram a minha casa. Os Arcanjos.

— O que são essas coisas? — perguntei — Ontem, quando foram até a minha casa, os policiais tinham umas armas estranhas. Elas atiravam um tipo de energia que eu nunca vi antes.

— Chama-se Orion — Kai comentou, olhando para os Arcanjos — Era um protótipo de Erik. Não é letal. Nelos não quer você morto, mas para a Revolução o negócio é diferente.

Kai viu meus olhos arregalando-se de surpresa quando revelou que aquilo era criação do meu pai.

— E como Nelos teria acesso a essas coisas, se são do... Erik?

— Parece que Grower não te contou tudo — Disse Ruben, com um sorriso — Zac Nelos era estagiário de Erik quando ele trabalhava para a IRIS.

Na tentativa de não ter mais nenhuma revelação que fizesse minha cabeça explodir e tendo em vista que logo mais iria fazer a maior estupidez da minha vida, permaneci o resto do caminho na estrada em silêncio.

Assim que entramos em Nova Eufrades, Ruben desligou o rádio e pediu para que eu guiasse o caminho até o cemitério. Nós sabemos que não foi uma boa ideia.

Enquanto estávamos perdidos, notamos a falta de pessoas nas ruas. Pra falar a verdade, não havia ninguém em lugar nenhum.  Passamos por vários lugares da minha infância, ou pelo menos a que eu conseguia me lembrar, inclusive a casa na árvore que eu dividia com Dex. Tudo estava vazio. Praças, mercados, a escola...

— É uma armadilha — Kai anunciou.

— Devemos voltar? — Ruben perguntou.

O líder negou balançando a cabeça. Em seguida deu um tapa na minha cabeça.

— Pensa direito Zero-Três. Temos que chegar lá. Essa pode ser a ultima chance que temos.

Mais uma curiosidade sobre mim: Eu não trabalho sob pressão. Rodamos e rodamos por várias ruas até finalmente chegarmos ao cemitério.

Assim que descemos, percebi o porquê da minha cabeça demorar tanto a encontrar o lugar: Eu não queria estar ali.

Kai foi o primeiro a descer do carro. Saí logo em seguida e Ruben veio por último. Os dois notaram minha insistência em não entrar no local.

Kai deu um suspiro.

— É tarde demais pra querer voltar a trás, cara. Sei que vou me arrepender disso, e que provavelmente vamos nos perder aqui, mas, por favor, nos leve até o túmulo de Janine Odon.

Kai e Ruben tentaram ser pacientes quando nos perdemos. Juro que olhei atentamente cada lápide na tentativa de encontrar o que estávamos procurando.  Porém, só o que eu encontrei foi algo que eu não lembrava que poderia achar ali.

Escrito em uma lápide recente estava o nome de Dex Lithman. Meu amigo. Que morrera inocentemente por causa de toda aquela loucura.

Respirei fundo tentando ficar calmo, mas meus pés não obedeciam. Eu não conseguia sair dali. No meio de tanta confusão, eu não tive tempo suficiente para sofrer a morte dele. Pra ser sincero, sequer conseguia me dar conta do que tinha acontecido. Eu tinha quebrado meu objetivo de não chorar nem me descontrolar mais.

Kai foi até legal ao colocar sua mão pesada levemente na minha cabeça e bagunçar meus cabelos.

— Eu não estou pedindo pra você gostar de mim — disse ele — Mas nós passamos a nos entender melhor quando passamos pelas mesmas coisas. Eu também perdi amigos. É por isso que estamos aqui. Para não ter que perdermos mais ninguém...

— Por favor, vocês são políciais? Eu estou procurando um antigo professor, mas parece que não há nenhuma pessoa na cidade toda...

Nós três nos viramos para ver quem tinha dito aquilo. Eu sabia que aquela voz não era estranha.

Sabe o descontrole? Meu corpo cobriu-se de chamas consumindo todas as roupas policiais quando na minha frente avistei Zac Nelos.

Tomei impulso para me lançar em cima dele. A temperatura do meu corpo subira ao ponto de que as chamas encadeavam a mim mesmo. Assim que comecei a correr, Kai me segurou com um dos braços.

Foi um pouco assustador vê-lo sendo queimado por mim, ainda assim Kai continuou a me segurar.

Ruben, que não foi impedido, descarregou toda a sua munição no peito do presidente. Para nossa surpresa, nenhuma marca sequer havia ficado. Ele estava intacto, vestido em seu terno branco que misturava-se com a cor albina de sua pele.

— Holograma — Kai constatou. Ele ainda não tinha me soltado e agora eu já queimava a pele da sua costela. Mesmo assim, ele persistia em me segurar — O que quer, Nelos?

A projeção holográfica, que não sabíamos de onde vinha, deu de ombros.

— Um presidente deve fazer visitas aos seus cidadãos, não acha?

— Devíamos ter dado um jeito em você há muito tempo, seu moleque.

Ruben, que sempre me pareceu impassivelmente calmo, tinha perdido sua compostura. Aquela era uma situação limite. Digo isso por mim mesmo que continuava me debatendo do lado de Kai.

— Onde está meu pai? — Berrei, ignorando tentar não chamar Erik assim — Você vai pagar pelo que fez ao Dex!

Nenhuma reação. Zac Nelos somente passou o olhar por mim e encarou o líder da Revolução.

— Se não se importa — Falou ele à Kai — gostaria de fazer a mesma pergunta que me fez. O que você quer?

— Justiça, — Ele respondeu — liberdade, a verdade... São tantas coisas. Onde estão todas as pessoas de Nova Eufrades?

Pode me culpar, mas eu ainda não tinha ligado o fato do desaparecimento da população à Nelos. Isso me deu um frio na barriga que me fez apagar. O que diabos ele havia feito? Fiquei apenas parado, estarrecido, ao lado de Kai que sequer notou que eu tinha parado de me debater.

— Nem sempre temos o que queremos — O presidente começou — Mas nesse caso, eu tive a vingança. Fiz a eles exatamente o que a Revolução fez aos meus pais... Não. À todas as pessoas de Éden. Eles caíram. Para sempre no abismo do antigo mundo mais de quinhentos quilômetros, eu diria.

Desvencilhei-me de Kai de modo desesperado e joguei meu corpo furiosamente contra o holograma. Instantaneamente as chamas projetaram-me como um míssil e eu voei alguns metros até cair sobre uma lapide aleatória.

— Você é um monstro! — Gritei a plenos pulmões ainda no chão.

Nelos não se virou.

— Não. Vocês é que são. Olhe o que começaram. Quinhentos anos e nós conseguimos reestruturar a humanidade. Então vêm vocês e desequilibram tudo com suas anomalias genéticas e revoluções. A IRIS acabou com a fome, a violência, as tragédias... Então vocês vêm e trazem todos os males de volta. Por quê?

— Você já foi até Judas? — Ruben estava enojado — Como se atreve a dizer que não existe mais fome ou violência? Só o que você conhece é o mundinho das cidades que você se dá ao luxo de pisar. E Erik? O que você fez com ele? Ele era seu orientador, mas parece que voe não aprendeu nada com ele.

Finalmente Nelos virou-se holograficamente para mim.

— Seu pai está bem. Quero dizer, Erik. Acho que a essa altura você sabe que ele não é seu pai de verdade.

Eu poderia me sair voando e pegando fogo novamente — admito que isso é muito legal — mas a dor em meu ombro me lembrava que não adiantaria nada.

— FALE COMIGO, ZAC NELOS!

O grito de Kai foi a coisa mais assustadora que eu já vi até hoje. O chão tremeu sob os nossos pés e até mesmo a projeção tremeu um pouco. No fim das contas, eu preferia ser filho de mentira do Erik do que do Kai.

— Você tem minha atenção — Nelos falou, voltando-se novamente a ele.

— Não pode mais esconder isso tudo das outras cidades. A loucura que fez está registrada nas próprias câmeras que vocês criaram. Estamos ao vivo agora, inclusive.

O presidente apontou para a câmera.

— Isso? Não se preocupe, o segredinho de vocês, aberrações, está em segredo. Elas não estão funcionando. Agora, sem embolações, o que vieram fazer aqui?

Passei por entre o holograma e apontei para lápide de Dex.

— Eu vim visitar o túmulo do meu amigo, que você matou!

Zac Nelos abriu um semissorriso.

— Não leu o noticiário, Zero-Três? Foi você! Você e seu colega quem matou o menino! A historia pertence a nós! Nós somos o futuro, não entenderam? A Evolução biológica não é suficiente. A tecnologia superou tudo. E hoje, irá superar vocês também. E no final das contas — O olhar de Nelos mudou de repente. Aquilo era... Desespero? — O velho Grower não entendeu o plano de Nicolas Albuquerque. Hora de fazer alguma coisa...

A projeção acabou e nós ficamos lá. Tensos.

— Precisa nos levar até a lapide, Reen — Kai pediu.

— Eu não consigo — Disse enquanto as lágrimas caiam — Não consigo...

— Nós já chegamos até aqui — Ruben argumentou. Para falar comigo, ele voltou ao seu tom de voz mais calmo — É nossa última chance de...

Tudo parou.

Uma enorme quantidade de poeira subiu sobre nas nossas cabeças tirando meu fôlego. Meus ouvidos estavam zunindo insuportavelmente devido ao barulho da enorme explosão que tinha acabado de acontecer. Estávamos debaixo da terra. Assim como os mortos.


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Notas finais do capítulo

Que tal deixar o que está achando? Estimula bastante a escrever e impede que existam outros hiatos. ;)



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