O CAMALEÃO SIDERADO escrita por MARCELO BRETTON


Capítulo 23
Capítulo 23




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Depois de um interregno sexual acachapante que fez tremer os pregos fincados da barraca onde estavam, Franco chamou Gemima pra tomar um ar nas redes penduradas do lado de fora, ao relento. Ainda com as pernas bambas, deitaram e relaxaram olhando pra lua.

 

— Que história aquela de Santa Meredite. Eu me vi na pele da moça – Falava toda derretida a gordinha, enrolando os cabelos do peito do seu coroa com a ponta dos dedos.

— Me senti tão bem, que com um metro e oitenta de altura, se me demorasse mais uma hora naquilo, ganharia trinta centímetros e rapidamente tomaria conta de Lilliput – Respondeu de peito inchado.

— É alguma puta?

— Não. É um reino de anõezinhos.

— Seu depravado. Lindo por dentro e por fora.

— Para que serve beleza interior se o pinto não tem olho, aliás, ultimamente tenho desejado uma dominatrix batendo de chicote no meu rabo. Será que depois de velho tô entortando a mão? – Disse fazendo troça com um olhar moleque pra sua pequena.

— Seu tolinho, na sua idade você pode ser o que quiser. Mas se for pra dar a bunda, deixa que eu mesma te como, certo? Mudando de assunto, ouvi a Selma dizer que você você expulso da igreja por pedô-não-sei-o-quê.

— Isso foi o que eles inventaram. Alguém precisava revelar o que há debaixo do tapete, baby. Na igreja, eu tinha colegas que liam Mein Kampf.

— É alguma pornografia?

— De certa forma. É um tratado antissemita. Pra resumir, se você é preta, gorda e pobre, não vale a merda que caga.

— Se esse filho da puta tiver vivo, enfio uma estaca de cana no rabo dele! – Gritou Gemima para em seguida tapar a boca, lembrando que pessoas podiam estar dormindo por ali.

— O problema é que ele gostava da fruta.

— Da cana?

— Do talo da cana. Eles acreditavam em duendes altos, loiros e magros, e com picas que iam daqui lá naquela estrela.

— Nem com esse dote aí me empolguei. Mesmo sem ter instrução eu sei conhecer o mal quando ele aparece.

 

Franco não sabia se Gemima era uma mulher bitolada que só pensava naquilo, ou se ela tinha um sexto sentido magnético que conseguia captar a parte menos cinza da sua alma. Mas aquela fofura era o seu elixir, sabia que a sua loucura era verossímil, e não parte de um complô pra apresentá-lo num circo de aberrações aos fins de semana. Ele não se considerava americanizado, mas sentia a vontade de proteger todo o mundo. Mesmo que essa proteção significasse abreviar a vida de pessoas na terra, direto pro paraíso, que ele acreditava piamente que existia, e poupá-las do sofrimento terreno. Era só uma espécie de abra-te sésamo à moda da casa.

 

Selma e Diolindo se aproximaram ainda em tempo de ouvir aquele diálogo que implorava por um tradutor tarimbado e especializado no idioma intrincado de Franco.

— Ser padre é um dom, é um chamado, não é profissão. Você nunca trabalhou Franco! - Afirmou Selma com ar de deboche, com Diolindo lhe fazendo sombra.

— Trabalhei sim. Minha família era muito pobre, meu pai tinha uma oficina numa época que ninguém tinha carro. O prefeito da cidade tinha uma fazenda com os melhores cavalos da região. Sempre tinha gente na porteira querendo comprar um. Daí ele teve uma idéia melhor, vender o esperma dos bichos. Adivinha só quem batia punheta nos cavalos pra colher aquela porra toda! Euzinho! – Respondeu sem conseguir levantar da rede para ver os seus interlocutores. Tudo lhe doía depois da epopeia sexual.

 

— Depravado desde o berço – Emendou Diolindo desgostoso em ter que ouvir aquilo.

— Não sou chique porque ser tosco sai mais barato, mas eu juro sobre a sepultura de papai que falo a verdade. Melhor não jurar não, senão o velho vêm puxar o meu pé de noite. Já dei uma bela duma mijada em cima daquela cova quando lembrava das coças que ele me dava me empurrando o tempo todo pra igreja. Vejam no que deu! – Dramatizou a fala apontando pra si e congelando um sorriso safado na cara.

— Daí fiquei interessada – Interveio Selma, querendo saber mais sobre o assunto.

— Não gosto de me prolongar muito depois que a piada acaba.

— Teoria de bêbado – Falou a mulata cruzando os braços, enquanto Diolindo a abraçava por trás.

— Bebo porque sou egoísta ao extremo e gosto quando o mundo gira ao meu redor.

— Você não têm remédio – Vaticinou o filho beijando as bochechas de Selma.

— Lindinho, remédio, se eu pudesse inventaria um. Seria um supositório de lucidez instantânea enquanto bêbado. Daí ninguém poderia reclamar do meu bafo, da minha lerdeza de raciocínio e das incongruências da minha fala. Aí sim, eu queria ver essa plantação de tsc tsc tsc murchar .

 

Ficaram por ali, dividindo as redes, cada qual com o seu par, enquanto dentro da barraca do Adão e Eva daquele Éden, Plínio broxava pela terceira naquela semana, para desgosto de Dorotéia que ainda tinha que abrir o sorriso diante do fracasso do seu marido e, pensando que se esse supositório existisse pra conseguir uma boa ereção que fosse do seu marido, já o teria lhe enfiado cu adentro sem dó nem piedade.

 

###

 

O Hospital Geral ficava no caminho antes de pegar a estrada e, portanto decidira dar uma parada rápida por ali dizendo ao velho que iria checar se um preso sob custódia tinha se operado, e se já estava apto a voltar pro encarceramento. Mas a sua intenção era outra. Sr. Almeida deu de ombros e disse que esperaria no carro, apesar da sua vontade de chegar logo ao destino e se certificar de que as suas filhas e o seu neto estavam bem. Quem sabe aquilo tudo não fosse uma festa surpresa que estariam aprontando pra ele? Afinal se a sua Bibinha estivesse viva estariam comemorando bodas de ametista. E com o envolvimento de Fredson que sempre arrastara uma asa para Selma... Talvez meia asa, já que a sua fama de macho era como uma piada mal contada, mas que ainda assim todo mundo ria pra não perder a amizade do homem, já que era autoridade. Talvez a coisa desse certo nesse arranjos, pensava o velho comerciante lembrando a primeira vez que flagrara sua filha adotiva puxando o seu estranho dote para trás enquanto vestia uma das suas calças apertadas. Nem sua falecida sabia que ele sabia, e lembrava com escárnio quantas vezes fora expulso do quarto enquanto ela trocava as fraldas da filha para que ele não soubesse da verdade que mais tarde viria à tona. Não seria aquela verdade que o faria desistir de amar aquela criaturinha indefesa e jogada no mundo como carne de terceira aos leões. Sempre fora um homem de conceitos rígidos, mas se a sua ignorância diante do fato fizesse a sua filha feliz, ele preferia seguir fingindo que não sabia de nada.

 

Resolveu sair do veículo e dar umas bandas para ver a quantas andava a saúde do país. E foi indo atrás de um copo de água na recepção que conheceu Florinda, uma jovem senhora na casa dos quarenta, ele supôs, que lhe lembrou imediatamente de Bibinha, mas numa versão moderna e mais arejada, inclusive pelo tamanho da sobrancelha que se emendavam no alto dos olhos, e um sorriso aberto quando na verdade estava sentindo contrações pra parir.

— A senhora está bem? – Perguntou desajeitado o viúvo que há anos não se aproximava de seres daquele sexo com outras intenções que não fosse vender um pacote de absorvente ou coisa que o valha.

— Acho que não, mas estou aguentando firme. Disseram que ainda não era hora, mas o bebê está contradizendo os médicos.

 

Indignado pelo descaso, e sem saber direito porque estava fazendo aquilo, Almeida a levou cuidadosamente para a viatura da polícia com a chave no contato, acomodou-a no banco de trás, ligou o giroflex e arrancou em direção ao hospital particular que conhecia na região, não sem antes apalpar a pochete para ver se o seu talão de cheques se encontrava ali. O seu bigode continuava a bater asas, mas agora era fruto do vento que lhe batia no rosto e do sorriso que escancarava ao saber que a mulher era mãe solteira e não tinha ninguém nesse mundo. A festa das bodas que as meninas estavam aprontando para si teria que esperar. Assim como Fredson e o seu meliante operado.

 

###

 

A porção de calabresa no álcool havia sido servida cinco minutos antes, mas já não havia nada no prato.

— Eu comia outra dessa! – Dizia Romeu passando o dedo no óleo que sobrara do tira gosto.

— Sim, sim, Romeu, mas agora precisamos levantar a situação. Precisamos perguntar coisas e não têm ninguém conhecido por aqui ainda. Há essa hora aquele povo já deve de tá longe!

— É porque os matuto tão na roça trabalhando. A hora certa é fim de tarde quando chegam tudo com sede.

Nesse ínterim já tinham interrogado o dono do Cebola Podre que não gostava de se meter na vida dos outros como todo bom dono de bar, e tampouco aconselhou a quem interrogar sobre o assunto, já que não via com bons olhos o dono do sítio em frente. Um homem arrogante que quando lhe comprava algo não saia do carro. Tinha que sair do seu balcão para lhe atender como uma porra duma lanchonete dessas moderna da cidade grande. Ainda por cima vinha fazendo fiado nas últimas semanas dizendo que tinha vendido os seus cavalos prum descarado qualquer e tinha levado calote. Ele que não pagasse pra ver o coice que ia levar, afinal tinha os seus contatos na capital. Mas por enquanto a dívida era pequena pra pedir pro seu filho cobrar. Aliás a dívida tinha que dobrar de tamanho todo dia pra poder tomar coragem e dizer ao seu filho que ele era o seu pai, afinal fizera sua falecida ex-esposa dizer a ele pouco antes de morrer que ele também já tinha passado dessa pra melhor. Assim era melhor, que ele continuasse sendo criado pela avó materna, a destrambelhada da Geruza. Só iria incomodá-lo numa situação que exigisse forças além daquelas que tinha, mas estava doido pra ocorrer algo, ainda mais sabendo que o seu filho era da polícia.

 

Olhou novamente pro caderno de fiado e não vislumbrou nenhum cliente que lhe devesse uma quantia que justificasse revelar um segredo de família tão bem guardado por tantos anos.


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