KILE

14:25.

O bilhete dizia 14 horas, mas os dois traquinas estavam atrasados.

Olhei para a coisinha animada que balançava o rabo para mim. Meia hora atrás eu dei um antigo boneco de ação para que ela pudesse brincar, mas agora ele estava todo destruído e não era mais tão interessante, o que me deixava como uma única opção de distração.

Ela era, obviamente, a cadela mais bonita que já vi. Suas orelhas longas e caídas eram de um tom de castanho claro que se estendia pela pelugem ao redor dos olhos e pelas patas, o resto de seu tronco era branco como a neve. De acordo com a dama do abrigo, ela era um Cocker Spaniel Inglês, tinha sido encontrada nas proximidades de um bairro nobre de Angeles, há quatro semanas, com a pata quebrada; sua recuperação fora difícil, mas agora ela estava pronta para ser adotada. Eadlyn iria amá-la, com certeza.

Antes que a lembrança da princesa pudesse dar asas a minha imaginação, ouvi quatro batidas pausadas na porta. O código. Abri a porta vagarosamente, tentando impedir a criaturinha curiosa de sair. Osten e Kaden entraram no quarto furtivamente, provavelmente fugiram das aulas de etiqueta para que pudessem estar ali.

Pude ver claramente quando os dois pares de olhos castanhos como os de Eadlyn pousaram surpresos na bolinha peluda que brincava a seus pés.

— Kile, o que é isso?! – exclamou Kaden, revelando sua preocupação.

— Que bonitinho! – disse Osten, visivelmente, despreocupado, enquanto se abaixava para acariciar a cadela.

— Esse é o presente de vocês! É uma cadela do abrigo de animais e já foi vacinada. Tem 6 meses e é muito agitada, ela vai sair correndo e latindo pelo palácio todo se vocês a deixarem sair daqui.

— Como assim se nós a deixarmos sair? – perguntou Osten.

— Ora, o presente é de vocês. Eu já tive a ideia, arranjei a cadela e disponibilizei meu antigo quarto para vocês terem onde deixá-la. Agora cuidem dela.

Pareciam meio chocados, mas, no final, assentiram. Acho que, no fundo, eles esperavam que os mimasse por causa de Eadlyn.

— E o que temos que fazer? – indagou Kaden.

— Bom, ela precisa comer três vezes ao dia, também precisa de água. Vocês também precisam treiná-la e levá-la para passear sem que ninguém veja. E vocês também têm que dar banho nela.

Kaden e Osten entreolharem-se como se pensassem em uma maneira de escapar de tudo aquilo e então eu vi um sorriso surgir no rosto de Osten. Já vi que vai sobrar para mim.

— E você acha, meu caro Kile, que para isso teremos que vir aqui muitas vezes?

— Suponho que sim.

— Então, raciocine comigo, ok? O quarto de Eadlyn é no final do corredor, bem próximo daqui... Ela obviamente notaria se eu e Kaden passássemos a frequentar seu antigo quarto tão frequentemente, poderia acabar descobrindo sobre o presente. – começou Osten satisfeito consigo mesmo por ter tido a ideia.

— Mas o quarto é seu. Seria bem mais fácil você ter uma desculpa para vir aqui do que nós. – Kaden completou a linha de raciocínio de Osten, seu tom de voz evidenciava que não tinham combinado aquilo. Osten tinha inventado tudo sozinho.

— Então, deixa eu adivinhar, vocês querem que eu cuide dela até o aniversário da irmã de vocês?

— Exatamente. – os dois entoaram em uníssono.

Sei que não preciso fazer isso, poderia simplesmente deixar os dois lidarem com seu problema. Mas, no fundo, eu sabia que o risco de Eadlyn descobrir seria bem maior se eles cuidassem da cadela e alguma coisa dentro de mim não queria que ela descobrisse, queria que fosse surpresa.

Aceitar essa proposta poderia ser visto como agir movido por um impulso idiota, mas foi exatamente o que eu fiz.

— Tudo bem, eu topo.

Isso vai dar muito trabalho.

—X-

— Kile?

Merda, merda, merda!

Tinha passado as últimas duas horas dentro do quarto tentando fazer a cadelinha se acalmar e a treinando. Tinha feito de tudo para que Eadlyn não suspeitasse de nada e agora ali estava ela, vendo-me sair do quarto.

— Oi, Ead. Tudo bem?

— Não me chame de Ead. E eu estou bem, obrigada. O que estava fazendo aí?

— Eu gosto de Ead. E no que isso te interessa?

No que isso te interessa?! Acho que eu não poderia ter atiçado mais a curiosidade dela.

— Eu não gosto de Ead. Por que está se esquivando da minha pergunta?

— Alguém já te disse que você é muito curiosa?

—Kile!

— Estou brincando, estava trabalhando em uns projetos.

Não era mesmo uma mentira, eu tinha mesmo olhado umas plantas antigas no quarto.

— Jura? Posso ver?

Eadlyn, você realmente gosta de dificultar a minha vida.

— Não, ainda não estão prontos. Mas juro que, quando estiver pronto, você vai ser a primeira a saber.

Ela parecia desapontada, abateu sobre mim aquela vontadezinha de revelar tudo a ela. E eu quase cedi. Quase.

— Tudo bem... E vai fazer o que agora?

Tentar te afastar da porta do meu quarto.

— Ah, não sei... Eu não tinha planejado nada.

— Eu tenho um tempinho livre agora...

Espera, Eadlyn estava pedindo para passar um tempo comigo? Por livre e espontânea vontade? O mundo realmente dá voltas.

— Por que não passamos nosso tempo no jardim, então?

Ela abriu um lindo sorriso – espera, eu classifiquei um sorriso da Eadlyn como lindo? - antes de responder.

—  Eu adoraria!