O som do despertador ecoou pelo quarto, me lembrando que, infelizmente, o primeiro dia de aula já havia chegado. Olhei pela janela o Sol se preparando para surgir e me levantei, pronta para recomeçar a rotina escolar.

…

Esperei pelo ônibus, que, por sorte, não tardou tanto. Cumprimentei o motorista, a monitora e logo me sentei, colocando meus fones de ouvido e dando preferência às músicas mais calmas. Olhava a paisagem pela janela, que não havia mudado muito desde o último dia de aula. Sorri, discretamente, lembrando de como o último dia havia sido tranquilo. Prometi a mim mesma que faria de tudo para que esse ano também terminasse bem.

De vez em quando eu observava os alunos que entravam no veículo, poucos deles eram novos na escola. A viagem estava sendo rápida, pois, sem que eu percebesse, o ônibus já estava parado em frente ao ponto de embarque de um certo garoto com heterocromia.

— Parece que tem mais de um ano que não vejo esse banco vazio ao seu lado. — Vicente riu, se sentando logo em seguida — Nem preciso perguntar pelas suas férias pois nós nos falamos quase toda semana, só a Karol que quase não aparecia.

— Foi mesmo! Mas até que foi legal! — concordei, sorrindo.

Começamos a conversar sobre as novas matérias que teríamos, sobre os livros paradidáticos… sobre a escola, em geral. Com a chegada de alunos novos, o percurso após a subida de Vicente aumentou, nos permitindo conversar mais no ônibus.

Quando chegamos na escola, a quadra ainda estava um pouco vazia. Achamos que seria mais fácil de achar Karol enquanto não havia muitas pessoas. O mais engraçado foi que Karol nos achou antes e, em seguida, começamos outra longa conversa sobre vários assuntos.

— Atenção, alunos! — a voz do coordenador, distorcida pela caixa de som de péssima qualidade, interrompeu nossa conversa, assim como a de muitos outros — Vamos começar a separação das turmas!

— É sempre assim? — perguntei, mesmo que achasse que ninguém fosse responder.

— É, sim. Eles separam por ordem, assim que vamos ter que ficar atentos… — Vicente disse, observando as filas começando a se formar.

— Pelos meus cálculos, a fila do 9º ano deve ficar mais ou menos nessa direção… — Karol apontou para uma região da quadra. Seu talento com a lógica é invejável.

— Não custa nada ficar por perto. Pelo que eu lembro era sempre por ali, mesmo. — Vicente acrescentou.

— Você deve estar meio perdida, né? — Karol perguntou e eu assenti com um gesto — Não se preocupa, a gente vai te guiando! — ela sorriu.

— Não deve demorar muito… — sussurrei. Ao menos era nisso que eu acreditava.

…

Após mais de meia hora, começaram a definir os alunos da 9A e 9B. Eu, Karol e Vicente ficamos na mesma turma, assim como algumas das garotas que Karol conhecia e outros alunos que Vicente reconhecia “de vista”. Assim que terminaram a separação de todas as turmas, pediram para que cada uma fosse para sua sala, em ordem. Subimos as escadas juntos, mesmo que com dificuldade. De vez em quando, alguém acabava nos empurrando, nem todos pedindo desculpas.

Assim que chegamos na sala, houve uma correria para conseguir os melhores lugares. Como nós demoramos, sobraram apenas carteiras longes umas das outras. Sentamo-nos, ainda contra a vontade, e esperamos alguma coisa acontecer.

A professora chegou logo em seguida, fazendo um longo discurso sobre a importância dos estudos, pois já estamos quase chegando no Ensino Médio e precisamos aprender a trabalhar juntos para ter um futuro melhor… coisas que minha mãe sempre falou.

— Agora que já sabemos a importância dos estudos e do trabalho em conjunto, vamos apresentar os alunos novos, para que eles se sintam bem nesse novo ambiente… — a professora foi interrompida pelo barulho da porta abrindo violentamente.

— Desculpa, cheguei atrasada. — uma voz feminina soou do lado de fora da sala — Posso entrar, professora…?

— Claro. A propósito, meu nome é Pâmela, professora de Artes. Já íamos apresentar os alunos novos, quer se apresentar primeiro?

— Seria um prazer! — a dona da voz, com seus cabelos loiros lisos até a cintura, olhos claros, voz mansa e maquiagem pesadíssima, se posicionou na frente do quadro — Meu nome é Mariana, prazer em conhecer todos vocês!

— Certo, Mariana, agora sente-se, por favor.

A menina foi andando, procurando uma carteira para sentar. Como não havia mais lugares vazios, ela perguntou para a professora se poderia pedir em outra turma, mas logo alguns garotos se prontificaram a ajudá-la. Olhei um pouco para trás, procurando Karol, que estava tentando arrumar alguma coisa para se concentrar. Na primeira carteira de uma das fileiras, estava Vicente, batendo levemente com o lápis contra a mesa.

Quando o garoto voltou, pude ouvir a tal Mariana dizer, em um tom debochado:

— Coloca a cadeira do lado da do Vicente.

Surpreendi-me. Aquela garota já conhecia o Vicente?

Procurei Karol com os olhos, esperando que ela conseguisse entender o que estava acontecendo, mas parecia que nós duas estávamos surpresas. Ouvi o barulho dos pés da carteira atingindo o chão e não pude deixar de olhar para a garota. Tudo aquilo estava bem confuso.

Mariana fez um aceno debochado para o garoto. Não um “Obrigada”, mas sim um “sai daqui, não tem mais utilidade”.

— Faz tanto tempo, não é, Vicente? — ouvi-la dizer, em alto e bom som, dando uma leve carícia no rosto dele, que apenas se encolheu na carteira.

Senti um misto de confusão, asco e raiva. “Quem ela pensa que é para tratá-lo assim? Ou melhor: o que ela é para tratá-lo assim?”, era a única coisa que me vinha à mente naquele momento.

No final, o que teria uma garota tão arrogante a ver com um garoto tão tímido?