Julgamento de uma Ilusão escrita por Mirai


Capítulo 6
A aluna nova




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/671754/chapter/6

— Mais algum aluno novo? — a professora perguntou, tendo o silêncio como resposta — Bem, então vamos iniciar a aula. Peguem seus cadernos.

O barulho do choque dos cadernos contra as mesas se misturava aos comentários dos garotos sobre Mariana e às conversas das meninas com a mesma. Eu estava querendo descobrir quem era realmente essa menina e deixando de me concentrar na aula para isso. Tomava anotações da matéria, dava o meu melhor para compreender cada palavra da professora, mas não estava totalmente focada nisso. Todo momento em que surgia uma oportunidade, observava aquela garota e como Vicente estava, aparentemente, desconfortável.

Mas ele não parava de olhar para ela e isso já estava me fazendo ficar intrigada. Ainda mais por ela me lembrar uma certa garota que eu fazia questão de esquecer.

Voltei a tentar me concentrar na matéria. Não é tão desinteressante assim, pensei, tentando me desvencilhar dos pensamentos sobre os problemas pessoais do meu amigo.

Dei uma última olhada. Mariana estava conversando com suas, aparentemente, amigas e Vicente a encarava, com um leve rubor no rosto.

Se ele gosta dela não há problema nenhum, ao menos não parece ter nenhum entre os dois, concluí, antes de realmente fazer o que é meu dever em uma escola: estudar.

A aula passou mais rápido do que imaginei. Assim que o sinal tocou, guardei uma boa parte do meu material, peguei o dinheiro que havia separado para comprar o lanche, o celular e me reuni com meus amigos.

— Artes esse ano deve estar legal, ainda. — Karol disse, enquanto descia as escadas.

— Artes é legal, só estraga ter que estudar um monte de artistas que a gente nem sequer gosta! — respondi, soltando um leve riso.

— Ou então quando a professora pede para fazer um desenho e a gente nem bonequinho de palito sabe fazer… — Karol disse — Assumo que eu não sei desenhar.

— Eu também não consigo desenhar direito…

— Vicente, você sabe desenhar? — Karol perguntou, animada.

Após segundos em silêncio, Vicente pareceu voltar para o planeta Terra.

— Hã? Er… pode repetir a pergunta? — Vicente pediu, após alguns segundos.

— Você realmente estava distraído, hein? — Karol disse, em um singelo tom de reprovação — Em que você estava pensando?

— Ou em quem…? — disse, de implicância. Não deixaria passar essa oportunidade de saber quem era essa menina.

— E-Em nada! — ele exclamou, tentando disfarçar.

— Tem certeza? — Karol perguntou. Éramos duas pra capturá-lo!

Ele abaixou a cabeça, parecia estar com vergonha de dizer a verdade. Havia, sim, alguma coisa o incomodando.

— Tem a ver com a tal Mariana… — ele disse, logo após dando um longo suspiro — só… só tomem cuidado com ela, por favor.

Eu sabia que tinha a ver com essa menina!

— E por que? — Karol perguntou, surpresa — Já aconteceu algo entre vocês?

— Ela já estudou aqui, sempre causava confusões. Mas não acho que ela vá incomodar vocês. — ele sorriu, tentando nos despreocupar.

Eu e Karol assentimos, ou, ao menos, fingimos que sim. Fomos comprar nosso lanche e sentamos juntos. Conversamos um pouco mais sobre qualquer coisa, embora eu estivesse, de momento em momento, tentando espiar a tal garota nova. Ela sequer olhou para nossa direção, o que me deixava um pouco mais tranquila.

Após o recreio, tivemos aulas de Geografia. O professor William era ótimo explicando, foi a primeira vez que eu parei para pensar no motivo de estudarmos essa matéria. A aula pareceu ser bem mais rápida do que a outra e, sem que eu percebesse, já estava na hora de ir embora. Despedi-me de Karol e fui em direção ao ônibus, junto de Vicente.

— O que achou da aula? — tentei quebrar o silêncio.

— Normal. Primeiro dia de aula sempre é mais calmo, depois é que a coisa piora… — ele sorriu forçadamente.

— Tem certeza de que não tem nada te preocupando?

— Chega a me preocupar mais saber que você se incomoda com alguém como eu. — ele respondeu, de cabeça baixa.

— Alguém como você? Cara, acorda! — disse, começando a perder a paciência — O que você acha que é? Um pedaço de lixo?!

— N-Não, mas… — ele gaguejou, tentando me olhar nos olhos.

— Então por que você não para de se julgar um? Eu me preocupo com você, sim… — disse, perdendo um pouco do fôlego e segurando a vontade inexplicável e repentina de chorar, mas não faria isso em público — … você é meu amigo, não é?

— Bia… — ele disse, tentando me acalmar — eu… me desculpe.

— Não, eu quem devo desculpas. — disse, após perceber o escândalo que fiz — Acho que eu realmente me preocupo demais, acabo invadindo seus direitos.

— De maneira alguma! Saber que alguém se preocupa comigo… me deixa feliz. — ele disse, evitando qualquer tipo de contato visual — Eu prometo que não farei isso novamente!

— Mesmo?

— Com certeza. — ele colocou suas mãos sobre meus ombros.

O som das portas do ônibus abrindo pode ser ouvido, cortando a nossa falta de conversa. Nos dirigimos ao veículo em silêncio, embora Vicente estivesse com um sorriso bobo no rosto.

Parece que ele realmente não tinha quem se preocupasse com ele.

Fomos quase os primeiros a entrar no veículo, assim que pudemos escolher um local confortável. Sentamo-nos e começamos a falar sobre nosso cotidiano. Havia muitas coisas que eu não sabia sobre ele e sua família. Assim como eu, ele ficava em casa sozinho durante um tempo, sua tia era enfermeira, enquanto seu tio era carpinteiro. Ela trabalhava em dois hospitais apenas porque, como ele disse, se recusava a ficar em casa com um filho que não era dela.

— Então porque eles assumiram sua guarda? — perguntei. Não conseguia compreender isso.

— Meu tio quis, mas ela nunca foi a favor. Mas ele chega tão cansado em casa que eu prefiro apenas lhe servir a janta e deixá-lo descansar.

Fiquei em silêncio. Deveria ser difícil para ele viver em um ambiente assim.

— Mas por outro lado… — ele emendou — não me incomodo em ficar sozinho. Posso fazer as coisas no meu ritmo.

— Mas ainda assim deve ser um pouco desconfortável, não?

— Não, de maneira alguma. — ele deu um meio sorriso — E como são as coisas na sua casa?

— Bem… minha mãe é professora, ela costuma chegar no final da tarde, mas de vez em quando ela trabalha de noite como substituta.

— E você?

— Fico em casa, esperando-a.

— Nós ficamos na mesma situação… não é desconfortável para você?

— Um pouco… — respondi, sendo sincera.

— O que acha de… trocarmos de assunto? Nós dois não parecemos tão felizes falando sobre isso… — ele sugeriu, com um tom levemente preocupado em sua voz.

Conversamos sobre comida, jogos, coisas comuns, no final das contas. Era engraçado como ele era mais feminino do que eu.

— Ah, caramba, já está perto da minha casa. — ele resmungou.

— O tempo realmente voa de vez em quando…

— Promete uma coisa? — ele perguntou, já se levantando — Se acontecer algo errado, se alguém fizer algo errado com você… você me conta?

— Eu sabia que tinha alguma coisa te preocupando. — forcei um sorriso — Prometo, mas acho que esse ano não vai dar nada de errado. Pensa positivo!

A porta do veículo se abriu, fazendo um leve ruído. Ele se virou em minha direção e acenou, se preparando para descer do ônibus.

O acompanhei pela janela indo em direção à sua casa, da mesma forma em que fiz quando nos conhecemos. Era nostálgico.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Julgamento de uma Ilusão" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.