Julgamento de uma Ilusão escrita por Mirai


Capítulo 19
Dias nebulosos




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Eu subi as escadas tão depressa que, quando abri a porta da sala, me deparei apenas com as carteiras vazias. Fui recuperando o fôlego aos poucos e me sentei, olhando uma grande movimentação na quadra pela janela. Consegui identificar uma certa garota loira correndo de um lado para o outro e várias pessoas atrás dela. Provavelmente todo esse movimento era por causa da tal festa. Ouvi o rangido da porta da sala me trazendo de volta para a realidade e, involuntariamente, me virei em direção a ela. A professora de história, Helena, estava entrando.

— Bom dia, querida! — ela disse, casualmente — Mas já na sala?

— Bom dia, professora… — eu respondi, com um sorriso no rosto — É, provas chegando… — inventei uma desculpa.

— É… o primeiro bimestre é mais comprido, mas se a gente distrai um pouco o tempo passa voando. — ela disse, rindo, enquanto colocava seus livros sobre a mesa — Parece que foi ontem que eu vim me arrastando dar aula!

— Pois é! Não parece que tem tanto tempo assim que começou as aulas.

— Mas como está sendo seu ano letivo? — ela perguntou, o que me fez a encarar, surpresa — Eu queria saber se você está tendo mais facilidade de conversar com seus colegas.

— Ah… mais ou menos… — eu respondi, sem graça.

— É que você sempre andava com o Vicente e aquela menina do cabelo comprido que viajou, como esse ano você não tem nenhum deles na sua turma… eu fiquei preocupada. Mas é bom saber que você está bem. — ela sorriu, parecia genuinamente feliz — Qual a página que eu parei mesmo? Saí do outro 2º ano perdida de tanto que eles prestam atenção na aula, sabe? — ela disse, de forma irônica.

— Bom… — eu peguei meu livro e conferi a página — Paramos no início do 3º tópico. Mas não dizem que a outra turma é mais quieta? — perguntei. Vários professores diziam que a outra turma desenvolvia a matéria melhor, me surpreende ouvir que, nem que seja em uma aula, eles “pisaram fora da linha.”

— Ah, eles não são quietos a aula toda, acho que turma nenhuma é assim, eles só focam mais na explicação, aí o professor termina de falar rápido e eles podem voltar a conversar. Eles pensam que me enganam… — ela disse, um pouco chateada — Mas hoje eles conversaram muito! Nem quando eu pedia silêncio eles paravam! A única coisa que entendi do falatório todo é que alguém vai fazer uma festa.

— Ih… então aqui não vai ser diferente… — comentei. Antes que ela perguntasse o porquê, os outros alunos foram chegando, falando da festa da loira. A professora só respirou fundo e foi tentar acalmar os alunos para explicar a matéria.

Para a alegria da professora, não demorou muito para a conversa cessar em minha turma. Eu mantive meus olhos fixos no livro ou na explicação que estava no quadro, mas podia sentir o olhar preocupado da professora de vez em quando.

Talvez ela tenha percebido minha mentira.

O tempo de história havia acabado e, em seguida, a professora de Artes entrou na sala, passando uma revisão e deixando o tempo livre para quem terminasse de respondê-la. Por algum motivo eu demorei mais que o normal para completar os exercícios pois, assim que terminei de escrever, o sinal tocou, assinalando a hora de ir embora. Arrumei meus pertences e fui em direção ao ônibus para encerrar aquele dia de aula tão comprido e problemático, na esperança de chegar em casa e descansar um pouco.

Durante o restante da semana, eu tentei evitar ao máximo Alexandre e suas “brincadeiras”. Eu era sempre a última a descer para o intervalo e a primeira a subir para a sala, o que reduzia o tempo que ele falava comigo e, quando ele não me achava de imediato, ninguém se aproximava de mim, pelo contrário, faziam de tudo para ficar o mais longe possível, o que durou até quinta-feira. Na sexta, ele fez questão de me esperar na porta da sala e, quando finalmente saí, ele colocou a mão sobre meu ombro.

— De quem você está fugindo? — Alexandre perguntou, com total preocupação.

— Fugindo? Eu não estou fugindo… — eu respondi, tentando demonstrar tranquilidade — … eu só estou pegando as matérias para as provas com os professores.

— Mesmo? — ele questionou novamente, com uma expressão mais séria. Eu apenas assenti com um gesto — Então… tudo bem, eu acho. Vamos descer, antes que o intervalo acabe?

— Claro.

Caminhamos juntos em direção à quadra, em silêncio. Sentia-me mal por mentir para o de cabelos claros, até mesmo porque ele não devia fazer a mínima ideia de que um dos motivos de eu evitar sair para o intervalo era a sua companhia. Compramos nossos lanches e nos sentamos, conversando sobre coisas nada importantes até o sinal tocar. Levantei-me depressa, mas, para minha surpresa, Alexandre se levantou comigo.

— Ué, está surpresa que eu vou com você? — ele perguntou, provavelmente lendo minha expressão — Eu sempre quis, mas você sempre foge na frente…

— Ah, sim… — eu disse, apenas para não deixá-lo sem uma resposta.

Caminhamos juntos e em silêncio novamente, mas dessa vez em direção à sala. Assistimos às últimas aulas do dia e do bimestre e, quando o sinal tocou, cada um trilhou seu caminho, sem nem sequer uma despedida.

O final de semana passou tão rápido devido aos estudos para as provas que eu nem percebi direito que a segunda-feira já havia chegado. Nesses dias que se passaram, eu revisava a matéria dentro do ônibus e antes dos professores entregarem as avaliações. Como nos dias de provas nós saíamos logo após o intervalo, era mais fácil de evitar Alexandre e Mariana, por isso não fazia questão alguma de ir cedo para a quadra. Era bem mais fácil focar nas matérias dos dias seguintes quando não tinha ninguém para incomodar durante o tempo livre.

Essa pequena rotina foi quebrada na sexta-feira, último dia de provas. Quando cheguei na sala, sentei-me na carteira em frente a mesa do professor e dei minha última revisada mental na matéria. Surpreendendo muitos alunos, a professora Helena abriu a porta da sala já pedindo que todos deixassem apenas lápis, borracha e caneta sobre a mesa, distribuindo as provas em seguida. Ainda que o clima estivesse tenso na sala de aula, as provas não estavam difíceis, ao menos não para mim. O lado ruim disso era que eu não teria como demorar para ir ao intervalo tão facilmente como nas outras provas. Quando só havia eu na sala, finalmente decidi entregar a prova para a professora, ela apenas respirou fundo e perguntou:

— Você não se importa de demorar mais um pouquinho para conversar comigo, não é, Beatriz?

— Conversar? — questionei, surpresa — Não, claro que não, professora, Aconteceu algo errado?

— Eu é quem pergunto, aconteceu algo errado? — ela disse, com o olhar enigmático — Ultimamente eu e outros professores notamos que você anda agindo diferente, demorando para ir ao intervalo e sendo a primeira a subir para a sala… tem algo que queira me contar?

É, parece que ela realmente percebeu que o que eu disse a ela naquela segunda foi mentira. Abaixei a cabeça levemente, em dúvida de como poderia contar sobre o incidente dos convites da Mariana, que deu uma quebrada na minha rotina, e o quanto todos pareciam me evitar por isso.

— Bom, tem sim uma coisa me incomodando… — eu comecei a falar — … mas é uma história um pouco longa.

— Não tem problemas, Bia! — ela disse, com um sorriso — Temos bastante tempo.

— Então… é isso? — ela questionou, quando eu terminei de contar o que aconteceu — Bom… vamos dizer que é uma coisa meio complicada, acho que posso dar uma olhada de vez em quando no “andamento” dessa festa. O ruim é que você foi a única que não recebeu convite…

— Mas não é uma coisa que me preocupe, professora. Acho que eu não poderia ir de qualquer jeito… — eu disse, apenas para ela não achar que o fato de não ter sido convidada era o único motivo da minha mudança.

— Eu imagino, mas, mesmo assim, é estranho… — ela disse e respirou fundo em seguida — … mas se você não quer, não deveria se preocupar muito com isso. A movimentação de festa deve acabar em breve, provavelmente os alunos vão voltar ao normal…. Principalmente depois de verem as notas. — ela disse, com um meio sorriso.

Abaixei a cabeça. Ela tem razão, eu não deveria estar me preocupando muito com isso.

— Você sabe quanto empenho você coloca em seus trabalhos e em seus estudos. Vai deixar mesmo seu rendimento cair por causa de uma festa que, daqui a uns dias, deve “murchar”? — ela perguntou, com uma sobrancelha levemente levantada e um ar desafiador.

— Nem doida! — respondi, me sentindo um pouco mais confiante.

— Isso mesmo! Essa é a Beatriz que eu conheço! — ela exclamou e o sinal bateu em seguida — Bom, já é hora de ir, não?

— É… — eu sorri — … muito obrigada, professora Helena!

— Que nada, menina! Estou aqui não só pra ensinar, mas para ajudar vocês também. — ela arrumou um pouco meus cabelos — Até segunda!

— Até, professora! — eu acenei para ela, enquanto corria pelos corredores e escadas para ir em direção ao ônibus. Eu nem imaginava que algo que eu esperava ansiosamente iria me incomodar mais que a festa da Mariana.


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