Julgamento de uma Ilusão escrita por Mirai


Capítulo 18
Proposta inesperada


Notas iniciais do capítulo

Presentinho de Natal atrasado, haha!
Espero que gostem do capítulo!



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Entrei no ônibus um pouco ofegante e, como era possível imaginar, não tinha mais lugar para ir sentada durante a viagem. Ao contrário do que pensei, ir em pé não foi um problema, pois minha cabeça estava claramente em outro lugar, não conseguia parar de pensar no ocorrido entre eu e Alexandre e no que vi entre Vicente e aquela menina. Se eu conhecesse alguém da outra turma perguntaria se eles estavam namorando.

Isso não é da minha conta, é?”, pensei, enquanto balançava a cabeça em negativa levemente, de forma que não chamasse a atenção. Sentia-me triste e um monte de lembranças com o Vicente começaram a passar pela minha mente, assim como os poucos momentos que tive com Alexandre vieram à tona. Olhei um banco que já havia desocupado próximo a mim e me sentei, com os olhos levemente marejados. Eu não estava entendendo o que sentia: arrependimento por não ter perdoado Vicente? Inveja de uma menina que nem o nome sei? Raiva de mim mesma por não saber o que fazer em relação à Alexandre?

Fechei os olhos, tentando imaginar como eu pude chegar ao ponto de ter sentimentos tão desconexos entre si. Eu sentia como se tivesse três opções: perdoar o garoto com heterocromia, ceder ao de cabelos claros ou ignorar a existência dos dois. Infelizmente, não era algo que pudesse resolver com a cabeça quente.

O veículo parou no ponto onde eu descia e, como de rotina, despedi-me da monitora e do motorista para depois fazer meu trajeto para casa. Respirei fundo, sentindo o peso do mundo sobre minhas costas enquanto abria a porta. A única coisa que queria era dormir.

Quando acordei, minha mãe já havia chegado em casa e já estava, como sempre, cheia de perguntas sobre meu dia. A primeira delas foi sobre a aula na piscina.

— Péssima. — respondi — Primeiro que a aula foi cancelada, segundo… — hesitei um pouco, o que fez minha mãe perceber que havia acontecido algo errado.

— E o que mais aconteceu? — minha mãe perguntou, com um olhar sério, e eu comecei a narrar o que havia acontecido.

A cada palavra que ouvia, ela parecia se interessar mais no que eu estava contando. Quando finalmente terminei de falar sobre o incidente com a Mariana, me lembrei do que eu havia feito e visto na saída, mas não vi necessidade em falar sobre isso. Era até melhor deixá-la sem saber.

— Não teve mais nada de importante hoje? — ela perguntou, como se desconfiasse que eu estava ocultando algo. Neguei com um gesto, fazendo-a acreditar na minha mentira.

Após respirar fundo, ela teve uma longa conversa comigo sobre o meu antigo trauma e se isso ainda afetaria as minhas aulas de educação física e, embora eu tenha dito que meu nervoso foi apenas pela roupa e que as aulas haviam sido suspensas, minha mãe insistia que o melhor era explicar à direção o que havia acontecido comigo na piscina da outra escola.

Assim que ela se retirou para verificar se havia encomendas ou não, verifiquei meu celular, a procura de algo que provavelmente não existia, e o deixei novamente sobre a mesa de centro. Eu me sentia como se alguma coisa estivesse totalmente fora do lugar, mas não tinha ideia do que poderia ser. Antes que planejasse fazer alguma coisa, minha mãe anunciou que havia uma pequena encomenda de salgadinhos, mas que eu deveria começar a fazer os trabalhos e rever as matérias das provas.

Peguei meus cadernos e livros e os levei para o meu quarto para tentar estudar, mas aquela sensação horrível ainda estava me incomodando, eu precisava desabafar com alguém que não fosse minha mãe. Saí de fininho do quarto e fui buscar meu celular na sala, já tinha uma ideia de quem poderia me ajudar. Com cautela, voltei para o meu quarto e abri as redes sociais, procurando o contato da Karol. Quando finalmente o encontrei, não pude deixar de notar o quão diferente ela estava na sua foto de perfil: não sabia com exatidão, mas algo estava fazendo ela parecer bem mais atraente que de costume.

Ignorando a foto, mandei uma mensagem desabafando e pedindo conselhos em relação à situação entre eu, Alexandre e Vicente. Ainda que ela não estivesse online, eu sabia que minha mensagem seria lida e que receberia algum tipo de ajuda.

— Eu confio nela. — murmurei, voltando então aos trabalhos.

O ruído do despertador me fez levantar, um pouco contra a vontade, e começar minha rotina pré-escolar. Quando entrei no ônibus, coloquei os fones e revisei mentalmente o conteúdo do trabalho de Biologia que ia apresentar sozinha para a turma. Ainda que fosse mais cômodo fazer tudo por si mesma, era muita responsabilidade.

Quando cheguei na escola fui o mais rápido possível para a sala na esperança de chegar primeiro e escolher meu lugar, mas vários alunos, principalmente as garotas, já estavam lá. Havia um falatório intenso, o que me fez ficar um tanto curiosa, mas preferi não me aproximar por precaução. Quando vi o centro de toda a movimentação, agradeci mentalmente a mim mesma por não ter me aproximado: Mariana estava animadíssima, compartilhando os detalhes de alguma comemoração. Não parecia que ela tinha passado por um sufoco na sexta, muito menos que teria que se preocupar com as avaliações do bimestre.

Revirei os olhos com um pouco de nojo da voz de Mariana que dominava a conversa e coloquei meu caderno sobre a mesa. Tinha coisas mais importantes para me preocupar.

O professor entrou, passando várias fórmulas no quadro, sem sequer esperar os alunos terminarem a conversa. Respirei fundo, estava com o pressentimento que esse seria um longo dia.

A aula de Matemática pareceu durar uma eternidade, fazendo muitos alunos ficarem totalmente entediados, mas essa sensação passou logo que a professora de Biologia pôs os pés dentro da sala. Todos os alunos pareciam estar com medo.

— Gente, que caras são essas? — a professora perguntou, surpresa — Não acredito que todo mundo esqueceu!

— A gente fez! — uma garota disse, no canto da sala, junto de seu pequeno grupo.

— Ótimo! — a mulher disse, mais aliviada — Mais alguém?

Fui a única a levantar a mão e, depois de alguns minutos, a professora chamou o grupo das meninas para se apresentarem primeiro. A apresentação foi bem rápida, assim que, em seguida, o meu “grupo” foi chamado. Levantei-me sozinha e me pus de pé em frente ao quadro.

— Individual? — a professora perguntou, sem demonstrar nenhum tipo de surpresa, e eu apenas assenti com um gesto — Certo, pode começar, Beatriz.

Antes mesmo de começar a falar, ouvi vários comentários sobre o fato de que apresentaria tudo sozinha. Coisas como “Quero só ver agora”, “egoísta”, “metida”, entre outras, ecoavam, até que a professora fez um gesto pedindo silêncio. Eu tinha a impressão de que não era a primeira vez que ouvia aquilo tudo, assim que apenas respirei fundo e comecei a explicar o conteúdo.

Quando terminei a apresentação, ouvi uma pessoa batendo palmas, o que me fez ficar surpresa. Era Alexandre. Em seguida, alguns dos colegas dele também repetiram o gesto e, em menos de um minuto, quase toda a turma estava me aplaudindo. Exceto, claro, Mariana e suas amigas, que estavam me encarando de uma forma bem ameaçadora.

Agradeci, com um pouco de vergonha, e me sentei. Em seguida, a professora anunciou que, como a matéria era curta e ela havia planejado para aquele dia ser apenas de apresentações, o resto da aula seria livre. O grupinho da Mariana voltou à conversa, enquanto eu dava uma olhada pela janela da sala. Os alunos de alguma turma estavam na aula de Educação Física, mas antes que eu pudesse desvendar qual, ouvi uma voz conhecida no meio daquele grupo dizer algo que me chamou a atenção.

— E quem te salvou na sexta, você não chama?

Senti uma leve arrepiada. Eu tinha certeza que aquela era a voz do Alexandre!

— É mesmo, Mari! — uma garota disse, provavelmente uma das amigas da loira — Ela te ajudou e você não vai convidá-la?

Houve um silêncio total, o que me fez olhar discretamente para trás, curiosa.

— Mas… — eu pude ver Mariana um pouco nervosa — … eu tenho certeza que aquela exibida só queria aparecer!

— Aquela o quê, Mariana? — Alexandre perguntou à garota, com um tom bem ameaçador — Exibida? Então me explica o de sexta!

Um curto momento de silêncio. Enquanto Mariana parecia procurar palavras para se explicar, eu agradecia mentalmente à Alexandre por comprar essa briga por mim.

— Er… era só encenação! — ela disse, com um sorriso amarelo — Eu queria ver como vocês iam… — ela parou de falar por um momento, enquanto via o desapontamento estampado no rosto dos outros — reagir…

— Sério? — uma das amigas da loira disse, com um sorriso irônico — A gente caiu direitinho, hein?

— Não é? — Alexandre complementou — Ei, Mari, por que você não investe em ser atriz, em vez de modelo? Combina mais com você.

Todos caíram na risada, confesso que até eu estava segurando o riso. Mariana estava com sua ira estampada na face, até que os olhos dela encontraram os meus, o que me fez virar, sem graça. Pouco a pouco, o grupo foi se dissipando e o assunto desapareceu. Após alguns minutos, o sinal tocou, anunciando o início do intervalo. Arrumei meu material, peguei meu celular, meus fones e, como não estava com fome, não levei lanche. Saí da sala, apenas para encontrar Mariana no caminho. Quando me viu, a loira fez questão de fazer uma cara de nojo muito, mas muito sinistra. Revirei os olhos, não era obrigada a ver aquilo, era?

Continuei meu trajeto até a quadra, onde passaria mais um dia sozinha. Escolhi um banco totalmente vazio e me sentei. Coloquei os fones, mas não me sentia bem o suficiente para ficar ali, sentada, sem fazer nada. Apenas continuei olhando para o nada, até que percebi alguém acarinhando levemente meus cabelos. Era Alexandre.

— Chateada? — ele perguntou e eu assenti com um gesto — Por causa da Mariana?

— É. — respondi, sendo honesta — Eu não faço ideia do que ela estava planejando lá com vocês, muito menos o porquê de eu ter sido envolvida.

— Sério? — ele perguntou, surpreso — Eu te explico. É o seguinte: a Mari tá planejando uma festa de 18 anos e está convidando quem tem ou vai ter 18 anos até setembro. Ela convidou todo mundo da nossa sala e da outra, menos você.

— Por isso que você perguntou por mim?

— Claro! Ainda mais porque você ajudou aquela idiota na piscina, e o que ela faz? Tem a coragem de te chamar de exibida. Fala sério! — ele exclamou, irritado.

— Mas se a festa dela é em setembro, até lá eu não vou ter 18 anos… — eu disse, tentando acalmá-lo.

— Não? — ele parecia espantado — Quantos anos você tem?

— 15…

— Você é tão novinha! — ele exclamou, dando uma leve risada, o que me fez corar um pouco — Não é à toa que às vezes eu sinto vontade de te proteger de todo o mal.

— Er… bem, obrigada pela preocupação? — disse, mesmo que não fizesse a mínima ideia do que seria apropriado para falar em uma hora dessas.

— Não precisa agradecer, criança. — ele deu um belo sorriso — Mas… que tal uma proposta?

— Uma proposta? — repeti, um pouco surpresa.

— Você me ajuda nos trabalhos e a estudar para as provas e, em troca, eu dou um jeito de te levar na festa da Mariana. O que acha?

— Ah, Alexandre… eu estou acostumada a trabalhar sozinha. E também não estou com vontade de ir na festa dela. — respondi, enquanto me perguntava mentalmente de onde ele tinha tirado essa ideia.

— Mesmo? Que pena… — ele olhou para o chão, parecia desapontado.

— Eu… sinto muito. — respondi.

— Não, tudo bem. Não vou insistir com isso. — ele deu um falso sorriso — É só porque eu pensei que talvez você fosse ficar triste por ter sido a única que não recebeu convite, sabe?

— Não, na verdade eu não ligo. Seria perda de tempo se ela tivesse me dado um, também.

— Mas ela nem fingiu estar agradecida. Isso que me irritou.

— Eu já estou meio que acostumada a essas coisas, sabe? — eu disse, enquanto lembrava da sexta-feira em que segui Vicente. Só de imaginar que eu considerava ele meu amigo…

— Mas não deveria, Bia! — ele disse, com um tom preocupado — Ninguém tem o direito de fazer isso com você!

Por um momento, não consegui esconder o quão surpresa eu estava, tanto pela preocupação dele como pelo fato de ser a primeira vez que ele não me chama de “princesa”, o que me deixou bem feliz.

— Obrigada, Alexandre.

— Hã? — ele parecia não entender o porquê de eu agradecer.

— Por se preocupar. — eu sorri, em seguida percebendo um certo rubor no rosto do rapaz.

— N-Nada, nem precisa agradecer. — ele escondeu um pouco o rosto, mas ainda podia ver um sorriso esboçado nele.

Com uma sensação estranha de que alguém nos estava vigiando, eu olhei para a minha frente e pude avistar alguém conhecido, ainda que não soubesse seu nome: a garota de sexta, que estava com Vicente. Desviei o olhar quase que imediatamente, mas ainda pude notar que o garoto com heterocromia não estava com ela. Antes que pudesse olhar novamente, o sinal tocou, fazendo com que eu levantasse.

— Mas já vai? — Alexandre perguntou.

— Já, oras! O sinal tocou.

— Eu esqueço que você é uma aluna dedicada, princesa. — ele disse, voltando a usar aquele apelido que eu detestava — Então eu vou te acompanhar.

— Ei, Alexandre… você… pode parar de me chamar assim? É meio estranho…

— Você acha? — ele perguntou — Tudo bem, então… mas que tal se você me chamar só de Alex? Você é a única que me chama pelo nome.

— Ah, vai demorar para eu me acostumar… — eu disse, com um leve sorriso.

O rapaz de madeixas claras de aproximou de mim e, após de curvar, sussurrou.

— Digo o mesmo, querida.

Senti minhas bochechas queimarem, ainda mais enquanto senti sua mão em minha face esquerda e seus lábios tocando levemente a direita, em algo similar a um beijo. Quando se afastou, ele apenas soltou uma leve risada, provavelmente pelo fato de eu parecer um tomate. Eu apenas corri para a sala, sem ele. Esse, com certeza, era o dia mais estranho da minha vida.


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