Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 76
Hipólita




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O mês que se seguiu à devastadora tragédia provocada pelas águas traiçoeiras do oceano foi simplesmente maravilhoso, apesar da chuva e do vento varrerem com frequência as terras do novo mundo, o coração de Diana deambulava feliz através das planícies quentes e acolhedoras dos países tropicais, mergulhando divertida nos mares espumosos e perfumados dos braços do Arqueiro, sentia-se completa, realizada e amada, porém algo escuro e distante toldava aquela perfeição colorida e saborosa.

— Pai sempre foste o anjo que guiou a minha alma pelos caminhos sinuosos deste mundo coberto pelos aguçados machados da desolação e da injustiça, sempre foste a estrela mágica que enfeitiçou os meus sonhos e despertares, moldando-os com as finas e leves pétalas da compaixão e da coragem, sempre foste o farol que iluminou as areias negras da minha solidão, inundando-a de pegadas de felicidade e carinho, sempre foste a mão que sorriu através da penumbra desolada do meu bairro, indicando-me o verdadeiro e delicioso passeio da solidariedade. Mesmo sem estares presente conduziste a minha vida pelas esquinas mais abundantes, pelos jardins mais floridos e pelas veredas mais honradas, forjaste a minha personalidade com a magia das bagas do respeito e da entreajuda, porém, agora, olhando em redor percebo que a tua ausência pesa como chumbo sobre as minhas veias perfumadas e cristalizadas, agora a tua perfeição e heroísmo derretem-se cruelmente no meu coração, iludidas pelas minhas lágrimas, agora os teus braços, outrora quentes e protectores, não passam de cubos de gelo aguçados e cortantes que sem misericórdia dilaceram a tua imagem diante dos meus olhos, agora tu já não és o mesmo, agora és apenas uma dura miragem projectada pela mente pintalgada de um oásis perdido na sua frescura arenosa e falaciosa, um oásis que nunca existiu. - Pensava a morena absorvida pela melancolia do Inverno, tacteando a rigorosa madrugada que se arrastava através da cidade, ouvindo as grossas gotas de chuva embaterem fortemente contra os estores do quarto, aninhando-se tranquilamente nos braços de Clint, procurando no seu calor tudo aquilo que ficou imerso nas entranhas sonhadoras do seu mítico oásis. - Os cães estão com medo. - Comentou no seu íntimo, escutado os latidos dos dois animais vindos da sala.

— O que se passa Diana? - Perguntou a voz ensonada do louro, acordando desorientado com o ribombar estrondoso de um trovão.

— Os cães estão assustados. - Respondeu a morena em voz sumida, fechando os olhos perante a brutalidade faiscada de um relâmpago cortando a atmosfera como um gigantesco cometa de fogo.

— Poças isto está feio! O Thor deve estar bastante maldisposto, bolas! - Exclamou o Gavião impressionado com o avanço triunfante da trovoada. - Vamos trazê-los para aqui. - Decidiu, erguendo-se do calor azulado e felpudo da sua cama, caminhando rapidamente até à sala, agarrando com doçura os lamentos dos seus dois amigos de quatro patas. - Seus malucos, não tenham medo, venham cá!

— Olha Clint, estou a ver aqui no Face do Tony que os Vingadores estão a ajudar no resgate de vítimas das inundações, talvez devêssemos colaborar nas buscas. - Sugeriu a jovem de forma entusiasta, andava ansiosa por voltar à complicada rotina dos heróis mais poderosos da terra.

— Nem penses nisso, saíste há poucos dias do hospital, ainda estás fragilizada, sabes que tens que repousar, eles resolvem a situação, não se fala mais no assunto! - Retaliou o Arqueiro em voz ríspida, o seu coração também pulava, embalado pelo forte sentimento que o unia aos Vingadores e às missões de entreajuda, porém naquele momento a saúde de Diana sobrepunha-se a qualquer catástrofe mundial, nada mais importava.

— Mas Clint o meu poder pode salvar muitas vidas, por favor vamos! - Pediu a Sereia em voz mimada, abraçando o mestre das setas com força.

— Não, desculpa mas não. O teu poder realmente é precioso neste tipo de missões, porém no estado de fragilidade em que te encontras também te pode custar a vida. - Afirmou o mestre das setas em voz baixa, beijando delicadamente a Sereia nos lábios. - Não te posso perder, não posso.

— Clint, posso fazer uma pergunta? - Questionou Diana em voz doce, colocando um cobertor sobre as pernas frias.

— Claro princesa. - Respondeu o Gavião em tom sério, há um mês que receava que aquela pergunta ressurgisse na tona fresca da alma da morena, talvez tivesse chegado a hora dela saber a verdade.

— Nunca ninguém me contou quem tinha sido o meu dador, tentei abafar esta questão, no entanto ela persiste em aparecer na minha mente, nos meus sonhos e nos espelhos, queria agradecer-lhe, tu sabes quem ele é? - Desvendou a Vingadora em voz serena, olhando para o relógio.

— Sim eu sei quem foi o teu dador, todavia tens que me prometer que nada mudará quando tu souberes de quem se trata. - Pediu Clint de forma carinhosa, afagando o pêlo do enorme cão branco que saltara para cima da cama com o intuito de se aninhar junto da sua dona, não lhe contara mais cedo pois temia que a sua relação fosse alimentada pelo imperador da gratidão em vez do mensageiro do grande amor que sentiam um pelo outro.

— Eu prometo. - Jurou a Vingadora honestamente, absorvendo cada pequeno lamento do oceano correndo agressivamente pelas estradas.

— Fui eu o teu dador. - Revelou Clint em voz orgulhosa, os seus olhos incrivelmente azuis inundaram-se de mil gotas de chuva fresca e açucarada, não eram lágrimas de tristeza, eram lágrimas de alegria por ter salvo a mulher da sua vida.

— Obrigada Clint, não sei como te agradecer. - Murmurou Diana emocionada, derramando sobre a alma do Arqueiro milhares de continhas de prata e cereja, juntos percorreram a frescura azul de um profundo e delicioso beijo.

— Eu não te disse mais cedo, porque não queria que tu me agradecesses, bem eu só queria que, que...

— Clint, tu não tens grande jeito para lamechices, por isso deixa estar isso, agora estamos juntos e isso é que interessa. - Proferiu a morena feliz, aninhando-se no conforto doce das almofadas. - Olha, eles adormeceram, só queriam companhia. - Comentou sorridente, fitando os dois cães que dormitavam levemente no tapete do quarto.

— Olha são seis e meia, queres tentar dormir um pouco mais? - Inquiriu o arqueiro de forma preguiçosa, lançando um enorme bocejo no ar.

— Com esta trovoada vai ser difícil, mas vamos tentar. - Assentiu a Vingadora pouco segura, a tempestade estava cada vez mais revoltosa, a chuva caía com mais intensidade, o vento soprava com a fúria de mil glaciares e os trovões ribombavam como uma poderosa orquestra de luz e terror.

— Não nos podemos esquecer que hoje vamos almoçar à mansão. - Comentou o mestre das setas em tom aborrecido, detestava secretismos e mistérios e algo lhe dizia que aquele almoço escondia algo perturbante.

— E eu não me posso esquecer que logo tenho que substituir a professora na aula de dança. - Disse Diana em voz baixa e ansiosa, nunca antes estivera à frente de uma aula, receava que as coisas não corressem como ela pretendia, receava não estar à altura das expectativas dos outros alunos, receava desiludir a sua professora. - O Jeremy disse-me que estaria ao meu lado para o bem e para o mal, ele realmente é um grande amigo e tenho a certeza que ele não me deixara desamparada. - Pensou ligeiramente aliviada, a presença do seu amigo nas aulas de dança sempre lhe proporcionara um grande sentimento de segurança, desta vez não iria ser diferente.

A trovoada continuava o seu ribombante percurso através do leito sujo da cidade, espalhando o sabor da dureza do granizo e o perfume da nostalgia invernal, o vento uivava lentamente através das muitas carruagens paradas dos comboios fumegantes, varrendo para longe as recordações de mil lareiras acesas e quentes, a neve cobria o passado de branco cálido e puro, apagando a luz dourada do sol da paz, as nuvens protegiam na sua escuridão um perigo nunca antes visto na terra.

Algures entre os grossos e gelados pingos de chuva e o sentimento de ajudar o próximo, um pequeno grupo de heróis cansados e encharcados enfrentavam as inundações que destruíram um edifício que servia de casa a centenas de animais.

— Poças há muito tempo que não assistia a uma tempestade destas! - Queixava-se Tony Stark mal-humorado, saindo do interior de um canil completamente alagado, transportando nos seus braços um enorme cão castanho, decidira deixar a sua armadura na mansão para que o seu esforço fosse igual ao de todos os outros.

— Ainda existem mais animais no interior do canil? - Perguntou a voz cansada de Johny Storm, tentando limpar o rosto molhado.

— Sim, ainda existem mais três ou quatro. - Respondeu de forma apressada o Demolidor, passando com alarido por uma poça de água lamacenta, salpicando todos à sua passagem.

— Certo, vamos lá! - Exclamou o Homem Aranha em tom jovial como se o cansaço de uma noite inteira sem dormir não o atingisse.

Ao longo das muitas ruelas e avenidas de Nova York as águas continuavam o seu devastador caminho, o cheiro de catástrofe aparecia em cada escura e miserável esquina, os gritos da população roubavam horas de sono ao pânico e ao terror, os telhados voavam desamparados através dos buracos de vento que se precipitavam insolentemente sobre o berço da aflição e da tormenta, à medida que outro grupo de heróis tentava salvar as vidas de um assombrado hospital.

— Capitão, temos que ser rápidos, existe um elevado perigo de desabamento, não podemos permitir que existam vítimas a lamentar! - Gritou um bombeiro aterrorizado, transportando um senhor inconsciente sobre os ombros já doridos.

— Sim eu sei, mas estamos a fazer o que nos é possível. - Respondeu Steve apreensivo, entrando bruscamente pela janela de um quarto hospitalar. - Estão aqui crianças, preciso de ajuda!

— Já aqui estou Cap! - Afirmou a voz urgente do Punho de Ferro, irrompendo pela porta desfeita do quarto. - Gostava de saber onde se meteram o Luke e a Jess?

— Estão a retirar idosos de um lar. - Respondeu o Senhor Fantástico em tom preocupado, esticando o seu braço até ao quinto andar, segurando uma médica que dava gritos estridentes.

— Considerem prioritárias as pessoas que estão no rés-do-chão e no primeiro andar! - Gritou Rogers de forma nervosa, colocando dois bebés em segurança dentro de uma ambulância.

— As coisas estão feias, por este andar vão existir centenas de desalojados. - Informou Thor de forma cortante, aparecendo a flutuar junto do Capitão.

— Temos que cancelar o almoço de hoje, pelo menos até esta tempestade dar tréguas. - Comentou o super-soldado de forma ausente, a chuva e o vento roubavam-lhe a oportunidade de reencontrar Diana.

A indústria jornalística trabalhava a mil á hora para satisfazer a curiosidade dos populares, mantendo-os informados do grave e repentino estado do tempo, chuvas de tinta e papel cresciam em cada gabinete de imprensa, à medida que os dólares faziam a sua delicada e saborosa orquestra nos cofres dos mais conceituados jornais americanos.

— Tempestade Hipólita atinge os Estados Unidos com extrema brutalidade. - Lia um taxista impressionado.

— Advinham-se centenas de desalojados. - Escutava um casal de idosos no seu rádio a pilhas.

— Os Vingadores auxiliam equipas de bombeiros no resgate de vítimas. - Observava uma jovem no seu Facebook.

— Chefe de estado-maior mobiliza militares para patrulhar as ruas com o intuito de evitar a criminalidade. - Aparecia nos rodapés de milhares de cadeias televisivas.

— Vários estados mergulhados no escuro, tempestade quebra o acesso a energia eléctrica. - Disse Diana em voz alarmada, sentada no sofá, coberta com o cobertor. - Clint devíamos mesmo ajudar, fazer alguma coisa para remediar a situação.

— Não podes, já te disse! - Ralhou o mestre das setas de forma triste e deprimida, caminhando de um lado para o outro, seguido de perto pelos pequenos olhos dos assustados cães. - E se pensas que eu não reparei que mal tocaste na comida ao pequeno-almoço, estás muito enganada.

— Bolas Clint será que tu não vês que eu estou preocupada, quero ajudar! - Gritou a Sereia irritada, batendo com o pé no chão.

— Não grites, a minha decisão está tomada. - Ripostou o Arqueiro em tom determinado, sentando-se num puff perto da janela. - Eu sei que a situação está crítica, mas tenta compreender, tu ainda estás em período de reabilitação, um passo em falso pode ser muito prejudicial à tua saúde, vá lá princesa pensa em ti desta vez.

— Eu não posso pensar em mim quando o mundo lá fora grita de dor. - Proferiu Diana em voz sumida, correndo até ao quarto, batendo com a porta.

— Perdoa-me princesa é para teu bem. - Murmurou o louro de forma melancólica, deitando-se no sofá, escutando a tempestade que destruíra a harmonia que há um mês habitava o coração da Sereia.

Quais são as notícias que o Homem de Ferro servirá no seu almoço? Será Jeremy digno da confiança de Diana?


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