Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 64
Promessa e rendição




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O dia avançava a passos largos, manchando a pátria russa com aquele branco imaculado pintalgado de vermelho vivo, no céu distante e observador deslizavam nuvens da cor da prata que iludiam com ternura a beleza cintilante do futuro, o frio penetrante inalava profundamente o doce cantar das muitas auroras que preenchiam o infinito azulado do oceano, os sonhos e as fantasias voavam na ponta triste e abandonada do martelo e da foice Soviética. O Gavião e a Viúva observavam pensativos o pequeno cisne que flutuava sobre o manto platinado e fresco, batendo as suas leves asas sobre mil pétalas de esperança e luz.

— Tens a certeza que ela vai acordar? - Perguntou Natacha em voz sumida. Fitando Yelena deitada num dos assentos do helicóptero.

— Talvez lhe tenha acertado com um pouco de força a mais do que a pretendida. - Respondeu Clint de forma despreocupada, traçando no céu linhas brilhantes e floridas com as pontas das suas setas. - Ela já acorda, fica tranquila!

— Espero que sim. - Avisou a ruiva em voz ameaçadora.

— Tacha eu nunca matei ninguém em toda a minha vida, e sinceramente pretendo manter este livro em branco, desprovido de palavras ou imagens que me roubem horas de sono e tranquilidade. - Afirmou o Arqueiro em voz sumida, pedindo a todos os céus para que as suas aspirações permanecessem inalteradas, longe dos dentes aguçados da maldade e da ganância.

— Será que não existe, por mais pequena que seja, a possibilidade de te teres enganado? - Insistiu a russa com cara de poucos amigos, estalando os dedos de impaciência.

— Quando se trata de vidas humanas não existe, nem pode existir, margem para erros. - Disse o louro em tom seguro e convicto, levantando-se e caminhando até Yelena, tomando-lhe o pulso com gentileza. - Ela está a respirar, fica serena.

Minutos depois, a jovem Yelena remexia-se lentamente no assento em que involuntariamente repousava, abriu os olhos quase esbugalhados piscando perante a luz prateada do firmamento, a sua expressão era vazia, fria e distante, como se vagueasse perdida algures entre o seu passado e um futuro desconhecido que nunca mais chega.

— Onde estou? - Perguntou a loura em voz fraca, sentindo a confusão desfilar através dos esporos gelados do seu corpo.

— Estás em segurança, fica descansada. - Retorquiu Natacha na sua habitual voz arrogante. - Achas que agora já dá para falarmos?

— A única coisa que falará contigo serão os urros cínicos da morte, quando te abraçar com o seu abraço moribundo e frio. - Afirmou Yelena de forma rancorosa, erguendo-se do assento de rompante.

— Pelos vistos a seta do meu parceiro não te almejou com força suficiente para neutralizar toda essa raiva e ódio que te consome. - Comentou a ruiva em tom analítico, fitando a ferida que a seta de Clint deixara cravada no pescoço de Yelena. - Não te peço que me respondas, somente quero que me escutes, prometo não demorar, acredita não tenho prazer nenhum em estar neste país repleto de sombras e mistérios sem fim.

— Achas que eu pretendo escutar as justificações falaciosas vindas da boca da mulher que me roubou a vontade de viver? - Gritou a loura de forma ríspida e arrogante, olhando directamente no fundo dos olhos de Natacha, incendiando-os com as labaredas instáveis do seu ódio.

— Não estou aqui para me justificar dos meus erros passados, apenas estou aqui para mudar o futuro. - Explicou a Vingadora de forma decidida, atirando Yelena de novo no assento.

— Quem és tu para falares de futuro quando, sem misericórdia, destruíste o meu? - Atirou a jovem Yelena, navegando através das ondas de repugnância que lhe cobriam a infância.

— Em relação ao passado nada posso fazer, mas...

— Cala-te, eu não quero saber das tuas histórias da treta, estou farta que me assombres as noites e me escureças os dias, só pretendo que desapareças!

— Pára de gritar como uma miúda mimada, pensei que te tinhas tornado numa mulher forte e decidida, contudo percebo que continuas igual àquela bebé de três anos, chorando no sofá da casa dos teus pais. - Sibilou a Vingadora em tom dragado pela frieza e pela reprovação cultivadas pelo passar cruel dos anos.

— Enganas-te! - Exclamou a loura em tom esganiçado, revendo a sua silhueta espelhar-se na bola de cristal daquela pequena flor que a sua mãe lhe oferecera.

— Prova. - Desafiou Natacha de forma sumida. - Escuta-me.

— Tens cinco minutos. - Concordou Yelena em tom impulsivo, sentando-se muito direita no banco do helicóptero.

— É o bastante. - Assentiu Natacha mantendo a sua pose indomável, todavia respirando fundo levemente, bafejando a sua alma com a frescura do leque do alívio. - Não penses que isto é um lamento, arrependimento ou algo do género, somente é um desabafo de alguém que partilhou o mesmo destino do que tu, um destino traçado pela minha mão.

— Então queres dizer que não sentes qualquer tipo de remorso do que fizeste naquele dia? - Questionou Yelena furiosa.

— Podemos analisar o cenário de duas perspectivas muito distintas, se me perguntares se me arrependo de ter morto dois opositores ao governo Soviético, a minha resposta é não me arrependo, mas pelo contrário, se me questionares se eu sinto remorsos por ter deixado uma menina órfã à mercê da sua própria sorte, eu digo-te que sim. - Explicou a ruiva em voz tranquila pela primeira vez em toda a sua vida absorvia um suave balão de leveza brotar dos confins sombrios do seu coração, finalmente fora sincera.

— Se é perdão que procuras devo garantir-te que jamais o alcançarás. - Afirmou a jovem, entrelaçando os dedos.

— Não busco perdão, somente anseio que penses no teu futuro e na forma como poderás vir a concretizar as tuas missões. - Proferiu a ruiva, soltando um risinho cínico e frio que irritou profundamente as recordações de Yelena. - Quero que penses como te sentiste quando eu matei os teus pais. Pretendo que reflictas no que tiveste que suportar quando te viste sozinha no mundo. Quero que percorras as noites geladas que passaste na companhia mórbida da solidão. Pretendo que absorvas todas as desesperadas tentativas que fizeste para escapares às garras sofredoras do teu passado.

— Eu sofri horrores quando percebi que o mundo se tinha tornado vazio para mim, absorvi cada minúscula gota de desespero, solidão e saudade, tornei-as em bagas de vontade e determinação para seguir em frente e como podes conferir consegui. - Retaliou Yelena em voz dura e cortante, dando um soco no próprio joelho.

— Alcançaste o teu mérito por isso, foste muito corajosa e determinada, mas talvez tenhas seguido o caminho errado. - Retorquiu Natacha de forma ausente, recordando todas aquelas tenebrosas missões que fora voluntariamente obrigada a realizar.

— Agora chegámos à fase dos elogios, não é necessário desceres tão baixo Natacha Romanov. - Cuspiu a loura em voz hipócrita. - Se pensas que vou desistir da única semente que me mantém viva, podes esperar sentada.

— Não pretendo que desistas, apenas quero que não cometas os mesmos erros que eu cometi, bolas Yelena julgava-te mais inteligente. - Atirou a ruiva no mesmo tom hipócrita. - Achas correto concretizar missões que podem condenar o futuro de crianças inocentes?

— Tu pensaste nisso quando assassinaste os meus pais? Claro que não, não tens o direito de me exigir seja o que for. - Ripostou a jovem em tom irrepreensível. - O meu destino já está traçado, não existe nada que tu possas fazer para o desviar da sua rota. - Garantiu.

— Já percebi que não vale de nada as minhas palavras, estás decidida a passar o teu sofrimento e frustração às gerações futuras. - Resignou-se Natacha a muito custo, era difícil aceitar que a sua acção criara um monstro impiedoso que não respeita a infância e a fragilidade das crianças. - Quero que saibas que se me chega rumores de que vitimizaste inocentes, virei atrás de ti e finalizarei a missão passada.

— Se não tens mais nada para dizer vou embora, o meu tempo é precioso e não pretendo gastá-lo contigo. - Proferiu Yelena em voz fria e sufocante, erguendo-se e precipitando-se para a saída.

— Yelena dá-me somente um segundo. - Pediu Clint de súbito, pousando uma das mãos sobre o ombro da loura. - Os nossos actos acrescem sempre consequências, cabe-nos a nós ter a coragem necessária para suportar a culpa que deles florescem. Terás tu a coragem precisa para sobreviver presa pelas fortes cordas da culpa? Pensa nisto.

— Não gastes o teu latim Arqueiro. - Resmungou Yelena dando pouca importância ao conselho do Gavião, saltando do helicóptero, misturando-se com a neblina prateada que confundia o seu futuro.

— Falhámos. - Lamentou-se Natacha tristemente.

— Quem sabe. - Respondeu Clint de forma misteriosa.

Nessa mesma noite, Yelena treinava arduamente esperando a sua última e derradeira prova de fogo, contudo algo estranho sugava a sua concentração para as entranhas sábias do conselho do Vingador.

— Não serei como tu. Não derramarei sangue inocente. - Vociferou a jovem furiosa, espancando um enorme saco de boxe. - Obrigada Arqueiro.

A lua iluminava fracamente o pequeno apartamento de Steve Rogers, escrevendo nas estrelas as insígnias tristes e venenosas da escuridão, este estava sentado no seu sofá, fitando a imagem parada da sua televisão, esperando por Diana que mais tarde ou mais cedo entraria pela porta, espalhando a sua contagiante energia pelos quatro cantos do seu coração.

Quantas surpresas se escondem na imagem parada da televisão?


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