Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 54
Águas


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo está no top das minhas preferências, disfrutei de cada linha como se fosse a última, espero que consigam sentir o mesmo que eu quando o lerem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/670836/chapter/54

A lua, que a pouco e pouco aparecia no firmamento, iluminava de forma fantasmagórica aquela cena, Clint Barton ardia sobre as chamas do ciúme e da indignação, Steve e Diana enlaçavam-se numa profunda onda de cumplicidade.

— Eu perguntei, que raios se passa aqui? - Insistiu Clint furioso, lançando na atmosfera um grito tão fatal como as suas educadas setas.

— Nada, não se passa nada! - Exclamou a morena aborrecida, desprendendo-se daquele olhar luminoso, repleto de carinho e amizade.

— Porque é que eu já estava à espera dessa resposta, nunca se passa nada, porém quando vos encontro estão quase sempre envolvidos numa situação comprometedora. - Constatou o Arqueiro em tom cínico, não percebendo o verdadeiro e simbólico teor do sucedido.

— Eu não tenho tempo para estas infantilidades, tenho assuntos importantes, quando a birra se for embora diz-me alguma coisa. - Retaliou a Vingadora sem paciência para aqueles dramas.

— Isso, vira as costas, não tem problema. E tu o que é que ainda estás aqui a fazer? - Perguntou o mestre das setas de forma arrogante, almejando Steve com o seu olhar coberto pelas mandíbulas da raiva.

— Mais respeito Gavião! - Resmungou Rogers mal-humorado. - Talvez se olhasses em volta compreenderias o que realmente se passou, todavia tu estás mais interessado em discutir com ela do que em perceber a situação, então não te queixes se a perderes.

— Isso era o que tu querias, mas nem penses que isso irá acontecer! - Exclamou o Arqueiro sem dar grande importância às palavras proferidas pelo Capitão.

— Faz como quiseres, só não te admito que a faças sofrer. - Afirmou Rogers em voz fria, virando as costas. - Se estiveres interessado ela foi até ao mar. - Disse, olhando por cima do ombro.

— Não quero saber disso para nada. - Ripostou Clint maldisposto, fitando com cara de poucos amigos a superfície deslizante da piscina. - Espera lá, quando eu cheguei mal reparei que havia uma coroa de flores brancas pousada na relva, acho que cometi um dos maiores erros da minha vida. Talvez ainda haja tempo de remediar o que fiz. - Pensou, à medida que os espinhos cortantes das rosas lhe perfuravam cruelmente o coração, como pudera ser tão injusto?

Diana estacionara o seu potente Audi nas margens areadas e castanhas do oceano, saboreando deliciada aquele delicado perfume a tranquilidade e harmonia, vislumbrando com profunda admiração as minúsculas e luzidias bolas de cristal que pintavam na totalidade o céu nocturno, absorvia cada frágil e deliciosa partícula das imponentes ondas espumosas, imaginando que cada uma delas era uma doce parcela de um elegante tubo de algodão doce, observava a serenidade contagiante das rochas, subindo e descendo acompanhando a perfeita dança do mar, vislumbrava com saudade as imagens dos muitos personagens Disney que a lua milagrosamente reflectia nas águas. Escutava com atenção os risos animados e inocentes de uma pequena menina transportados pela brisa marinha.

Sem hesitar, a adolescente retirou o seu vestido, lançou-o sobre o areal, manchado pela frescura da agradável maresia, retirou as suas sandálias e num repente abençoado pelas estrelas mergulhou naquele mar de nostalgia e sombras, trazendo na sua mão a luz branca que emanava das belas rosas. Nadou em círculos, sentindo aquelas frias correntes cravarem no seu corpo as insígnias da coragem, espalharem no seu espírito esferas de esperança, pintarem no seu coração o brasão dos heróis mais poderosos da terra e gravarem na sua mente as brilhantes cores do infinito. Nadou cada vez mais fundo, caminhando sobre os milhares de corais que revestiam as suas noites de sono, mergulhando nos turbilhões de água que habitualmente invadiam os seus sonhos, vagueava pelas rochas da fantasia que sempre segurava na sua mão.

— Mãe, estou a chegar. - Cismou a Sereia tristemente, passando por um grande e misterioso aglomerado de algas verdes e difusas.

A densidade aquífera aumentava gradualmente, cegando os lindos olhos da Vingadora, contudo esta não se deixava afectar por aquela escuridão desconhecida, lançava em seu redor a luz brilhante da sua nobre alma, iluminando o caminho que outrora se perdera na imensidão do mundo. Chegada ao local onde os túmulos azuis eram derramados sobre as águas, Diana saltou para o topo de uma rocha cristalina, fustigada pelas gritantes ondas e pelas vontades daqueles que ali estavam para sempre sepultados.

— Mãe estou aqui. - Murmurou a Sereia em tom distante, vendo o seu reflexo espelhar-se nas ondulantes águas do oceano. - O teu sorriso calmo e doce é trazido até mim através da tranquila melodia dos búzios do meu coração, só agora te sinto perto de mim, linda, sorridente e corajosa como as águas que te servem de última morada. A tua serena voz telinta nos meus ouvidos como mil violinos de amor e harmonia, quentes como o abraço que algum dia, nesse futuro desconhecido, o meu querido pai me irá dar. Fazes-me tanta falta mãe. - Cismava, à medida que as suas preciosas lágrimas ganhavam vida nas profundezas marinhas dos seus olhos. - Se soubesses tudo aquilo que eu te tenho para contar, quantas aventuras e desventuras eu fui obrigada a viver, quantos receios e inseguranças que se escondem no meu coração, quantas noites passadas em branco, criando o futuro perfeito que jamais chegará. Gostava que soubesses das minhas paixões, loucuras, parvoíces e desejos. Queria escutar os teus insubstituíveis concelhos, as tuas valiosas indicações e os teus desabafos. - Murmurava, enquanto as suas gotas de prata e saudade regavam com abundância as rosas brancas. - Cuida destas rosas, nelas depositei todo o meu carinho, apreço e amor por ti, plantei nos seus espinhos a falta que tu me fazes para que a transformes em esperança e felicidade, estejas onde estiveres contínua a cuidar de mim, obrigada mãe.

De súbito, o som roncado de um motor e as luzes ofegantes de um motociclo cortou a calmaria oceânica, revoltando as águas à sua passagem.

— Diana! - Exclamou a voz cansada de Clint Barton, misturando-se com os rugidos furiosos do mar.

— Clint estou aqui! - Respondeu Diana feliz, sentindo um balão de água e felicidade rebentar no seu peito.

— Desculpa, eu fui um estúpido. - Pediu o Arqueiro honestamente, saltando para a rocha onde a sua Sereia dançava com o vento e cantava com o mar.

— Eu sabia que vinhas. - Confessou a morena em voz tranquila, abraçando o mestre das setas com a força das ondas.

— Porque estás aqui? - Inquiriu o Gavião curioso, derretendo um profundo beijo de menta nos lábios da morena.

— Nunca achei oportuno contar-te. - Respondeu a Vingadora.

— Mas eu estou aqui para os bons e para os maus momentos, deixa-me fazer parte da tua vida. - Afirmou o louro em voz doce, reparando na coroa de rosas pousada na rocha.

— Quando eu tinha apenas um ano a minha mãe morreu num naufrágio, nunca conseguiram recuperar o corpo dela, então todos os anos por esta altura venho até aqui, porque acredito que o seu espírito continua a habitar estas águas, sei que é uma parvoíce, mas esta é a maneira que eu arranjei para me sentir mais perto dela.- Explicou Diana tristemente, olhando o oceano através das marés do passado.

— Não tens que passar por isto sozinha, eu estou aqui. - Disse o Arqueiro em tom compreensivo, ganhando consciência que realmente não conhecia a sua namorada.

— Eu sei disso, porém não é muito fácil, para mim, falar sobre este assunto. - Desabafou a morena de forma sumida, segurando na mão do mestre das setas.

— Esteja onde estiver, a tua mãe com certeza estará muito orgulhosa de ti. - Disse Clint sinceramente, beijando a Vingadora nos lábios, transmitindo naquele gesto o misticismo do firmamento e a passividade do oceano.

— Bem está na hora. - Murmurou a Sereia, pegando na coroa de flores com delicadeza. - Mãe guarda-me nos teus braços! - Exclamou, deitando calmamente as flores nas águas sonhadoras, flutuando num charco de lágrimas, caindo nas profundezas do infinito marinho, pousando suavemente no peito da bela Hyliana.

— Minha querida Diana, eu vejo os teus sonhos, sinto os teus medos, receios e inseguranças, caminho através dos teus passos, estou ao teu lado nas noites em que o sono te abandona à mercê da imaginação, vagueio nas asas das tuas vitórias, partilho a esperança de encontrares o teu pai, tudo isto acontece porque eu vivo no teu coração, bem dentro do teu coração. - Sussurrou a tranquila e angelical voz do mar.

— Adoro-te princesa. - Murmurou Clint em voz abafada pelas lágrimas.

— Eu também te adoro. - Disse a morena de forma doce, enfeitiçada pelo algodão doce que deslizava pelas ondas.

— Queres ir embora? - Perguntou o Gavião hipnotizado por aqueles lábios cor de cereja que brilhavam ao sabor da escuridão.

— Quero ficar mais um pouco. - Respondeu a Sereia distraída, brincando com uma pequena concha.

— Eu fico contigo. - Concordou o Vingador de forma apaixonada. - Diana, eu estou completamente apaixonado por ti. Tenho tantas saudades tuas.

— Eu também tenho saudades tuas, meu amor. - Confessou a morena surpreendida, mal acreditando nas palavras que acabara de ouvir, realmente as águas do mar concretizam milagres.

— E se...

— Sim eu quero. - Assentiu a Sereia, cedendo aos encantos do Vingador.

— Anda cá. - Sussurrou Clint completamente rendido, puxando Diana para o seu colo. 

Na casa dos Parker, Peter olhava pela janela aberta, observando a bela lua onde caminhava taciturna a infelicidade da sua melhor amiga.

— Como estará a Diana? - Pensava o herói tristemente, atirando o seu manual de química para cima da secretária. - Miúda, tu não tens que passar por isto sozinha.

No pequeno apartamento de Steve Rogers, a tristeza e a nostalgia cobriam as paredes despidas de alegria, passeando-se de forma insolente pela mente do bravo soldado, enquanto este dava voltas inquietas na sua cama, fugindo do seu passado.

— Tens sido muito corajosa Diana. - Murmurou o Primeiro Vingador melancolicamente, escutando as badaladas do relógio.

Alguém vagueava imerso na capa negra do seu passado, absorvido pelas marés escuras das suas recordações, envolto na ampulheta cor de breu que palpitava cruelmente no seu coração, fugindo das chamas de ébano da culpa que destruíam a sua vida.

— Perdoa-me miúda. - Murmurou o estranho em tom distante, vendo aquela primavera que lhe fugia teimosamente por entre os dedos.

No gabinete de Tony Stark, as garrafas de vinho decoravam a sua polida secretária, espalhando no ar um enorme perfume a desgosto, perda e saudade.

— Somente o álcool tem a capacidade de afogar o meu passado. - Pensou Tony em tom desesperado, deitando-se num dos sofás que preenchiam a divisão. - Por mais tempo que passe as memórias jamais me abandonarão.

O globo da culpa, da traição, do amor e da esperança, invade a nossa vida como uma indefinida catadupa de emoções, cravando no nosso coração a incerteza e a dúvida, cabe-nos a nós escolher o melhor caminho a seguir.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ondas de uma vida roubada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.