Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 102
Princesa Hydra




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A luz flamejante do inferno deflagrava cruelmente o silêncio sobre a cidade de Nova York, os jardins inundados de sangue gelado e inodoro sugavam a vida frágil das plantas, o vento parado e agreste soprava as nuvens da liberdade para os baús da chuva constante e mortal, o mar revolto e impiedoso afogava nas dunas espumosas do tempo os corações daqueles milhares que sucumbiram ao paralisante chamado de Brooke, pintando as suas praias de um sedutor vermelho carmesim, escaldante, perigoso e indomável.

— Como é doce o sabor da Vingança! - Gritou a jovem em voz triunfante, espalhando por entre as almas que perdidas enfrentavam a noite e o terror do silêncio infindável do tempo, um silêncio que jamais poderá ser quebrado, o silêncio frio e penetrante da morte. - Tombam como pequenas e frágeis folhas de papel quando tocadas por uma leve brisa do mar! - Sibilou arrogantemente, tacteando o firmamento ensanguentado e triste com a sua ambição desmedida e manipulada.

As ruas famintas e mortas perdiam-se nas muitas sirenes que desesperadas combatiam o silêncio atroz da atmosfera, tentando socorrer e salvar aqueles que fragilmente agarrados à vida lutavam contra o avanço dos demónios esfumados da morte, porém as vibrações paralisantes e destrutivas da voz de Brooke caminhavam entre as vítimas moribundas e desgastadas arrastando no seu brincalhão vaguear as pequenas e fracas luzes que ainda pintavam a cidade. Corpos vazios e frios amontoavam-se em cada esquina, gritos de dor e medo desapareciam no colo desprotegido de muitas ruelas, sorrisos de crianças, assustados e inocentes, eram consumidos e derretidos por um simples e pérfido bater de palmas do Diabo, enquanto as conduzia aos aposentos escuros do fim.

— Há relatos de milhares de mortos! - Gritou Stark aterrorizado, vendo com temor algumas informações fornecidas pelos oficiais da polícia, alguns que ainda resistiam ao envenenado cantarolar das trevas.

— Vamos agir! - Ordenou Steve em tom alarmado, observando atento uma fotografia capturada por uma câmara de vigilância nocturna no Empire State Building, onde a figura de Brooke que se mascarava habilmente com as trevas e a desolação, mantendo-se imperturbável e imponente perante o oceano sangrento que brincava a seus pés.

— Que poder extraordinário e terrível. - Murmurou Thor francamente impressionado, vendo um paramédico agonizar tentando segurar a vida fugidia na palma da sua mão, porém esta escapava-lhe imparável pelo mundo fora.

— Quem será? - Inquiriu Bruce horrorizado, passando por um casal que ineficazmente tentava proteger o seu único filho, no entanto os três já haviam seguido viagem até aos domínios incontestáveis da morte, juntos como quando estavam vivos e felizes.

— Brevemente descobriremos. - Disse Steve em tom dragado pela infelicidade e pelo sofrimento, receando vislumbrar o rosto que se refugiava nas trevas claras do silêncio. - Será que quero mesmo descobrir? - Pensou melancolicamente para com o seu lendário escudo, olhando de soslaio para uma bandeira da América que esfarrapada e morta ainda tentava proteger o sonho e a liberdade. - Mas que raios! - Exclamou confuso, vendo uma sombra indistinta e humana materializar-se na sua frente.

— Nada tens a temer meu caro Steve. - Disse profundamente a voz do doutor Estranho, compreendendo a expressão confusa e vigilante do Capitão.

— Sem lhe querer faltar ao respeito, sem querer ser ousado ou mal interpretado, estamos num cenário de emergência, teria muito gosto em falar-lhe, no entanto agora não posso...

— Eu sei, só pretendo prevenir-vos que quanto mais se aproximarem do centro de toda esta catástrofe mais perto ficam da morte, tenham cuidado, sejam cautelosos, é difícil e injusto combatermos o desconhecido quanto mais aquilo que conhecemos tão bem. - Avisou o mago em tom rápido e sucinto, apontando na direcção da enorme e emblemática torre. - Já agora o Homem Aranha e o Demolidor estão comigo, encontrei-os quase mortos, neste momento estão no mundo astral onde eu também estou junto com algumas crianças e alguns idosos que consegui salvar.

— Obrigado. - Agradeceu Rogers em tom abafado, enfrentando o olhar penetrante do infortúnio maligno e caprichoso.

— Certo Cap, estou a compreender. - Disse Tony em voz audível, absorvendo com atenção cada detalhe da informação que Steve lhes transmitia. - Vamos utilizar os aparelhos que usamos para nos proteger da voz da Diana, talvez assim consigamos aproximar-nos do Empire State Building.

— Tony talvez seria melhor fecharmos o perímetro em volta da torre, os meios de socorro tentam resgatar vítimas, todavia acabam por não voltar com vida. - Sugeriu Bruce em tom alarmado, vendo dezenas de profissionais de saúde passearem-se pelas colinas da morte, esforçando-se por cumprir o seu dever pela eternidade fora.

— Certo, Thor vigia as imediações! - Ordenou Stark de forma rápida, seguindo Steve que já trepava o emblemático edifício.

— Quem és tu? - Gritou Steve em tom de desafio, fitando com terror e tristeza o rosto que ainda se mantinha oculto nas sombras.

— Eu sou a morte, a vida, a luz e as trevas. - Respondeu Brooke em tom frio e calculista, abafado por um capuz, enfrentando o brilho azul dos olhos do super-soldado. - Capitão América, lenda viva, sonho Americano aqui será o teu túmulo.

— Ainda é demasiado cedo para eu morrer, desculpa. - Rosnou Rogers em voz determinada, as dúvidas que tomaram minutos antes conta do seu coração agora desvaneciam-se numa cortina de nevoeiro escuro e cortante, um nevoeiro que sugava todas as lembranças e recordações.

— A tua coragem de facto é algo impressionante, mas ao mesmo tempo tão estúpida, tão frágil, devias treinar os teus ouvidos para que desfrutassem tranquilos da minha melodia, que maneira mais bela e suave para abraçares a morte não concordas comigo? - Provocou Brooke em tom deliciado, olhando o quadro tenebroso que a sua voz pintara no coração do mundo.

— Por mais bela e suave que seja a tua melodia, ninguém te deu o direito de roubares a vida de centenas de pessoas! - Gritou Clint furioso, materializando-se como uma flecha incandescente no escuro aveludado e sórdido. - Desculpem o atraso! - Pediu em voz descontraída, preparando uma das suas poderosas e mortais setas.

— Aquele homem. - Pensou a jovem de forma confusa e vazia, sentindo a sua mente viajar num enorme e distorcido turbilhão de frio, calor e paixão.

— Não te atrevas! - Berrou o Viajante do Mistério em voz enraivecida, tentando com algum esforço cessar o precipitado voo da seta do Arqueiro, porém esta sem misericórdia ou carinho assertou cruelmente no braço da jovem, cobrindo o cenário negro e hostil com a cor escarlate do sangue, um escarlate quente e apaixonante que apenas a morte tem o poder para apagar.

— Maldito sejas! - Gritou Brooke horrorizada, vendo o seu sangue reflectido na vidraça partida do oceano. - Pagarás com a vida! - Ameaçou completamente colérica, atirando o Gavião sobre o alcatrão duro e gritante, a desmedida queda e as vibrações alucinantes da sua voz fizeram-no tombar num sono frio e penetrante, um sono que o guiaria ao encontro da morte.

— Vamos embora. - Ordenou o Caminhante das sombras em tom alarmado, segurando Brooke pela mão, saltando levemente sobre a escuridão como um cometa que ilumina a noite, deixando os Vingadores presos ao chão, reféns da visão de Clint caindo a pique do Empire State Building.

Naquele momento de terror e agonia, naquele momento em que tudo parecia estar perdido, naquele momento em que a vida do Arqueiro voava sem retorno para o mundo silencioso das trevas, um vento fresco e vindo do além invadiu o cenário, um vento que transbordava a magia, a desconhecido a salvação. Stephen Strange, flutuava como uma pluma magnífica e intemporal, saltando da palma firme da sua mão materializou-se uma bolha transparente que envolveu o corpo do louro, acompanhando fielmente a sua queda, tornando-a suportável, o olho de Agamotto devolveu a luz aos olhos do mestre das setas.

— Steve olha para ali. - Disse a voz distante e fraca de Thor, apontando para a seta do Arqueiro que brilhava avermelhada contra o cenário escuro e maldoso. - Tem rastos de sangue, talvez consigamos utilizá-la como pista, sei lá. - Sugeriu em tom esperançado, observando pelo canto do olho Tony que se precipitava a tremenda velocidade para o chão, tentando perceber o estado em que o seu companheiro se encontrava.

— Bem visto Thor, vamos levá-la para a mansão, o Tony certamente conseguirá encontrar algo de útil nessa seta, alguma coisa que nos conduza aquela rapariga. - Afirmou o Capitão em voz estranha e distante, saltando da torre, apanhando no rosto oculto o cheiro pútrido e inconfundível da morte, um cheiro que jamais desejaria conhecer, no entanto ele insistia em barrar o seu caminho. - Como é que ele está? - Questionou preocupado, aterrando perto do lugar onde Clint caíra.

— Está muito ferido, mas ainda está vivo. - Respondeu Stark em tom melancólico, lançando à noite um olhar de raiva e fúria. - Quem era aquela rapariga?

— Quem me dera saber. - Murmurou Rogers de forma distante e apagada, tomando nos braços o corpo inerte do mestre das setas. - O Thor encontrou uma coisa bastante curiosa, vê o que consegues fazer Tony.

— Vamos levá-lo para a mansão, vou ver se consigo contactar um médico. - Informou o Homem de Ferro apreensivo, reparando nas centenas de corpos que decoravam as imediações, um cenário tão arrepiante que jamais tinha sido imaginado pelos heróis mais poderosos da terra, tudo ali estava morto, a vida fora soprada para longe pelo vento cruel e moribundo da morte.

O Caminhante das Sombras e Brooke sobrevoavam o mundo nas asas do surreal, as nuvens altas e macias amparavam no seu materno regaço as suas almas iludidas e manipuladas, a lua distante e sorridente secava com os seus raios de prata as gotas de sangue vermelhas e quentes que manchavam aquelas mãos vítimas da vingança do injusto passado, o mar salgado e revolto afogava as lágrimas silenciosas e insistentes que nadavam pesadamente no rosto cansado e marcado pelo tempo do misterioso homem e os espíritos dos mortos tentavam a desesperado custo trazer de novo o coração de Diana para a luz reluzente do sol.

— Achas que eles ficaram amedrontados? - Perguntou a jovem em tom frio e repentino, à medida que o avião onde viajava sobrevoava a bela cidade do amor.

— Eles não se deixam assustar apenas com isto, são corajosos, honrados e dignos, farão de tudo, possível e impossível para proteger o planeta. - Respondeu o Viajante do Mistério em tom pensativo e sofrido, o seu passado ficara incrivelmente pintado pela luta incontestável pela liberdade, pelo sonho e pela honra, o seu coração derramava lágrimas de sangue incandescente quando voluntariamente era obrigado a cooperar com as trevas, com a morte, com a mentira, abandonando os seus feitos, valores e sacrifícios à deriva no oceano do futuro.

— Talvez tenha sido demasiado branda. - Murmurou Brooke de forma arrogante e calculista, avaliando a ferida que a seta de Clint desenhara no seu braço. - Tu sabes quem era aquele sujeito que me atirou a seta, o sujeito que teve a estúpida coragem de ferir uma princesa como eu? - Inquiriu em tom furioso, mostrando a fina marca que brilhava no seu braço, uma ferida que divide cruelmente o ódio do amor.

— Clint Barton, o Gavião Arqueiro, dotado de uma pontaria infalível, nunca vista, imaginada ou pensada por ninguém. - Explicou o enigmático homem em tom estranho, vendo uma estrela brilhante e laminada precipitar-se suavemente para as profundezas misteriosas e cristalinas do mar. - Achas que o conheces?

— Não, nada disso, só queria saber o nome do Vingador que mataria logo a seguir ao Capitão América, nada mais do que isso. - Disse a adolescente em tom rápido e recriminador, fazendo com que a pequena e frágil estrela cadente se partisse em mil pedaços espumosos no fundo do oceano, desfeita, destruída, esquecida pelo céu nocturno e aveludado. - Espero que o meu tio não fique demasiado aborrecido comigo, espero que me dê somente mais uma oportunidade para eu exterminar de uma vez por todas aqueles heróis enfadonhos.

— Certamente irá dar, não tenho qualquer dúvida sobre esse assunto. - Retorquiu o Caminhante das sombras em tom cortante, lançando um olhar comprometedor à noite em seu redor. - Se realmente existe inferno eu já o encontrei nesta peripécia da minha existência, a terra é um autêntico inferno para todos aqueles que tal como eu lutam incontrolavelmente contra as ondas do passado, e quando fechamos os olhos por um simples milésimo de segundo ele já está novamente no nosso encalço, recordando-nos que não somos capazes de escapar às suas magníficas e dolorosas teias, aprisiona-nos, amordaça-nos, enlouquece-nos, não existe fuga. – Reflectia de forma angustiada, enfrentando o sorriso arrepiante e aveludado das trevas.

Na manhã seguinte, o Doutor Estranho devolveu o Demolidor e o Homem Aranha à realidade irreal da cidade, ainda estavam bastante fracos e perdidos, tentando compreender e avaliar os sucedidos da noite anterior.

— Os profissionais de saúde e alguns oficiais da polícia estão a remover e a recolher os corpos, aquelas pessoas merecem um funeral digno. - Afirmou Tony em tom cansado, a escuridão da noite não cedera o lugar ao tão desejado sono, mantendo cruelmente os seus olhos abertos e hipnotizados por aquela voz bela, mortal e encantada.

— Alguns de nós também estão no terreno. - Informou Bruce em voz pensativa, as peças do puzzle começavam a juntar-se na sua mente, porém o desfecho não era bonito nem feliz.

— O Capitão anda por lá. - Completou Scott em tom orgulhoso e triste, olhando amedrontado para várias imagens que corriam apressadas pelos ecrãs das televisões, imagens macabras e vazias, imagens mortas e frias, imagens que anunciavam o fim de algo e o início de alguma coisa ainda pior. - Como está o Clint?

— Ele vai recuperar. - Respondeu o Homem de Ferro em tom baixo e pensativo, recordando com pesar e assombro os acontecimentos da noite anterior, percebendo que o passado puxava as suas vidas para as suas entranhas escuras e desconhecidas, onde o mistério e a morte espreitam cruelmente em todas as esquinas.

— Como é que isto pôde ter acontecido mesmo por debaixo das barbas de Odin? - Questionou Thor, pela centésima vez naquela manhã, adoptando um tom incrédulo e frustrado, observando os corpos das vítimas serem arrastados pela morte.

— Peço desculpa por estar a interromper, mas gostaria de lhe dar uma palavrinha Senhor Stark. - Disse a voz sumida e triste do Homem Aranha, parado e pálido na ombreira que conduzia à sala de estar.

— Claro meu rapaz, senta-te, vou pedir que te tragam uma bebida quente. - Prontificou-se o milionário em tom amável e compreensivo, indicando um sofá vazio, saindo em direcção à enorme cozinha, usando a inesperada chegada do jovem herói como uma desejada fuga aos acontecimentos da noite anterior, como uma fuga à sua tremenda frustração.

— Estás com um aspeto terrível, meu amigo. - Comentou Thor em tom preocupado, sentando ao lado do jovem herói. - Como te sentes?

— Inútil, frustrado, confuso e falhado. - Desabafou Peter de forma sumida e deprimida, as mortes da noite anterior pesavam demasiado sobre os seus ombros, e os pensamentos que devastavam a sua mente dilaceravam o seu nobre coração.

— Acho que todos nós nos sentimos assim. - Concordou o Homem Formiga em tom pesado, abraçando os sentimentos do jovem Aranha com a palma da sua mão, estavam todos no mesmo barco, só através das areias fluídas da coragem é que encontrariam bom porto.

— Aqui tens meu rapaz, dizem que um bom chocolate quente reconforta a alma e o corpo. - Disse Tony em voz falsamente calma, passando uma caneca fumegante a Peter. - Então o que me querias dizer? Parece grave, devo-me preocupar?

— Eu não sei por onde começar. - Disse o adolescente em tom fraco e perdido, dando um enorme gole no chocolate quente. - Eu não tenho o direito para fazer este tipo de acusações, envergonha-me o meu comportamento, mas na realidade sinto-me na obrigação de o fazer, se tivesse outra alternativa, outro caminho, certamente escolheria mais dignamente.

— Diz o que tens a dizer, ninguém aqui te vai julgar. - Disse a voz determinada e exemplar de Steve Rogers, entrando com passada larga na sala. - Estamos aqui para te ouvir, força. - Incentivou de forma amável, sentando-se perto do jovem herói.

— Eu acho que sei quem foi a pessoa que atacou a cidade ontem à noite. - Desvendou o herói num sussurro sufocante, cobrindo o rosto com as mãos trémulas e inseguras.

— Tu sabes de quem se trata? - Inquiriu Stark curioso, passando um braço pelos ombros do Aranha, compreendendo a tremenda angústia que percorria cruelmente o seu espírito, uma angústia que ninguém em nenhum momento da vida deveria conhecer.

— Aqueles poderes fizeram-me lembrar a Diana. - Revelou Peter em tom ofegante e abafado, os seus lábios estavam presos pela vergonha e pela tristeza de proferir aquelas injustas palavras, como tivera a coragem e a ousadia de afirmar que a sua melhor amiga se tornara numa assassina ao serviço do demónio.

— Não te atrevas a dizer nem mais uma única vez esse grande disparate, ouviste bem! - Berrou o Homem de Ferro completamente colérico, atirando o copo vazio sobre o tampo polido da mesa, estilhaçando aquele momento em mil pedaços afiados e cortantes, um retrato perfeito e inequívoco do futuro. - E dizias-te tu amigo dela, um amigo não faz este tipo de insinuações, sai da minha casa, agora!

— Eu já estava à espera desta reacção, mas eu tinha que falar, por mais que me fosse doloroso eu tinha que contar. - Defendeu-se Peter em tom decidido, enfrentando a ira que desfigurava os olhos inteligentes do milionário. - A realidade muitas vezes é dura e injusta, no entanto devemos ter a coragem para a aceitar, para lutar com todas as nossas forças com o claro intuito de a colocar novamente no seu lugar original, eu pretendo recuperar a minha melhor amiga com a vossa ajuda ou sozinho, nada nem ninguém me irá travar.

— Não digas mais nada, vai-te embora e eu finjo que nada disto aconteceu, esqueço que tivemos esta conversa absurda e sem sentido. - Pediu Tony em tom frio e perigoso, indicando com um dedo trémulo e ameaçador o caminho da saída. - Vai!

— Tony acalma-te. - Ordenou Steve em tom imperativo, desligando num repente a televisão, aquelas imagens devastadoras e implacáveis feriam-lhe brutalmente o coração já desfeito e destruído. - Espera um momento rapaz! - Disse em tom decidido, impedindo Peter de cruzar a ombreira da porta.

— Não posso acreditar no que os meus ouvidos estão a presenciar, este insuportável veio aqui insinuar que a Diana, a nossa Diana, é um assassina e tu tens a coragem de me recriminar, só podes estar louco! - Ripostou Stark dominado pela fúria, dando um valente murro na mesa. - Pensa no que estás a fazer Steve Rogers, podes estar a cometer mais um terrível erro, pensa!

— Silêncio Tony, já chega de julgamentos sem fundamento! - Berrou Rogers de forma impiedosa, encarando o Homem de Ferro com o peso que as lendas têm no mundo a faiscar perigosamente das suas íris geladas. - Naquele momento eu não queria acreditar, recusava-me a acreditar com todas as minhas forças, porém as evidências são irrepreensíveis e incontestáveis, não vale a pena virar as costas ou enfiar a cabeça na areia, temos que agir, temos que descobrir o que se passa, por mais duro e cruel que possa ser temos que resgatar a Diana das garras do mal.

— Parece que as vossas cabeças ficaram afectadas com a voz daquela miúda, vocês estão todos loucos! - Barafustou o Homem de Ferro de forma desesperada, atirando-se teatralmente no sofá. - Sejam racionais, sejam sensatos, alguém tão doce e digno como a Diana jamais abraçaria o caminho do mal, ela preferia certamente morrer no lugar de matar alguém!

— Tony as tuas palavras não são desprovidas de sentido, são verdadeiras, todavia não podes negar as evidências, não podes ignorar as provas! - Declarou Steve em tom compreensivo, olhando tristemente para o firmamento desfeito e angustiado. - Já fizeste a análise à seta do Clint?

— Eu já fiz, no entanto não tive coragem de ver o resultado, desculpem. - Admitiu Stark em tom baixo e distante, as controvérsias do destino eram tão frágeis e subtis como algumas gotas de sangue. - Eu tenho o resultado no meu gabinete, não consigo, não consigo enfrentar isto, não consigo!

— Eu acho que o melhor a fazer é irmos em primeiro lugar a casa da Diana. - Sugeriu Thor em tom ansioso, também o seu coração temia o resultado que assombrava como um fantasma faminto aquela mansão.

— Sim tens razão Thor. - Assentiu o Capitão em voz decidida, talvez aquela casa terminaria com os medos e receios que todos sentiam, talvez Diana abrisse a porta com o seu habitual sorriso doce e sonhador. - Talvez seja não melhor irmos todos, vou eu, o Tony e o Peter, o que acham?

— Por mim tudo bem, tragam a nossa princesa de volta. - Afirmou Thor em tom esperançado, deitando uma olhadela ao quadro que ilustrava os Vingadores, pendurado numa parede branca à espera de ser reescrita.

Os três heróis entraram vagarosamente no bairro de Brooklyn, o sol não nascera naquele dia, partilhara a tristeza e o luto da cidade, refugiando-se no meio das nuvens misteriosas e tranquilas, os poucos moradores que enfrentavam as ruelas desertas olhavam assustados em redor, receando que a morte espreitasse em qualquer esquina escura, pronta para os levar pela mão até ao inferno.

— Vamos a isto. - Murmurou Rogers em tom corajoso, avistando a modesta casa de Diana recortada contra a solidão do dia. - As cortinas estão corridas. - Comentou amedrontado, escutando frustrado o silêncio caprichoso da casa, o silêncio que trazia ao seu coração os seus mais terríveis receios.

— Vamos bater à porta. - Disse Peter em tom assustado, sentindo o seu punho gelar de terror quando embateu fortemente na superfície fria e polida da porta.

— Eu tenho a chave da casa dela, eu abro a porta, já percebemos que ninguém cá está, a Diana não está aqui! - Constatou o Homem de Ferro em tom sofrido e desesperado, retirando uma chave brilhante do interior das suas vestes, - Diana, querida estás em casa? - Perguntou em tom falsamente jovial, desejando escutar aquela voz melosa e oceânica que sempre reconfortava o seu coração, mas ela não chegou, nada veio ao seu encontro, nada para além de tristeza, solidão e sobressalto.

— Isto não pode estar a acontecer, esta casa não é utilizada faz semanas. - Disse o Homem Aranha em tom abafado, tentando afogar as lágrimas que teimosamente lhe brincavam no rosto cansado e contraído. - Está aqui um bilhete, olhem! - Exclamou ligeiramente entusiasmado, reparando num papelinho desajeitadamente dobrado sobre a mesinha da sala.

— “ Fui de férias, preciso de colocar as ideias no lugar, estou confusa, perdida, magoada, preciso de me afastar durante algum tempo”. - Leu Tony em voz alta, depositando naquele pedaço de papel as esperanças do mundo inteiro. - Grande artimanha, golpe de génio burro e estúpido, qualquer um acreditaria nesta bosta, esta letra não é da Diana!

— Então quer dizer que...?

— Isto não prova, nada. - Interrompeu Stark em tom baixo e sumido, amachucando o papel que traíra o seu coração. - Vamos voltar para a mansão, vamos ver a análise aquele sangue, e só então é que concluímos alguma coisa.

— Tony por favor, sê sensato, assume o que está mesmo diante dos teus olhos.

— Cala-te Steve, vamos embora, já chega desta conversa absurda! - Interrompeu o milionário em tom evasivo, saindo rapidamente para a rua deserta e moribunda, receando que aquele silêncio enfadonho tornasse aquela situação mais real do que já era.

Os restantes Vingadores refugiavam-se tristemente nas imagens de desolação e sofrimento que dançavam cruelmente na televisão, aquela realidade era tão dura, injusta e controversa que parecia ter sido retirada de um qualquer filme de terror.

— Pelas barbas de Odin, o que se passa? - Inquiriu Thor inquieto, olhando apreensivo para o televisor, onde as imagens tristes e mortas deslizavam para trás de uma cortina negra e pesada, a cortina do amargo e terrível desconhecido.

— Mas o que é isto afinal? - Inquiriu Scott preocupado, fazendo zapping no comando da T.V.

— Então a televisão avariou? - Questionou Tony em tom triste, entrando de rompante na sala, avistando a cor negra que coloria o ecrã.

— Uma nova era aguarda-nos, uma era repleta de amor, paz e luz, uma era onde os sonhos se misturam com a realidade tornando-a perfeita, uma era sem guerras, fome ou morte, apenas o silêncio reinará ao lado da nossa bela e doce Princesa Brooke. - Declamou uma voz omnipresente e imponente, à medida que um conjunto de pessoas aparecia no centro do televisor. - Vingadores, ouçam com atenção as minhas palavras, desistam de condenar o mundo aos vossos ideais sem fundamento nem verdade, rendam-se tranquilos aos pés da nossa Princesa Brooke, aceitem o mundo perfeito, o nosso mundo. - Afirmou a mesma voz em tom cortante e cruel, a voz tenebrosa do Barão Zemo, passando um dos seus braços pelos ombros de Brooke, cujos olhos vazios e sem expressão olhavam a imensidão distante do universo. - Hail Hydra! - Gritaram as dezenas de pessoas em sintonia perfeita, erguendo os seus braços rumo ao futuro.

O véu finalmente caí, os corações dos heróis mais poderosos da terra afogam-se drasticamente num lago gelado e penetrante, o caminho da luz é permanentemente tingido pelas trevas, o destino foge a sete pés do futuro, o passado ilustra terrivelmente o presente, a ponte do mundo tomba enquanto a morte caminha soberana sobre a vida.


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