Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 101
A melodia do silêncio




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— Retornaste já há algum tempo, porém os teus lábios permanecem em silêncio, mas fico satisfeito porque um bom filho a casa sempre regressa. - Proferiu o assassino de Jeremy em tom apreensivo e curioso, olhando de soslaio para o Caminhante das Sombras. - Sabes quem é ela? Sabes de quem se trata? - Perguntou em voz baixa e gelada, apontando repentinamente para Diana.

— Não senhor, eu não sei, mas a presença desta miúda neste lugar despertou de alguma forma a minha curiosidade, não é hábito ver alguém tão belo, tão puro, tão frágil por estas bandas. - Mentiu o Viajante do Mistério em tom falsamente convicto, exibir uma mentira tão grave na presença daquele sujeito poderia custar-lhe a vida, contudo naquele momento não havia outro caminho a seguir. - O que faz ela aqui?

— Ela será o futuro, a vingança, a salvação. - Respondeu o homem em tom teatral e deliciado, lançando no ar uma gargalhada terrífica e penetrante que arrepiou a ampulheta dourada do tempo, fazendo-a tombar graciosamente num glaciar branco e macio, tornando-a somente uma lenda. - Ela ser virá obedientemente os nossos propósitos.

— Como assim? O que fez com ela? - Insistiu o Caminhante das sombras em tom interessado, o interesse e a curiosidade serviam de mascara ao receio e ao temor, tinha que ser cauteloso e perspicaz, estava a pisar terrenos demasiado hostis, um passo em falso e tudo cairia no fundo da ravina da perda.

— Tudo a seu tempo, saber esperar é uma grande virtude. - Retorquiu o homem em tom falsamente doce, olhando interessado para um pequeno relógio que pairava dentro da impiedosa jaula de vidro. - Faltam apenas duas horas para a nossa amiga renascer novamente numa mente completamente moldada aos meus interesses, aos interesses da humanidade.

— Duas horas. - Murmurou o Viajante do Mistério em tom estranhamente alarmado, compreendendo que a grande missão da sua vida poderia estar a escassos momentos de fracassar.

— Porém nada acontece por acaso, tudo tem o seu verdadeiro propósito. - Disse o sujeito em tom pensativo e analítico, fitando o Viajante do enigma com profundo apreço. - Tu voltaste num momento crucial para a nossa organização e acredito que isso não aconteceu por acaso, certamente terá um papel fundamental no progresso desta história.

— O que pretende que faça? - Perguntou o Caminhante das sombras de forma pronta e determinada, garantindo que a sua voz não vacilasse nem um único segundo que fosse perante o arrepiante vento do desconhecido.

— Quero que sejas a sombra desta rapariga enquanto ela permanecer na nossa companhia, que faças das suas missões as tuas próprias missões. - Desvendou o malévolo homem em tom divertido, pintando as sombras com as cores brilhantes e frescas da vingança.

— Assim o farei. - Assentiu o Viajante do mistério em tom corajoso e decidido, nem tudo estava perdido, pelo menos poderia vigiar Diana bem de perto.

— Tu serás o mentor da nossa pequena Brooke. - Informou o sujeito em tom divertido, sentindo os segundos do relógio pulsarem entusiasmados em cada batida do seu gelado e cruel coração. - A Diana morreu, no entanto a Brooke está mais viva, mais forte, mais poderosa do que nunca, contemplem o renascimento daquela que apagará para todo o sempre a luz do sonho Americano.

— Onde estou? - Perguntou a voz fraca e confusa da jovem, agitando-se lentamente no interior da jaula de vidro, fitando apreensiva os dois homens que especados observavam atentos o seu tão desejado despertar.

— Estás em casa, minha querida Brooke. - Murmurou o homem em tom aparentemente delicado, aproximando-se cautelosamente da adolescente. - Minha querida sobrinha, fico feliz por constatar que estás bem, pensei que aqueles vermes dos Vingadores te tinham morto, ou pior ainda que te tinham levado para longe de mim.

— Como te sentes hum, Brooke? - Questionou o Caminhante das Sombras em tom preocupado, apressando-se a retirar a morena da sua delicada e frágil prisão, libertar o corpo das amarras do destino é fácil e quase sempre eficaz, todavia libertar a mente e o coração da prisão do mal e das trevas quase nunca acontece.

— Tudo ok, sem problema. - Respondeu a jovem em voz determinada, retirando uma mancha de cabelo achocolato que lhe cobria o rosto parado e distante, um rosto sem vida nem luz. - Temos que destruir esses malditos Vingadores de uma vez por todas.

— Claro que sim minha querida, mas tudo será feito com o devido tempo. - Retorquiu o homem em tom deliciado, sorrindo discretamente para as suas maravilhosas e foscas esferas. - O Capitão América é o nosso verdadeiro e mais temido inimigo, ele lidera todas as missões dos Vingadores, será o primeiro alvo que temos de abater, depois seguir-se-ão todos os outros, até não restar nada que lembre aqueles trastes, nada se não memórias vazias e distantes.

— Assim será meu tio, purgaremos a terra desses vermes. - Assentiu a morena em tom frio e cortante, fazendo uma vénia ao homem que traçaria o seu destino, ao homem que traria o tão desejado futuro até si.

— Agora pretendo que te retires, fica nos teus aposentos até novas ordens serem dadas, ele irá contigo. - Ordenou o sujeito em tom festivo e entusiasmado, saindo da divisão a tremenda velocidade rumo ao silêncio triste do mar. - Não irei tolerar fracassos. - Murmurou em tom de ameaça à passagem do Viajante do Mistério.

Duas semanas se passaram desde a última visita de Diana à mansão dos heróis mais poderosos da terra, a sua ausência percorria caprichosamente e permanentemente cada canto frio e infeliz da grande casa, as vidraças claras e cintilantes já não brilhavam perante o doce sorriso da jovem, agora vacilavam, perdidas e aprisionadas na constante escuridão da tristeza, a água fresca e macia da piscina já não saltitava divertida e trepidante quando a aura clara e suave da adolescente flutuava à sua tona, agora permanecia imóvel, parada, paralisada pelos grossos cordões da saudade, os corações dos restantes heróis procuravam na amarga e injusta despedida uma réstia da amizade que nutriam por Diana, porém a tristeza, o sofrimento e a distância faziam o seu terrível trabalho na perfeição e os Vingadores afundavam-se cada vez mais naquela falta congelante e intransponível.

— Ela está bem Tony. - Disse Steve em tom reconfortante, reparando na expressão triste e carregada que coloria o rosto do seu amigo. - Ela só precisa de algum tempo para se habituar à ideia, são muitas mudanças, ela é somente uma miúda.

— Se a cobardia matasse meio mundo já estaria no inferno. - Ripostou Stark com azedume a dragar-lhe a voz infeliz, atirando um jornal para longe, saindo bruscamente para o exterior chuvoso.

— Mas Capitão, tu achas que realmente está tudo bem, penso que é bastante estranho ela nunca mais ter vindo até cá. - Insistiu Thor de forma preocupada, olhando melancolicamente para uma foto de grupo que brincava pendurada numa das paredes da sala de estar, recordando com nostalgia a presença contagiante de Diana.

— Ela está bem, só precisa de tempo para colocar as ideias no lugar, um dia destes mal estejamos à espera entra por aquela porta para nos vir visitar. - Disse Rogers em voz decidido e claro, tentando consciencializar-se das suas palavras.

— Custa-me a querer nas tuas palavras Capitão, mas dou-te o benefício da dúvida, acredito que existe muita coisa por esclarecer nesta história, porém irei ser paciente. - Retorquiu o deus do trovão em tom honesto e triste, as palavras de Steve que outrora levaram ao coração do mundo esperança e conforto agora eram vazias, distantes e desprovidas de luz.

Duas pessoas moviam-se sorrateiramente nas imediações do mistério e da descoberta, Natacha e Bruce encaravam com tédio e tristeza a trapaceira cidade de Nova York, uma cidade apinhada de almas vivas, porém aos olhos daqueles dois heróis parecia mais vazia do que nunca, vazia, solitária e escura.

— Vamos Natacha, quero falar com o Steve, ele tem de saber o que se passa! - Exclamou Bruce em tom impaciente, avistando a enorme e imponente mansão dos heróis mais poderosos da terra recortar-se triunfante na claridade esfumada do dia.

— Tu só podes ter enlouquecido, se eles me apanham eu nem quero ver o que me acontece. - Ripostou a Viúva Negra de forma incrédula, olhando o seu amigo com cara de poucos amigos, receando pela sua saúde mental. - Vamos tratar deste assunto só nós os dois, acho que é o bastante.

— Nem penses nisso, não quero ser recordado como um cobarde sem escrúpulos, prefiro ter a coragem de pagar pelos meus erros do que deixar uma inocente morrer por causa de recear julgamentos ou punições. - Afirmou Banner em voz convicto e seguro, avançando apressado rumo á porta da rendição.

— Tu estás louco, mas se pretendes seguir a tua loucura vai em frente, não contes comigo. - Declarou a russa em voz baixa e recriminadora, virando as costas às sombras negras do seu passado.

Dois meses se passaram, Diana era uma mera memória do mundo, uma mera luz oceânica que brilhava fracamente nas conchas da vida, era apenas uma leve e frágil borboleta que voava sem destino na imensidão escura do futuro, Brooke reinava como princesa num reino ilusório que jamais seria seu, era um vento forte e gélido soprando para longe todas as réstias de felicidade e amor, era uma maré negra e hostil que afogava a realidade à sua cruel passagem, era uma ave de rapina pronta para exterminar tudo o que colocasse em perigo o seu amaldiçoado reino, era somente o anjo negro que habitava no coração da nobre e corajosa Sereia.

— Estás pronta? - Perguntou o Caminhante das Sombras em voz ansiosa, entrando rapidamente num avião, seguindo de perto a adorada Brooke.

— Esta missão para mim é como ir até um parque de diversões, fica tranquilo, não vou fracassar. - Respondeu a rapariga em voz gelada e cortante, atirando-se despreocupadamente num assento.

A noite aveludada e viciante tombava agressivamente sobre Nova Iorque, as luzes nocturnas e tristes camuflavam-se assustadas com o nevoeiro das estrelas, os carros cessaram repentinamente a sua constante e trepidante marcha, os gatunos escondiam-se apressados nos recantos escuros das ruelas, os clubes nocturnos perdiam o seu habitual brilho pecaminoso, trancando a luxúria num cofre de aço, e a cidade que nunca dorme perdera o encanto e a aparência futurista, afundava-se drasticamente num silêncio congelante conduzido pela brisa sibilante do destino, o mau presságio caminhava pelas avenidas matando a vivacidade do mundo.

— Diana a noite está muito estranha, onde estás tu afinal? - Inquiriu o Homem Aranha em tom apreensivo, saltando de telhado em telhado.

— Este silêncio é estranho, atrevo-me mesmo a dizer que me ensurdece de tão pesado que é. - Comentou o Demolidor em tom alarmado, estagnando na arcada de um velho prédio.

— Parece que calaram a noite, que coisa mais bizarra. - Murmurou um velho polícia receoso, perscrutando com atenção a rua que patrulhava.

— A noite está estranhamente calma, até parece que nos quer avisar de alguma coisa. - Pensava uma velhota em tom preocupado, acariciando junto ao peito o seu gatinho preto. - Que deus nos ajude.

— Já chegamos Brooke. - Informou o Viajante do Mistério em voz baixa, acordando com delicadeza a jovem que adormecera profundamente durante a viagem. - Vamos?

— Claro que sim, este mundo pérfido e maldoso pagará pelo mal que trouxe às nossas vidas, permanecerão imóveis, presos à minha incontestável vontade. - Respondeu a princesa em tom rancoroso, pisando com força o alcatrão na sua frente, os seus olhos faiscavam como o fogo envenenado do inferno. - Por mais que fujam nada podem fazer a não ser esperar pelo último batimento das suas vidas reles e medíocres, pelo último suspirar profundo e agonizante. - Continuou em tom cruel, fitando com arrogância o espaço em seu redor. - Mal posso esperar por ver os corpos dos Vingadores arrastarem-se penosamente pela estrada da minha voz, eles que trouxeram a desgraça ao mundo merecem morrer dolorosamente, merecem sentir o seus corações paralisarem perante o avanço mágico da minha vontade, escutarão inúteis e desesperados os gritos apavorados da humanidade quando o silêncio profundo e sonhador reinar sobre o globo, assim será feito. - Concluiu horrivelmente feliz, avistando recortado na noite triste o Empire State Building. – Aqui será o túmulo do mundo. – Proferiu friamente, à medida que trepava até ao cimo da emblemática torre, tecendo em cada determinado passo as peripécias do princípio do fim.

— Tens a certeza que queres seguir em frente com isto, tu ainda tens tempo de...

— Como te atrevas a colocar em causa a minha vontade? - Gritou Brooke furiosa, fazendo o seu companheiro gemer de dor quando as vibrações da sua voz embateram agressivamente na sua alma. - Agora acalma-te e assiste tranquilo ao renascer de uma nova era!

Os lábios de Brooke moviam-se lentamente sobre as notas cruéis e venenosas da melodia “Faded”, o silêncio melódico da sua voz apertava os corpos do mundo contra uma paralisação que somente terminaria na morte.


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