Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 10
Inseguranças e erros


Notas iniciais do capítulo

Neste capitulo o que eu marquei como dialogo (tudo o que começa com o travessão) é na realidade as personagens a pensarem como se fosse uma espécie de POV.



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                Diana caminhava apressada rumo à sua escola para derrubar as primeiras aulas da manhã, nas suas costas uma pesada mochila baloiçava teimosamente provocando uma dor aguda e inconveniente. Os transeuntes seguiam os seus rotineiros e aborrecidos caminhos cíclicos e viciantes sem reparar no que os rodeava.

— Talvez a vida seja injusta. Talvez a vida seja ingrata e madrasta. Talvez o sol não sorria todos os dias. Talvez o futuro não seja brilhante para todos. Talvez o destino coloque no nosso caminho espinhos e entraves pata nos tornar mais fortes e inquebráveis. Tantas suposições e tão poucas certezas neste mundo caótico e inflexível. Tudo muda, tudo se transforma, tudo se altera, os amigos, os gostos, o vestuário, o sítio onde vivemos, porém os nossos valores, os nossos desejos, os nossos medos, as nossas inseguranças permanecem impecavelmente moldados no translúcido espelho do nosso coração. Olho temporariamente a vidraça da minha alma e não encontro vestígios daquela menina que tristemente sorria em redor, não encontro vestígios daquela criança que frequentemente se afogava em lágrimas de sal, perda e saudade, não encontro vestígios daquela borboleta que obsessivamente se agarrava àquela boneca fria, pálida e terrivelmente inanimada, buscando algo tão banal como um beijo maternal que jamais viria porque a morte chegou primeiro. Agora apenas vejo uma adolescente que enfrenta a vida como se fosse uma adulta inconsequente, uma super heroína capaz de dar a sua vida em troco da vida de outros, uma incessante investigadora procurando o seu pai pelas ruas da amargura e do sofrimento. No entanto não me arrependo desta decisão imposta pelo destino manipulador porque mostrei à vida que não é ela que comanda o meu espírito, mas sim eu. – Pensava a morena analiticamente. – Talvez as inseguranças, o passado, os receios e a saudade continuem a apertar o meu coração para todo o sempre, todavia transformá-los-ei em coragem, força de vontade, determinação e empenho para enfrentar o que o futuro caprichosamente me reserva. Talvez os remorsos e a culpa rasgarão permanentemente o meu caminho por o ter seguido sem ti, mãe, mas eu suporto, aguento, luto e venço, depois ergo-me, sorrio e abraço a vida que construi como uma amiga leal que eu teimosamente conquistei. Talvez as águas que te roubaram de mim, sejam as águas que o trarão para mim. – Finalmente o grande portão da escola apareceu na mente de Diana desfazendo os seus pensamentos.

                Algures num jardim perdido na imensidão poluída e catastrófica da cidade de Nova York, um homem jazia sentado num banco partido olhando o passado negro e trágico recortado nos seus corajosos olhos azuis.

— O passado persegue-me, envolve-me sufoca-me, valoriza-me como um potente veneno que percorre penetrantemente o meu longo caminho. Os erros persistentes alcançam-me, devoram-me, consciencializam-me, enriquecem-me, mas não me trazem de volta aquilo que perdi. Olho em volta, tudo desapareceu num simples e inútil piscar de olhos, o amor, o humanismo, a amizade, a família, nada restou, e aquilo que orgulhosamente persistiu abandonei-a num laivo de ansiedade, proteção e culpa. Este mundo não é o meu, esta cidade não é a minha, estas pessoas não são o meu povo, talvez nem eu seja quem outrora era. A morte sempre foi algo que eu quis a todo o custo evitar, porém ela cruzou a minha vida, amaldiçoando-me, rasgando-me, gelando-me, roubando as estrelas douradas do meu espírito habitualmente lutador. Uma diversidade de emoções assaltam a minha mente, confusão, tristeza, carinho, culpa e alívio, porque o meu sol voltou a brilhar por entre a vasta cortina cinzenta que nos separava fortemente. – Pensou melancolicamente o homem, levantando-se e começando a caminhar.

                Perdido no imenso areal de recordações, saudades, culpa e descrenças caminhava alguém imerso numa capa negra, tão negra como a lua que tristemente banha o seu passado. Apanha as marés com as mãos, alcança o céu com a vontade indomável de se encontrar, ergue um castelo de areia no interior obscuro do seu coração, transpassa o sol com a mente inteligente, culpada e sofredora. Senta-se perdido nas entranhas das águas frias que arrogantemente queimam o seu sangue de esperança, e pensa.

— Aqui estou, sozinho, abandonado por mim próprio à mercê da justiça alheia do meu espírito passageiro. Olho confuso a escuridão do sol frio e incrivelmente distante, olho com descrença o traiçoeiro mar onde nada o desespero monstruoso, a perda solitária e tu meu amigo vencedor. Vagueio perdido na atmosfera espelhada do meu ser tristemente mutilado pela crueldade da vida e dos erros abomináveis que poluem a tona cintilante dos homens, e lá estás tu, sorridente, tímido, magricela, com um olho esmurrado pelos mauzões do vício e da tortura pessoal. Eu habitualmente sorria, dava-te uma palmadinha nas costas e encorajava-te a não desistir, e tu obedientemente seguias os meus concelhos como se fossem os dez mandamentos de deus. Agora, os sorrisos fugiram, as palmadinhas nas costas evaporaram-se, os mauzões são destruídos por ti, e nada mais resistiu às consequências de um conflito inconsequente, hipócrita e duvidoso. As linhas do destino são difusas, obscuras e normalmente viciantes, eu estou aqui pronto para cumprir a minha última missão, até sempre meu amigo. – Cismou o estranho, levantando-se e caminhando através da obscuridade pensativa do seu coração destruído pelo passar dos anos solitários e manipuladores.

                Quem são estes dois viajantes das lembranças? O que os liga? Será que têm algum tipo de relação com Diana?


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