Laderland escrita por Rikamaru


Capítulo 7
Capítulo VII: Loucura




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Os raios de sol davam seus primeiros indícios. O céu clareava-se à medida que a grande janela daquele quarto de hotel iluminava os olhos de Haegar e fazia-o acordar. Havia dormido em uma pequena instalação nos subúrbios da grande Cidade de Graphel. O quarto era simples, ali apenas havia um banheiro sujo e apertado e uma cama com um bidê destruído por cupins ao seu lado. Mais ao fundo do quarto haveria uma cômoda velha e com uma das pernas quebradas. No teto, tinham-se apenas vigas de madeira que pareciam desmanchar-se a cada olhar, e as paredes eram de uma alvenaria velha e rachada.
Levantava-se. Ainda com um tanto de sono, quase que dormindo, ia em direção ao imundo banheiro para lavar seu rosto e acordar-se definitivamente para o grande dia que o esperava. Ainda pensava na noite anterior e em sua batalha contra Roth. Não que se importasse com ele, longe disso, mas sentia que fora algo desnecessário. Mal sabia o pobre rapaz de seus planos e, sem dúvidas, era compreensível que o bonequinho de Hasken tentasse impedir Haegar de seguir seu rumo.
O cheiro de urina naquele banheiro era perturbador. O nauseabundo cheiro perturbava o olfato de Haegar, que não suportava ficar ali por muito tempo. Em cima do bidê, haviam todas as suas roupas e, logo, começava a vestir-se. Apenas punha uma camisa branca com a sua grande calça de couro negro de Ebal e calçava suas botas. O calor em Ônica ainda era gigantesco e colocar muitas roupas podiam prejudicar seu desempenho.
Observava sua grande espada Gehenna acima da cômoda. Abaixo dela viam-se inúmeros jornais de diversos dias atrás noticiando a morte do Rei Rufus e um golpe militar. Não impressionava-se. Parecia que haviam sido uma conspiração de seus próprios guardas que o levaram a morte e, sendo assim, era de se esperar que Gladius Proelius, o General de Exército, assumisse o governo do reino após a morte do, já desacreditado, rei. Sem dúvidas, aquele seria o estopim para uma grande onda de revoltas em toda Laderland. Além das facções já criadas no oriente, com certeza formar-se-iam novas e, como Rufus não deixou herdeiros, a briga pelo poder político esquentar-se-ia.
Não tinha tempo para ler essas coisas. No fim, nenhuma delas mudaria nada em seus planos. Puxou, então, o bidê para frente da cômoda e sentou-se em cima dele. Sentia que estava quase que podre e que talvez não resistiria durante muito tempo. Pôs, então, a sua mão na aba de uma das gavetas da cômoda. Nela haviam diversas folhas de papel, uma pena para a escrita e tinta. Pegou uma dessas folhas e começou a escrever em tal. Todo o seu plano baseava-se em tal carta e, portanto, tinha uma grande cautela ao manuseá-la. Com cuidado, escreveu toda a mensagem que precisara e, após esperar alguns minutos para a tinta secar, dobrou-a cuidadosamente e colocou-a em seu bolso, guardando, após, a pena e tinta na gaveta e fechando-a novamente.
Colocava a bainha de Gehenna as costas e já abria a porta do imundo quarto para descer as escadas daquele pequeno hotel. Na recepção via-se um grande homem gordo e barbudo que parecia disfarçar-se atrás de um jornal. Haegar, então aproximou-se do homem e com um rápido movimento abaixou o jornal de suas mãos abrindo um grande sorriso.
– Quanto tempo, Bent!
– Veja só quem eu encontro!
– Fala isso como se não tivesse vindo a Ônica apenas para me encontrar.
– Mas devemos manter as aparências, meu amigo. Não é interessante para seu plano que vejam você conversando comigo aqui. Nem sequer de Ônica sou e, também, por que eu falaria com alguém que traiu a Santa Ordem?
– Enfim, vou confiar a você tudo que planejei. Apenas entregue-os após o prazo planejado e seja eficiente, apenas.
– Claro que serei.
– Tudo bem, aqui está.
Retirou de seu bolso o pequeno montante de papel e, com cautela, entregou-o a Bent.
– Muito interessante. Mas, diga-me, você soube da morte do rei?
– Sim. Não me impressionou.
– Nem a você e nem a ninguém. Era mais do que esperado. E, dizem boas fontes, que houve dedo da Organization V aí.
– Deve ter. Era o que eles queriam.
– Mas agora o exército está no rabo deles. Dizem que Dwayne Strauss matou três deles e, após isso, acabou morrendo na outra investida, bem como Azimov Legionis que tentou capturar um dos membros.
– Entendo. A treta está grande entre eles, então.
– Legal de assistir. Vê se você se cuida no meio desse tumulto todo em Pisom.
– Pode deixar.
– Mas, então, como será enfrentar o Clero sozinho?
– Louco. Tentarei matar o máximo deles e me divertir enquanto posso.
– Como sempre um belo espírito aventureiro, Haegar. – Disse ele soltando uma leve gargalhada.
– Claro que sim. Mas, enfim, a conversa está boa, mas preciso retirar-me. Ainda tenho um longo dia pela frente.
– Não deixou-me nem ao menos perguntar sobre as últimas mulheres.
– É o mesmo de sempre. Comendo algumas vadias, apaixonando-me por outras.
– Se não fosse assim não seria você, afinal.
– Sem dúvidas.
Com um sorriso no rosto, Haegar afastava-se de Bent acenando. Dirigiu-se, então, ao fundo do hotel onde havia uma cavalariça que tinha uma estrutura tão boa quanto do resto do estabelecimento. Sem delongas, retirava dali seu garanhão e, dando-lhe uma grande espiga de milho, saía dali pelos fundos já nas ruelas daquela periferia da Cidade de Graphel.
Como sempre, haviam muito movimento nas ruas. Viam-se comerciantes, clérigos e pessoas comuns circulando em um enorme fluxo pela cidade. Ela continuava exuberante. Mesmo em seu mais longínquo subúrbio, a mais bela cidade de Laderland mostrava-se gloriosa como sempre. Havia arte por todos os lugares, em suas ornamentações, praças, arquitetura e até nos músicos flautistas que de vez em quando davam as caras por entre hotéis e becos, pedintes de dinheiro e oferecedores de sua mais bela arte.
A cidade era enorme. De onde estava até o centro, onde localizava-se a Grande Catedral dos Céus, sede do Clero, demorava-se mais de três horas a cavalo e, portanto, Haegar já começava a sentir as náuseas do trotear de Nigles.
Haegar mostrava-se pensativo. O calor de Ônica era amenizado por suaves brisas frescas da primavera que sopravam entre as ruas daquela cidade e, doces, tocavam-lhe o rosto enquanto pensava no que haveria de ser feito. Seus planos não eram dos mais simples e, sem dúvidas, nem sequer cogitou a possibilidade de realiza-los sem seu belo ataque ao Clero. Seria um grande aviso ao reino, com certeza, e, também, seria uma bela oportunidade de sentir-se novamente vivo.
O centro da cidade e a sua esperada catedral aproximavam-se. Via-se nas ruas daquela belíssima cidade um grande movimento de pessoas que dirigiam-se a Catedral. Nela ocorriam normalmente grandes missas de louvores a Anokuton, grandes festas e prostrações.
A catedral era magnífica. Era formada por quatro grandes torres, onde nelas haviam grandes sinos que badalavam de um lado ao outro fazendo um som tristonho e melancólico. Dentro da catedral, havia um grande salão, composto por um ornamentado altar e diversas imagens de uma grande fênix, que representava Anokuton. Por fora viam-se grandes ornamentações de ouro que reluziam o brilho do sol em um grande espetáculo de luzes. Naquele dia, porém, apesar da grande beleza da catedral, ela estava triste. Haegar sabia que a grande multidão que ali estava, melancólica e de luto, lamentava o grande massacre aos Kiyoharas.
Parava em frente a belíssima catedral e, após amarrar Nigles em uma árvore próxima, entrava por entre a multidão na grande missa. Viam-se padres, monges e bispos dispostos no grande altar que parecia ser abençoado a cada segundo pela imagem de Anokuton. Nos bancos, viam-se inúmeras pessoas de vestes pretas e que compadeceram-se com a morte do outrora poderoso clã. Sua presença não era notada. Nem mesmo a grande espada de duas mãos que portava nas costas fazia-o chamar a atenção. Sentou-se, aproveitando o descaso que faziam de si, em um dos enormes bancos e, ali, esperou o momento certo de realizar o seu ataque.
– Vejam. Vós sois todos abençoados pela grande deusa das graças. Vós deveis sempre, por toda a eternidade, agradecê-la por estarem vivos e por terem o direito de residir em meio a tanta glória e ela jamais abandonar-vos-á. – Disse o padre melancolicamente. – Hoje é um dia de tristezas para nós. O antes grande clã Kiyohara, ontem reduziu-se a nada. E não pensem que foi por acaso, pois não o foi. Vós bem sabeis que apenas a devoção a Anokuton trará sua salvação na terra e no céu e, pela falta dessa devoção, eles foram punidos.
Todos mantinham-se tristes. O semblante das pessoas ali presentes mesclavam o medo e a tristeza.
Haegar levantava-se. Com toda a sua displicência rotineira, dirigia-se ao grande altar ao encontro do padre que, ao perceber sua aproximação, parava seu sermão.
– Que foi, filho? – Disse o padre com calma e serenidade.
Não respondeu. Apenas subira no altar e, dando um leve empurrão no padre, tomava seu lugar, erguia as mãos e dizia em voz alta e clara:
– Não acreditem nesse imundo. Acham mesmo que essa deusa roga por vocês? São todos tolos, os deuses são tolos e os humanos também. Ela não se importa com vocês, ela não está mais nem sequer aqui. É uma deusa-morta. Os imortais também morrem, meus amigos. – Interrompia o seu discurso ao observar o grande alarde da multidão. – Eles morreram por que deveriam morrer, apenas isso. Vocês acham que se essa deusa rogasse pelos seus devotos, ela deixaria que isso acontecesse?
Grandes chamas negras cobriam o corpo de Haegar ao retirar sua espada em um movimento rápido e cortar a cabeça do assustado padre. Os gritos de horror das pessoas que presenciavam o sádico momento de Haegar criavam um débil som sombrio que combinava-se com os movimentos de Haegar com sua Gehenna que cortava os pescoços dos padres, monges e bispos dali como se não fossem nada.
A grande multidão desesperava-se. Começavam a correr com todas as suas forças para fora da catedral. Observavam-se grandes labaredas que consumiam a vida daquelas pessoas como se fossem o mais poderoso querosene. O grande rio de sangue proveniente dos padres mortos, pintava o chão da grande catedral em um efeito mórbido e cruel.
Os sinos paravam. Na rua, o grande tumulto que antes estava apenas em voltar da catedral, alastrava-se cada vez mais e, em meio a tantas pessoas, viam-se grandes guerreiros, com armaduras prateadas e capas brancas, que aventurar-se-iam em meio as labaredas e entravam na grande catedral, entrando a pé, sem nem ao menos possuírem cavalos para locomoverem-se.
Entraram. Os grandes homens de armadura escoltavam um moribundo velho que esfregava seus olhos fechados em meio as chamas. Haegar sabia quem eram. Eram os grandes guerreiros do Clero, os guerreiros mais fortes de Ônica e o velho seria o grande Sumo-Sacerdote, Agiel II.
– Bem-vindos ao espetáculo, amigos. Só faltavam vocês.
– O que você fez? Seu monstro! – Disse o mais alto e forte dos guerreiros que portava um grande escudo. Devia ser um dos Paladinos e este indubitavelmente mostrava-se consternado com a visão que tinha.
– Queimei o lixo. – Uma grande gargalhada irônica era entoada.
– Ele tem cheiro de Om, caro Ramirez. – Disse o velho que mantinha seus olhos fechados.
Haegar observava os inúmeros guerreiro ali dispostos. Sabia que não tinha chance, era impossível vencer mais de dez preparados guerreiros do clero. Mas contentava-se com seus planos. Tinha certeza que daria certo, porém, antes disso, deveria divertir-se.
– Iremos puni-lo em nome de Anokuton, sua escória de Om. – Disse o homem que deveria chamar-se de Ramirez.
O homem partia ao ataque com seu grande escudo em mãos. Mesmo apesar do peso, a leveza de seus ataques era imensa. Rapidamente via-se Haegar passar sua mão pela lâmina de Gehenna e dela liberar-se uma grande energia negra. Novamente seu cabelo tornava-se branco e, a grande marca de outrora, retornava. Seu poder mostrava-se imenso ao desviar de um e rápido chute desferido pro Ramirez e contra atacar-lhe com um corte de sua Gehenna que era defendido pelo escudo.
Haegar visava o contra-ataque. Dispunha suas duas mãos a frente e lançava uma grande rajada de chamas negras contra Ramirez que prontamente defendia com seu escudo. Haegar sentia algo diferente naquele escudo. Era mais poderoso, forte e resistente que o normal. Seus ataques pareciam não surtir efeito algum. Ramirez tinha uma fortaleza defendendo-o, era quase impossível atingir-lhe. Via-se uma grande estocada de luz realizada por Ramirez e Haegar, coberto por suas chamas, desviava como podia de sua imensa velocidade e ao virar-se para a direita era atingindo em cheio por um grande chute desferido por outro dos grandes guerreiros dali que atirava-o na parede da catedral.
Caía. Em uma última tentava desesperada de revidar, passava a mão novamente em Gehenna. Sua espada brilhava uma luz roxa ofuscante. Via-se a grande marca do corpo de Haegar aderir ao mesmo brilho e, então, suas grandes labaredas negras fundiam-se a novas chamas roxas que surgiam. Seu poder tornava-se imenso.
Ramirez não intimidava-se com o grande poder de Haegar. Em vários movimentos rápidos, viam-se os dois paladinos partirem contra Haegar que, no solo, saía dali em velocidade imensa e atingia-os com grandes socos ligeiros passando para trás de tais, de onde lançava uma rajada de poder imensa, de coloração roxa e negra, que mesclavam-se em um poder destruidor. Ramirez, então, colocava o grande escudo a frente de tais que, ao ser acometido pelo grande poder, interceptá-lo-ia sem nem ao menos arranhar-se.
Haegar estava de mãos atadas. Sabia que não conseguiria vencê-los, mas nem ao menos tocá-los? Era decepcionante. A sua raiva subia-lhe aos olhos, não suportava essa humilhação. Seu poder cada vez aumentava mais e, em um corte de Gehenna no ar, via-se a personificação de um grandioso dragão de puro poder avançando até os paladinos. Ramirez, novamente, defendia-se com o grande escudo. Nele havia um grande selo mágico, desenhado em sua frente, que desta vez adquiria um grande brilho dourado e, com isso, liberava grandes energias que revestiam-no. Ocorreu uma enorme explosão. Toda a estrutura da catedral, que, quase em cinzas ainda resistia, abalou-se. No escudo, apenas viam-se míseros arranhões que se espalhavam impercebíveis pela sua extensão.
– Pelo poder da Grande Mãe. É impossível. – Murmurava baixo Haegar enquanto observava o impenetrável escudo.
Ramirez partia em ataque. Ouvia-se pronunciar palavras ininteligíveis rapidamente e, num grande estouro, viam-se grandes esferas de luz atravessando a abóboda da catedral. Era um poder imenso. As inúmeras esferas assolavam Haegar que tentava proteger-se com suas chamas. Era inútil. Atingido por várias esferas, via-se Haegar em seu estágio normal caído ao chão, ferido como nunca, porém ainda acordado.
– Você será punido pelo Clero, seu verme infernal. Vamos Yivan, leve-o daqui.
O grande homem, forte como um touro, segurava-o e levava-o dali. Estava inerte e frágil, apenas via sua espada Gehenna caída ao chão e sendo recolhida pelo sumo-sacerdote.
Apesar da derrota, Haegar mantinha tudo sob seus planos, mas sentia-se humilhado pelo massacre que sofrera. Não imaginava o grande poder que possuíam dentro do Clero e sentia que, talvez, seus planos pudessem ser prejudicados. Mas não tinha o que fazer, capturado e fraco, apenas via-se ser carregado pelo forte paladino.
Sua energia estava no fim. O sangue que corria pelo seu corpo já nem era mais percebido por Haegar. Sabia que, em breve, ficaria desacordado e, agora, apenas torcia para que tudo ocorresse como o planejado e que não morresse por conta de sua loucura.


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