Laderland escrita por Rikamaru


Capítulo 8
Capítulo VIII: Ascensão




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      A escuridão parecia engoli-lo. A dor torturava-o à medida que sentia seu pulso em carne viva destruído pela fricção das algemas. O tempo passava e nada acontecia, a noção de dia e noite fora perdida há muito e a única luz que vira era um pequeno feixe que aparecia por um buraco no grande portão de ferro, vez sim e vez não, quando abriam para lhe dar água e pão mofado para que não morresse de fome. Não adiantava, já estava quase perecendo. Mesmo um exímio guerreiro com décadas de experiência não suportava as condições animalescas as quais estava submetido.
      Suas esperanças esvaíam-se. Ninguém aparecia, ninguém rogava por ele, estava ciente de ser vítima de sua própria loucura. Por que diabos pessoas desconhecidas enfrentariam o gigantesco exército Clérigo para salvar um ex-inimigo? Seus delírios eram incessantes. Ouvia vozes que engoliam cada vez mais seus sentidos e, por momentos, via-se saindo dali ou enxergava sua espada na própria escuridão antes de acordar-se febril e suado de seus sonhos. Seus dedos, já dilacerados, arranhavam a áspera parede visando desmanchá-la e, obviamente, não obtinha sucesso.
      Ouvia algo. Eram passos e pareciam próximos. Não tinha plena certeza se eram reais ou apenas mais um devaneio de sua mente, porém, com todas as suas forças, agarrou-se na esperança de que seu plano desse certo.
       Percebeu o pequeno buraco no portão abrindo. A luz que invadiu o local era acompanhada de inúmeros berros e gritos e, logo, percebia o portão abrindo-se por completo. A luz torrava seus olhos já acostumados a escuridão e não enxergava quem invadia sua cela, apenas sentia-se ser levado por grandes braços fortes de alguém. 
        Sentia um grande alívio. Não ter mais as algemas prendendo seus braços e machucando-os era algo incrível e que desconhecia há semanas. Aos poucos os sons ajudavam-no a recobrar a sua consciência e, com o tempo, sua visão normalizava. Com dificuldade, enxergava o forte homem que outrora fora seu inimigo carregando-lhe por grandes corredores muito iluminados por grandes tochas incandescentes. Não lembrava seu nome, apenas sentia um grande ódio por sentir-se tão impotente. Para Haegar, ser carregado por um inimigo a mercê de suas vontades era um terror infinito. Não sentir mais suas chamas negras cobrindo suas entranhas e seu poder fluindo pelo seu corpo era horrível. Mas à essa altura não se importava mais. Agora, depois de tudo, segurava-se no soberbo pensamento de que seu plano era perfeito, que era um gênio e que isso compensaria toda a desonra que ocorria com ele.
         Após muito tempo pelos grandes corredores, Haegar observava a luz do sol pela primeira vez. Seus olhos, ainda um tanto desacostumados, guerreavam para tentar enxergar o que se passava ao seu redor. Observou a grande abóboda da catedral destruída e muitas coisas ainda incendiadas, nem sequer haviam restaurado os danos que ele mesmo havia causado e, no alto, observava a luta de vários homens que se enfrentavam em um frenesi total. Sabia agora da eficiência de seu plano. Nunca se encheu tanto de alegria, podia, finalmente, respirar aliviado. Era um gênio, estava convicto disto. Nada, nem ninguém, poderia tirar essa certeza do grande ego de Haegar que se sentia cada vez mais liberto.
         Observava o grande homem que carregava-lhe afastar-se do conflito. Ia em direção aos fundos da catedral, em um pequeno local, rodeado de muros e onde haviam inúmeros soldados. Era uma pequena casinha, quase como um casulo, sem portas nem janelas, feito de algo que jamais vira antes. Era um material estupendo, sólido e magnífico como tudo que há de mais sagrado e reluzia como o mais puro ouro. O homem apenas punha sua mão sobre a maravilhosa estrutura e observava seu corpo, junto com o de Haegar, atravessarem a parede e entraram dentro do pequeno recinto e observarem lá um moribundo velho, sentado em um grande trono feito do mesmo material que as paredes, tomando, calmamente, um chá. Era Agiel II. 
       - Aqui está o endemoniado, Vossa Santidade.
       Haegar era jogado ao chão. Caia fraco e, com as poucas forças que lhe restavam, erguia-se.
       - Como estão as coisas lá fora, Yivan ?
       - Complicadas. Mas não se preocupe, senhor. A Vossa Santidade estará à salvo de todos os perigos. Ramirez já está resolvendo isso para o senhor.
       - Muito obrigado Yivan. Agora deixe-nos as sós, por gentileza.
       - Às suas ordens, Vossa Santidade.
       Observava-se Yivan fazendo uma grande reverência e saindo do casulo da mesma forma que houvera entrado, apenas ultrapassava a estrutura como se ela não existisse. 
        Agiel olhava Haegar fixamente. Não pronunciava nenhuma palavra. Era apenas um longo e tortuoso jogo de olhares no qual o calmo olhar de Agiel, alternado entre goles de chá, gerava um grande desconforto na mente de Haegar.
        - Vieram buscar-te. - Disse ele calmamente.
        - Eu sei. - Respondeu Haegar com um notável desconforto na voz.
        - Eles são da Organization V. O que tu tramaste, Haegar de Ebal?
        - Apenas minha ascensão.
        - E por que o Clero seria envolvido nisto?
        - Uni o útil ao agradável.
        - Entendo. Porém temo que tu serás destruído antes de nós, Ebaliano.
        - Já temia isto desde o começo.
        - Tu estás preso aqui. Não sairás a menos que eu deixe. Não tens mais forças nem para mover suas pernas e teus amigos devem estar perecendo sob os poderes dos grandes Paladinos clérigos.
         A calma de Agiel impressionava Haegar que se sentia consternado com a situação. Estava apreensivo e tentava mostrar-se o mais calmo e indiferente possível, porém seus olhos demonstravam todos os temores de um guerreiro experiente que nunca os tinha sentido.
         O tempo passava e a angústia causada pela espera aumentava. Os goles de chá de Agiel incomodavam Haegar que já começava a irritar-se. Sem poderes e sem Gehenna, sabia era apenas mais um guerreiro qualquer, porém possuía uma índole forte e não suportava mais ser submisso. Estava prestes a falar tudo que queria na cara daquele velho, do qual não suportava mais ouvir os nojentos ruídos de quando respirava e bebia seu chá.
          - Veja bem seu velho de merda. - Levantou-se abruptamente - Cansei de ficar aqui olhando você tomar essa merda de chá, vá se foder.
     Não suportava mais. Levantou-se, e com um rápido movimento de seu braço quebrava as xícaras e o bule arremessando-os ao chão, enquanto apontava o dedo na cara de Agiel.
          - Cadê a merda da minha espada?
          - Que ousadia. Acha que podes dirigir-se assim a mim? Agora não há mais por que adiar sua morte, meu filho. Terás o julgamento que merece em breve.
       Haegar apenas observava o movimento de Agiel erguendo seu cajado e um grande brilho provindo do cajado espalhou-se pela cúpula.
     Ouvia-se, então, Agiel recitar inúmeras palavras lentamente. Haegar tinha ciência de seu fim, mas não se importava. Morreria com seu dedo médio erguido para o velho que mais odiava, para o líder do Clero de Graphel, para o líder da Igreja mais corrupta de Laderland e para o líder da instituição que um dia jurou destruir.
      O mantra recitado acabava. O brilho que cobria o cajado já ofuscava a visão de Haegar que ouvia uma grande explosão que parecia destruir a grande cúpula. Do lado de fora, observava dois grandes homens que partiam em direção a Agiel que, imediatamente, era tomado pela grande energia do cajado e fazia com que dele saísse um grande dragão de energia vital que iria em direção aos guerreiros que chegavam. Imediatamente, abaixo do guerreiro com brilhantes olhos vermelhos, surgia um lindo leão dourado, com um poder imensurável, que lançava de sua enorme boca uma grande rajada de energia multicolorida que fazia o enorme dragão desaparecer.
       Haegar sabia quem eram. O grande homem acima de um leão, com olhos vermelhos, cabelos cacheados, uma camisa verde, tatuagens douradas pelo corpo e com uma enorme foice nas costas era Matther Legionis. Um dos líderes da Organization V e guardião de seu clã. O outro, de longos cabelos negros como a noite e com todo seu traje em negro, possuindo uma grande espada em seus punhos era Shen Izawa, portador da famigerada espada Exterminium de Om e outro líder da O.V.
     Observou Shen, que estaria tomado pelo poder de sua espada, digladiando contra Agiel que demonstrava o seu grande poder e habilidade de luta ao defender perfeitamente de suas estocadas. Perto de si, Haegar percebia Matther e seu grande leão aproximando-se. Matther portava uma grande bainha que era então entregue a Haegar. Ele sabia o que era, sentia seu poder. Retirou, então, a sua grande espada enquanto sentia as grandes chamas negras tomando conta de seu corpo e lhe revigorando a alma. Sentia-se vivo como nunca, seus olhos ardiam como seu coração em busca da morte de Agiel e, então, partiu cegamente em direção a Agiel junto a Shen. 
     Suas armas se complementavam. As grandes armas divinas de Om demonstravam todo o seu poder junto e, num piscar de olhos, observava-se Shen com as grandes escamas do deus das trevas em seu corpo acertando uma enorme estocada em Agiel que caía para trás e era engolido pelas chamas de Haegar que emergia das sombras levando consigo a alma do sumo-sacerdote Grapheliano.
         - Acho que sua ditadura acabou, Vossa Santidade! - Gritava sarcasticamente Haegar enquanto observava o corpo de Agiel sendo consumido pelas chamas e emitindo seus últimos gritos de dor.
         No chão apenas via-se o cajado de Agiel sendo consumido pelas chamas enquanto ouvia-se ao longe os abafados gritos da alma atormentada de Agiel. Nos olhos de Haegar observava-se todo o seu poder e seu vigor. Finalmente matara o homem que um dia jurara destruir.
           - Por um momento achei que não viriam, meus amiguinhos. - Disse Haegar com um sorriso irônico no rosto.
      - Não abuse, Haegar. Você ainda nos deve muitas explicações. Invadir e destruir o clero não era algo que imaginávamos fazer tão cedo. - Disse Matther.
           - Apenas fiquei sabendo das suas desavenças e resolvi dá-los um motivo para destruí-los. Sou muito legal, afinal.
           - Poupe-me de suas piadinhas. Vamos logo embora daqui. Oswald já deve estar chegando, Ramirez foi chama-lo.
           - Nem esquenta, Matther. O velho já morreu mesmo, eles agora vão só se foder.
          - Esse clero é uma briga constante por poder, não seja ingênuo. Oswald só estava esperando essa oportunidade para tornar-se o sumo-sacerdote e, pode ter certeza, é agora que nossos problemas começam.
         Matther ordenava que Shen e Haegar subissem nas costas de sua grande fera. Haegar guardava Gehenna novamente em sua bainha enquanto o grande leão transportava-os sobre a pilha de cadáveres que se amontoavam no salão da catedral, agora quase que completamente destruído. Na rua, as pessoas observavam pasmas o grande rio de sangue que jorrava entre as ruínas da catedral que outrora fora o maior símbolo da província de Ônica. Observava as mulheres trazendo os seus filhos para dentro de suas casas com o medo estampado em seus rostos enquanto viam o grande leão majestosamente transportando os três guerreiros nas ruas da Cidade de Graphel.
     Haegar sentia-se extremamente animado. Estava excitado com seu plano que houvera saído exatamente como pensava. Era um gênio, sabia que era, e agora apenas teria o cuidado de jamais largar sua espada. Matther era um exímio leitor de mentes. Sua grande foice dava-lhe a capacidade de ver através das emoções de todos os seres vivos e se, por ventura, largasse Gehenna e suas chamas negras, dando a Matther a brecha para ler sua mente, o seu plano iria por água abaixo. 
          A primeira parte de seu plano havia sido concluído. Montado em um leão, via-se atravessando uma das maiores cidades do reino enquanto apenas curtia o seu momento de rei. Agora, mais do que nunca, tinha certeza: Abandonara seu cargo de Grande da Santa Ordem para tornar-se um dos grandes do reino.


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