Premonição Chronicles 3 escrita por PW, VinnieCamargo, Felipe Chemim, MV, superieronic, Jamie PineTree, PornScooby


Capítulo 24
Capítulo 24: Eu Pequei, Purifica-me!


Notas iniciais do capítulo

Escrito por Felipe Chemim.



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“A verdadeira purificação é quando deixamos as memórias de nossos esqueletos virarem pó.” – Autor desconhecido.

Premonição Chronicles 3 – Capítulo 24:

Eu Pequei, Purifica-me!

As mãos de Renan estavam banhadas com seu suor e o telefone escorregava por elas. Ele sentia alguma coisa se aproximando, amassando a vegetação que estava ao redor. Porém, toda sua consciência e atenção apontava para aquela ligação.

— Alô? – uma voz disse do outro lado da linha.

Por um momento, Renan ficou estático e parado. Ele tentava reconhecer aquela voz. Algo lhe dizia que sua mente reconhecia aquela pessoa. E muito bem.

— Alô? – a voz repetiu – Tá, ok, eu vou desligar, otário.

— Não! Espera! – Renan pediu, com certo tremor em sua voz.

A comunicação ficou em silêncio por um momento, até Renan ouvir uma risada debochada e irônica.

— Resolveu finalmente me ligar, irmãozinho desaparecido? – a voz disse ainda soando com uma risada acompanhando a fala.

— Irmãozinho…? – Renan repetiu. Estava começando a ficar tonto. Aquela voz lhe causava tonturas e flashes começavam a piscar em sua cabeça. A visão ficou turva.

— Renan? – Ísis chamou atrás dele.

O homem virou-se e, embora não conseguisse obter foco corretamente, avistou a loira parada atrás dele, com uma expressão confusa em seu rosto. Ele permanecia com o gancho do telefone colado em seu rosto, enquanto suava frio. Abriu sua boca para responder o outro homem, que estava na linha, mas foi ao chão.

Então, tudo ficou escuro para ele.

***

Mimi estava quase morrendo. Por dentro.

Seu corpo e sua mente estavam em estados extremos, porém ela tentava se manter forte. Seus tornozelos doíam enquanto ela corria por um corredor desconhecido, junto com Sabrina, Elly e Erick. Seus cabelos loiros estavam sujos e embaraçados, longe da vaidosa Michele que havia pousado em Cabo da Praga meses atrás para seu momento de renascimento através de um novo papel em um filme independente.

Ela ainda se lembra do momento em que encontrou com Alfa e Ômega pela primeira vez. Nos rostos dos irmãos, havia visto esperança de uma vida nova, viu um novo caminho a ser trilhado. Agora, ambos estavam mortos e a atriz corria por sua sobrevivência. Sabia que poderia morrer a qualquer momento, mas lutaria até a última gota de sangue se esvair do corpo.

— Vamos lá, pessoal, estamos quase! – a voz de Erick cortou seus pensamentos, quando o rapaz viu uma luz no final do túnel.

Mimi focou sua visão e avistou um feixe de luz no final do túnel, através de uma fresta em uma porta de ferro. O caminho que eles estavam percorrendo era quase totalmente escuro, com pouca luminosidade causada por algumas fracas lâmpadas no teto, projetando pouco efeito nas paredes de cimento.

Durante muito tempo, a vida de Mimi poderia ser uma metáfora de sua situação atual: correndo por um túnel escuro, procurando por uma luz no final de tudo. As lembranças de sua antiga realidade no mundo pornográfico estavam tatuadas em sua mente, porém, ela não se deixava abater nem se envergonhas, muito pelo contrário: usava isso tudo para ficar mais forte. Quem ela foi um dia, era a base de quem ela é hoje. E usaria esse modo de sobrevivência também com a perda de Demétrio e Ulysses: os irmãos e suas jornadas estariam cicatrizados para sempre em sua memória, lhe dando forças.

Finalmente, a saída. A liberdade!

Erick foi o primeiro a chegar até a passagem de metal. Tentou abrir a porta, mas estava emperrada. Segurou firme em uma alça de metal que servia como trinco e puxou. Os nós de seus dedos ficaram brancos e seu rosto começou a ficar vermelho.

Mimi se aproximou e tentou ajudar a mover a porta. Sabrina fez o mesmo, em silêncio. Depois de alguns segundos, a abertura começou a tomar a visão de todos ali. A atriz ouviu o barulho da quebra do mar e o que parecia ser uma gaivota voando no céu. Uma leve brisa marítima adentrou o local e lambeu delicadamente suas mechas loiras.

— Abriu, pessoal, vem! – Elly anunciou, tomando a frente do grupo e passando por eles e pela porta.

Ela gritou, enquanto caía em queda livre.

***

A chinchila estava inquieta no colo de Alisson. A morena andava com passos apressados, atrás de Thiago e Benjamin, mas tentava não se agitar muito para não deixar o animalzinho ainda mais nervoso em seu colo.

O grupo seguia pelos corredores, em busca de Ester. Aquilo era mais do que uma “missão de resgate” para Alisson. A garotinha havia perdido a mãe há meses e naquela mesma semana, o tio e o pai, então, a morena acabava sentindo-se responsável pela garota de alguma forma. Não poderiam deixá-la ali e alguém precisava protegê-la até toda a situação ficar estável. Naquele momento, ela precisava se ver como a Apology Girl que Max rascunhava. Precisa vestir a pele de heroína.

Encarou o caminho em sua frente e avistou Ben guiando o grupo. O rapaz havia crescido dentro de um laboratório, enquanto mexiam em seu DNA e em sua vida. Quem saberia a vida que aquele garoto teria fora dali? Talvez poderia ser um engenheiro bem sucedido, ou até mesmo um cientista aclamado. Porém, haviam cortado tudo isso. Ele era um garoto interrompido. Alisson não deixaria Ester ser a próxima.

— Estamos perto de onde a garota deve estar. – a voz de Ben cortou o ar gélido e o rapaz parou, virando-se para os dois – Provavelmente teremos guardas por todos os lados, então eu os distraio e vocês resgatam a menina, certo?

— Nós viemos resgatar a garota mas não podemos colocar você em risco. – Thiago respondeu, sério – Pode se machucar feio nisso tudo.

— Relaxem! – Ben respondeu – Eu sei lidar com esses babacas da segurança. Não vou ficar em problemas.

Alisson olhou por cima do ombro do adolescente e tomou um susto, dando um passo para trás.

— Acho que já estamos com problemas, Ben. – a morena disse, tensa.

O garoto se virou e avistou um homem loiro e robusto encarando o grupo. Atrás dele, meia dúzia de seguranças andavam uniformizados e com armas em suas mãos, em posições ameaçadoras.

— Pai?

***

— Purificação? – Ester perguntou, sentando-se.

Olhando ao redor, a garota só conseguia ver paredes brancas. Uma pequena cômoda, uma pequena cama, a moldura de um espelho, a porta… Tudo era branco naquele quarto. A outra garota, oriental, a encarava com seus olhos escuros e um sorriso simpático, enquanto permanecia ajoelhada perto de Ester.

— Não se preocupe, você vai ficar bem, Ester. Todos nós ficaremos.

— Como você sabe meu nome? – Ester perguntou, levantando-se do chão um pouco assustada e se afastando da outra.

— Calma, eu não vou te machucar. – a oriental respondeu, também levantando e com as mãos pra cima, em sinal de rendição – Meu nome é Anna Bella, eu vi que você veria. Você e a nuvem negra.

Ester estranhou tudo aquilo e se afastou mais alguns passos da outra menina, que apesar da imagem angelical, passava medo para a primeira.

— Você sabe onde está meu pai? – Ester perguntou, encostando-se em uma das paredes brancas.

— Sei. Ele deve estar nos vendo agora. – a outra respondeu, olhando para o teto, também esbranquiçado. A garotinha oriental se aproximou da porta daquele quarto e ela se abriu.

Anna Bella virou-se e esticou a mão para que Ester se aproximasse.

— Venha, minha mãe está chegando. Ela vai resgatar a gente. – Anna Bella contou.

Ester ficou imóvel por alguns segundos, mas então começou a andar lentamente, ainda hesitando. Anna Bella parecia não ser uma pessoa ruim e aparentemente era sua única opção ali.

De mãos dadas, as duas garotinhas começaram a andar pelo extenso corredor branco e iluminado, para fora do quarto.

***

— Vamos logo! – Alfinn cochichou, a fim de apressar o grupo – Eu preciso salvar meu irmão!

— Calma, Alfinn! – Mia pediu, enquanto tentava acompanhar o ritmo do garoto.

A ex-garçonete andava de mãos dadas com o garoto, enquanto tentava acompanhar os passos apressados dele, por vezes, ultrapassando até mesmo Bianca, irmã de Ben, que seguia na frente do grupo, guiando-os pelos imensos corredores do prédio. A jovem havia memorizado todos os caminhos após ler e ver as plantas da construção, mesmo sem nunca ter passado por ali. No fundo, agradecia pela sorte que tiveram por todo o espaço continuar o mesmo desde as plantas iniciais que viu.

Por fim, Gabriel acompanhava o grupo, atrás de todo mundo, tentando permanecer atento a tudo em sua volta. Estava com a cabeça fervendo e suava, grudando o tecido de sua camiseta em seu corpo. O coração batia acelerado e estava nervoso.

Mia conseguia sentir o nervosismo de Gabriel, porém, sua preocupação maior era com Alfinn e seu irmão. Os dois estavam com seus psicológicos feridos devido à perda recente da mãe e ali poderiam se machucar mais ainda, tanto a mente quanto o corpo.

Bianca parou por um instante perto do fim do corredor, que tinha parte de uma parede quebrada e com algumas teias de aranha, paralisando todo o restante do grupo. Pegou algo caído no chão.

— Virando este corredor, estaremos perto. – ela disse, encarando Mia – Segundo a planta que tenho em mente, temos um tipo de posto de guarda ali. No máximo dois caras. Alguém precisa distraí-los.

Mia entendeu o que Bianca quis dizer, então olhou para seu irmão. Gabriel deu um passo para frente, mas sua perna vacilou e ele quase foi ao chão.

— Ei, Gabriel, o que foi? – Mia perguntou, largando um pouco a mão de Alfinn e segurando seu irmão.

— Não é nada. – o médico respondeu – Só estou um pouco exausto.

Mia olhou no rosto do irmão. Gabriel suava frio. Em seguida, a ex-garçonete olhou para Alfinn, que mantinha uma expressão determinada, e para Bianca, que esperava algum voluntário para executar o plano que tinha em mente.

— Eu vou. – Mia declarou.

— Não, Mia, por favor. – Gabriel segurou as mãos da irmã – É perigoso.

— Relaxa, vai ficar tudo bem. – Mia disse, depositando um beijo suave no topo da cabeça de Gabriel.

A ex-garçonete olhou para Bianca e as duas se comunicaram em um olhar. Mia virou o corredor e caminhou fazendo o maior barulho possível. Dava passos pesados e assobiava, olhando tudo ao redor. Este corredor era mais amplo que o anterior e mais iluminado. As paredes não estavam sujas e a iluminação era mais sofisticada.

Ao final deste corredor, Mia avistou dois guardas parados de forma informal, como se não estivessem a serviço. A mulher, de cabeça erguida, se aproximou.

— Oi, garotos. – ela cumprimentou – Eu estou um pouco perdida. Vocês sabem onde fica o banheiro?

Os guardas se arrumaram e se entreolharam, confusos.

— Acho que é por ali, né? – Mia disse, passando por eles.

— Ei! – um dos homens chamou, virando-se na direção de Mia. Em seu pescoço, havia uma tatuagem de lobo.

— O que foi? O banheiro não é por aqui? – o segundo guarda também se virou na direção dela. Os dois estavam de costas para o corredor de que Mia veio.

— Você precisa vir com a gente. – o guarda com tatuagem de lobo perto do pescoço disse, agarrando o braço de Mia.

— Ei, me larga! – Mia retrucou, ficando um pouco nervosa. Ela havia se tornado mais forte após o abuso sexual que sofreu no passado, mas mesmo criando sua própria armadura, ainda mantinha um certo medo de toques mais agressivos como esse. Medo não… Era ódio por homens como aqueles dois.

Observando por cima dos ombros dos dois homens, a morena viu Bianca se aproximando silenciosamente com um objeto nas mãos. Tentou se acalmar e seguir com o plano.

— Tá, não precisa ser agressivinho assim. – Mia disse, forçando uma voz meiga e então exagerou em uma expressão de espanto – Ai meu Deus, o que é aquilo?

Com o braço livre, apontou para a direção contrária em que estavam. Os dois homens viraram o rosto para avistar o que ela apontava. Bianca avançou, com um tijolo em suas mãos. O objeto atingiu o rosto em cheio do outro homem, arrancando-lhe dois dentes, enquanto o que segurava Mia se preparava para conter a adolescente com o tijolo.

— Ei, otário, espera aí! – Mia disse, quando sentiu o homem com tatuagem de lobo afrouxar o aperto em seu braço e começar a andar na direção de Bianca.

A ex-garçonete desvencilhou seu braço da forte mão do segurança e segurou seus dois ombros. Erguendo sua perna, a joelhada foi certeira nos testículos do homem, que colocou as mãos no local agredido, com uma expressão extrema de dor. Seus joelhos começaram a se dobrar e o corpo estava curvado.

— Homens são tão frágeis. – ela comentou.

Mia segurou o homem pela cabeça e o empurrou em direção à parede, fazendo-o bater de cara e depois ir ao chão, praticamente desacordado. Por prazer próprio, a ex-garçonete chutou o homem mais uma vez, “só para garantir”. Então, olhou para o lado e conseguiu avistar Bianca golpear mais uma vez o outro homem, dessa vez quebrando-lhe o nariz. Depois de ter certeza que ele havia desmaiado, a adolescente olhou para a morena, com um olhar preocupado.

— Mia, seu irmão não está bem.

Ambas apressaram-se para o corredor de que haviam vindo. Mia encontrou Gabriel sentado no chão, com as costas apoiadas na parede. Estava de olhos fechados, parecia estar com dor e suava muito. Alfinn estava agachado ao seu lado.

— Gabriel, o que aconteceu? – Mia perguntou, agachando ao lado também.

— Eu só não estou me sentindo bem. – ele respondeu, abrindo os olhos – Mas deve passar logo.

— Você foi infectado? – Mia perguntou, tocando as mãos dele.

— Não. Eu não sei o que aconteceu. – Gabriel respondeu, encarando os olhos claros da irmã – Eu não tive contato com o vírus de nenhum jeito.

— Olha, eu não quero parecer rude, mas temos que ir. – Beatriz comentou - Não vai demorar muito para aqueles caras se recuperarem.

— Certo. – Mia concordou – Vem, Gabriel.

A morena puxou o irmão e passou o braço dele por seu ombro, para que pudesse apoiá-lo na caminhada. Beatriz voltou a liderar a caminhada do grupo, ainda com o tijolo em suas mãos. Alfinn ia logo atrás, mais quieto do que de costume, e os irmãos por último.

O grupo passou pelos guardas caídos no chão e viraram mais alguns corredores. O ritmo estava mais lento agora por causa do estado de Gabriel. Mia estava com extrema preocupação e sentia o incômodo que seu irmão estava sentindo. Não tinha como ele ter sido infectado, então, o que teria acontecido?

Beatriz guiou o grupo com destreza por mais alguns corredores, com absoluta certeza dos caminhos que percorriam.

— Estamos perto de achar seu irmão. – Mia ouviu Beatriz cochichar para Alfinn, que andava mais próximo da adolescente.

O grupo virou mais alguns corredores, até chegar em um mais estreito e iluminado. No fim dele, uma porta estava aberta. Beatriz sinalizou que era ali e todos captaram a mensagem. Impaciente, Alfinn disparou na direção da abertura. Após abrir a porta, o garoto parou, assustado.

Beatriz, Gabriel e Mia chegaram logo após e puderam ver o que assustava o garoto: Fred estava amarrado em uma maca, espumando pela boca e se contorcendo o máximo que podia.

***

Ísis agachou-se o mais rápido que podia, assim que Renan foi ao chão. Os olhos do moreno estavam revirados e ele tinha alguns espasmos no corpo. A loira apoiou o corpo dele em suas coxas e passou delicadamente a mão em seu rosto. Não podia deixar tudo se perder assim.

O telefone que Renan estava usando estava mudo agora. As pálpebras se fecharam e ele mantinha a respiração pesada. Os batimentos cardíacos estavam acelerados e Ísis sentiu isso ao colocar a mão sobre o peito dele. O corpo do homem começou a se acalmar, porém ainda mantinha alguns espasmos. Alguns segundos depois, começou a cochichar algumas palavras desconexas.

— Van… Van…

— Renan, acorda, por favor. – Ísis pediu, dando leves tapinhas no rosto do moreno. Ao longe, ouviu o barulho de um helicóptero.

— Ano… Novo… - ele cochichou.

Os batimentos cardíacos se acalmaram, mas a respiração dele continuava pesada. Ísis jurou ter ouvido alguém se aproximando deles, mas quando olhou em volta, não havia ninguém ali. A loira encarou o rosto desmaiado de Renan e imaginou o que estaria passando pela mente dele. O visionário estava recuperando seu passado.

— Van… Vanessa.

***

Janeiro de 2015.

A mansão parecia algo de outro mundo para Renan. Não que ele morasse em uma casa pequena, muito pelo contrário - até porque dividia um enorme apartamento com seu irmão no centro da cidade -, mas aquela residência era quase surreal. Nos jardins dos fundos havia até uma piscina do tamanho de uma piscina olímpica e o rapaz já havia testemunhado dois golfinhos dando mergulhos lá durante uma festa promovida por sua prima, que morava na casa. Naquela noite, todas as janelas estavam enfeitadas com cortinas douradas e brilhantes, além de fitas e glitter, também em tons dourados. Do lado de fora, canhões de luz iluminavam tudo ao redor, deixando as paredes e jardins com tons esbranquiçados e festivos. Era a Festa do Branco, em comemoração ao Ano Novo.

Aquele império na verdade pertencia a Roberto, tio de Renan. O homem era dono de uma empresa milionária de joias. Durante muito tempo, Cristiano, pai de Renan e irmão de Roberto, foi um dos sócio-chefes da empresa, até que faleceu devido a um tumor em seu cérebro, há dois anos. As ações que pertenciam ao homem foram herdadas e divididas entre sua esposa Vivienne e seus dois filhos.

A festa já estava em aquecimento, mas não havia ocorrido uma abertura oficial. Renan se aproximou da grande porta de entrada, que estava escancarrada. Um tapete vermelho se esticava pela sala de recepção, em contraste com o piso que era decorado com quadrados pretos e brancos, como um tabuleiro de xadrez. À direita, avistou uma grande escada-caracol que levava ao segundo andar, enquanto à esquerda havia o corredor que levava os convidados ao interior da mansão, e consequentemente, para o salão de festas, onde ocorreria a celebração de ano novo. No teto, um lindo lustre dourado e com diamantes embelezava todo o cômodo com sua luz.

Renan estava vestindo-se com a temática da festa: uma camisa social branca, com as mangas dobradas e com um botão desabotoado; uma calça também branca e sapatos sociais limpos e esbranquiçados. O cabelo estava arrumado em um topete com gel e a barba aparada. Mesmo a ocasião sendo a noite, usava óculos escuros para manter seu estilo descolado.

Ao passar pela porta, um dos seguranças o cumprimentou e solicitou o convite para permitir a entrada. Renan retirou um envelope dourado do bolso de sua calça e o entregou para o homem, que após analisar o conteúdo, permitiu a entrada do homem. Ele adentrou o cômodo e encarou a escada-caracol. Provavelmente sua prima estava no andar superior, se arrumando. O moreno observou os seguranças que guardavam a base e o topo da escada e começou a subir, degrau por degrau.

Chegando no andar superior, avistou mais seguranças pelo corredor. Andou calmamente, com um sorriso simpático no rosto. Chegou ao quarto de sua prima e bateu duas vezes na porta.

— O que foi, inferno? – uma voz irritada gritou de dentro do quarto.

— Posso entrar, Van? – Renan falou enquanto dava mais duas batidinhas na madeira da porta, por impulso.

— Já vai, caramba! Tá com pressa enfia essa mão no… - a porta se abriu e a mulher saiu do quarto com uma expressão irritada no rosto, mas ao ver Renan, ela sorriu, feliz – Renan!

— Vanessa!

A ruiva pulou sobre o primo, abraçando-o. Ela tinha algumas pulseiras douradas nos braços e vestia um sutiã tomara que caia e uma calcinha, ambas as peças brancas.

— Que saudades de você, primo! – a ruiva gritou enquanto se desvencilhava do abraço e voltava ao estado normal.

— Eu não podia faltar a esse grande evento, não é? – Renan respondeu, retirando seus óculos escuros e encarando a prima com seus olhos claros, enquanto sorria.

— Entra aqui, estou terminando de me arrumar. – Vanessa convidou, voltando para dentro de seu quarto – Você não veio junto com o Hórus, não é? Porque ele já chegou há tempos…

— Não, não. Na verdade hoje eu ainda nem vi ele. – Renan comentou, enquanto entrava e fechava a porta.

O quarto de Vanessa estava um pouco bagunçado, mas era tão espaçoso que a desorganização da ruiva nem chamava muita atenção e se perdia no meio da futilidade decorativa. Um lindo vestido branco estava esticado na cama, esperando ser usado. Ela sentou-se a frente de sua penteadeira, voltando a se maquiar.

— Não viu ele por quê, cordeirinho? – Vanessa encarou Renan pelo reflexo do espelho – Vai dizer que brigaram de novo?

— Não. Na verdade não estamos passando muito tempo juntos, então, sem muita briga. – Renan forçou uma risada – Eu estou passando quase o dia todo ocupado sendo agente de segurança do governo. E o Hórus tá ocupado com os planos mirabolantes pra chegar cada vez mais perto do poder. Ele disse que o próximo plano é ser secretário do governador.

— Ah, o Hórus é assim mesmo. – Vanessa respondeu, enquanto retocava o batom – Ele é difícil de lidar.

— Sei bem o jeito que você lida com ele. – Renan retrucou, sorrindo maliciosamente. Vanessa também riu. Não era segredo entre eles que a ruiva e Hórus já haviam tido várias relações sexuais durante a adolescência e até algumas histórias casuais nos últimos tempos. Talvez ela até tenha perdido sua virgindade com ele, de acordo com alguns comentários sobre o assunto.

— Que bom que você esteja conseguindo ser feliz no emprego. Não sei como consegue. – Vanessa desviou o assunto, enquanto arrumava um deslize em seu rímel – Mas você sabe que não precisa disso, né?

— Eu gosto de me manter com meu próprio dinheiro. Não devo nada a ninguém. E também não sei cuidar de ações empresariais. Hórus e eu deixamos essa parte com mamãe. – Renan respondeu um pouco desconfortável com o assunto, sentando-se na cama e observando a prima terminar sua maquiagem – Nossa, até que sua maquiagem não está tão pesada hoje, hein?

— Ah, já dizia um grande filósofo: hoje em dia a maquiagem esconde a dor da alma. – Vanessa respondeu, jogando o rímel em qualquer canto e pegando um pacotinho com cílios postiços.

— Que filósofo disse isso? – Renan perguntou.

— Sei lá, Aristóteles, Shakespeare… - Vanessa devolveu, concentrada em colar os cílios – Só sei que prefiro que eu mesma me maquie essa noite, porque sei que farei muito melhor do que qualquer uma daquelas jumentas que chamo de empregadas.

Renan riu e levantou-se. Se aproximou de Vanessa e depositou um beijo na bochecha dela, se encaminhando para a porta.

— Vou descer. Te espero lá em baixo, dona da festa. Vou tentar encontrar seu pai e meu irmão. – Renan avisou, abrindo a porta.

— Boa sorte em sair vivo depois que se envenenar com o gás carbônico que aquele povo lá de baixo solta. Principalmente esses dois. – Vanessa despejou, enquanto verificava se os cílios estavam postos corretamente.

Renan concordou com um aceno e saiu, fechando a porta. Enquanto caminhava pelo corredor em direção à escada, respirou aliviado. Passar pelo menos cinco minutos com Vanessa purificava sua alma e lhe deixava leve. A ruiva podia parecer uma pessoa fútil e perua, mas tinha um bom coração. E o homem sabia disso. Enquanto seu irmão explorava o corpo da ruiva em aventuras adolescentes, Renan já havia conseguido alcançar a essência de Vanessa, e ela, a dele. Os dois se davam muito bem desde crianças e o moreno era uma das poucas pessoas que conseguia lidar e desviar dos jatos de ironia e sarcasmo despejados pela prima. Apesar de perderem o contato ao longo dos anos, eles sempre seriam quase como irmãos. Sempre.

Caminhando lentamente, Renan tomou rumo ao salão de festas.

***

Enquanto caía, Elly pensou que era sua hora de morrer, embora não estivesse na lista da morte – pelo menos, achava que não. A queda foi amortecida por um monte de sacos de lixo. Não demorou muito para Erick aparecer pela abertura da porta, olhando para baixo, preocupado.

— Elly, você tá bem?

— Eu tô legal, poodle. Só tá fedendo esse monte de lixo, claramente. – Elly respondeu, tentando se levantar – Só foi uma quedinha.

Mimi também apareceu e observou uma escada de ferro. Erick foi o primeiro a começar a descer, logo depois a loira e por fim, Sabrina. Elly já estava de pé, chutando um pequeno saco preto que estava preso ao seu pé. A vista que o grupo teve foi de uma extensão de areia e logo depois um mar se expandia, parecendo ser infinito. Uma leve brisa refrescava o grupo, mas a vista paradisíaca era quebrada pelo forte e horrível cheiro de lixo.

— Ficamos preocupados. – Mimi disse, se aproximando de Elly.

— Foi só um susto. – Elly respondeu – Estou bem, juro.

A garota analisou o resto do local. Os sacos de lixos se espalhavam por diversos metros quadrados da praia. Sabrina pareceu ter os mesmos pensamentos que ela.

— Isso fode totalmente com a natureza. – a gótica disse e logo depois ironizou – Grande corporação Pyramidina.

— Ai que nojo! – Mimi gritou, assustando todos. A atriz se afastou o máximo que conseguiu dos sacos de lixo, apontando para algo específico.

Elly apertou os olhos e inclinou a cabeça, tentando avistar o motivo do pânico de Mimi. E então conseguiu: alguns sacos de lixos estavam rasgados e mostravam restos de ratos mortos e em estados de composição. Outro mantinha animais de porte maior, como um coelho branco, porém de pelugem totalmente suja, e um papagaio com um olho estourado, ambos com grande parte do corpo em estado de podridão e decomposição. Mais um saco de lixo exibia uma carne vermelha totalmente estraçalhada, porém não parecia ser de um animal. Parecia… humana.

— Que tipo de experiências eles estão fazendo aqui? – Erick perguntou, um pouco enjoado.

— Não faço a mínima ideia. – Sabrina respondeu – Essa ilha tá ficando macabra demais até para mim.

— Se naqueles sacos tem aquilo, não quero nem imaginar o que tem nos outros. – Mimi comentou, prendendo o nariz com dois dedos.

Elly encarava toda a cena. Eles haviam encontrado uma saída, mas pareciam que tinham deixado algo passar. Enquanto encarava o mar, avistou um bote, com um motor, parecendo perseguir alguma coisa na água ao horizonte, não muito longe. Dois guardas da Pyramid estavam a bordo. Um deles jogou uma rede no mar e certificou-se de que havia conseguido capturar o que queria. O outro pilotava. Então, o bote começou a fazer uma curva.

— Pessoal, se escondam! – Elly gritou.

Elly se jogou debaixo dos sacos de lixo, se cobrindo com outros dois. Ouviu Erick fazer a mesma coisa perto dela. Mimi resmungou alguma coisa sobre estar com nojo, mas pareceu repetir o ato, junto com Sabrina.

A garota sentia-se sufocada, enterrada em baixo dos sacos de lixo. O cheiro de carne podre estava insuportável e ela tentava prender a respiração. Em baixo de seu corpo, podia sentir sua pele em contato com uma areia áspera e uma vegetação seca e morta. Aqueles últimos dias estavam sendo os piores da vida dela. Com toda a certeza do mundo.

Após alguns segundos escondidos, ouviram o barulho do motor cada vez mais próximo, sinal de que o bote estava se aproximando. Ouviram as vozes dos guardas, mas pela distância, não conseguiram identificar o que era. Não demorou muito para Elly conseguir identificar os passos de ambos na areia seca, enquanto pareciam arrastar alguma coisa. Ou alguém.

A garota moveu levemente um saco de lixo que estava em seu rosto, na expectativa de conseguir ver alguma coisa. Por fim, acabou vendo os dois guardas dando a volta pelo despejo de lixo que estava ali, e se encaminhando para o paredão do qual Elly e os outros haviam vindo.

Os passos cessaram por alguns segundos e logo após um barulho mecânico foi ouvido. Elly se levantou, movida pela curiosidade, e conseguiu ver os dois guardas percorrendo por um corredor dentro da parede, enquanto arrastavam alguma coisa presa em uma rede de pesca, mas então uma porta falsa se fechou, parecendo que não havia nada ali.

— Uma passagem secreta! – Elly disse.

Percebendo que os guardas já haviam sumido de vista, os outros também se “desenterraram” dos sacos de lixo e levantaram-se. Mimi resmungava enquanto tirava um pedaço de alface dos seus cabelos loiros. Erick olhou para todos os lados, confuso.

— Para onde eles foram? – ele perguntou, olhando para Elly.

— Tem uma passagem secreta naquele paredão. – respondeu, apontando para a direção em que os guardas haviam prosseguido.

Elly correu até a parede de pedra, encostando o ouvido onde achava que eles haviam seguido caminho. Batucou algumas vezes, ouvindo o oco atrás da parede.

— Definitivamente, há uma grande passagem aqui. – ela concluiu.

Erick se aproximou, junto com as outras duas.

— Elly, o que você tá fazendo? Vamos embora daqui. – Erick pediu – Temos que achar alguma forma de sair dessa ilha. Talvez um barco ou até mesmo tentamos usar aquele bote ali.

— Erick, eles estão escondendo muito mais do que aparentam nessa maldita ilha. – Elly retrucou – E não é só minha curiosidade que está falando, é…

Elly interrompeu a fala após se apoiar em uma das rochas e ela se afundar um pouco, com um barulho mecânico. A garota se afastou, assustada, enquanto uma porta falsa deslizava para o lado, exibindo um corredor longo e escuro. Então, ela olhou para o grupo, sorrindo satisfeita.

— Vocês vem?

***

Stein sentia a falta de Erick. E também preocupação.

A relação dos dois nasceu como uma flor no meio de uma tempestade, quase como impossível. Stein ainda lembrava como se fosse ontem de todo o caos que vivenciou na época em que conheceu Erick. A conexão entre eles foi imediata. Ele até pensava em “amor a primeira vista”, mas não queria ser clichê.

Ver Ed partir na sua frente o colocou para refletir, como sempre acontecia nessas situações. Stein pensou em como a vida é curta e que deveria aproveitar mais o tempo com as outras pessoas. Sua mente direcionava os pensamentos para Erick e Elly, os dois pilares que sustentavam sua estrutura, que apesar de parecer bruta por fora, era delicada por dentro como um quadro pintado a mão.

Stein carregava o corpo de Ed, que em parte estava enrolado em uma jaqueta. Depois que o gás da câmara foi desligado, conseguiram abrí-la e retirar o corpo de lá. O estado do cadáver estava horrível e eles sentiam a dor apenas olhando. Todos concordaram que o homem merecia um enterro digno. Por ele próprio. E por Débora.

A magnata das ruas acompanhava Stein, lado a lado. Ela mantinha sua pose de mulher forte que sempre teve, porém, era perceptível que seu coração havia sido dividido em dois e que uma das partes havia morrido. Natasha e Max acompanhavam atrás, andando abraçados. A tragédia abateu ambos também. Renan havia desaparecido e todos pareciam preocupados com ele. Em parte, a preocupação era real, mas em contrapartida, baseava-se no interesse de que apenas o rapaz sabia realmente o esquema da morte.

O grupo seguia em silêncio, pelo mesmo corredor que Erick e os outros haviam seguido, em busca da liberdade. Em certo ponto, Stein pensou em puxar assunto e até perguntar para Natasha sobre o que aconteceu com ela no laboratório, mas preferiu ficar quieto. Todos ali estavam cobertos pelo manto do silêncio fúnebre.

Depois de alguns minutos caminhando ouvindo apenas os sons dos próprios passos, o grupo avistou uma luz no fim do túnel. Uma porta de metal estava aberta e revelava a imensidão de um mar azul. Em resposta, o coração de Stein bateu um pouco mais forte, pois significava que Elly e Erick haviam escapado e estavam em algum lugar ali fora.

Ao chegarem perto da porta, Débora tomou a frente.

— Tem uma escada aqui. – ela disse séria e encarou Stein – Acha que consegue descer carregando o… Carregando Ed?

Stein apenas balançou a cabeça em sinal afirmativo.

— Então, vamos descer. – Débora disse, se posicionando para descer a escada.

A magnata sumiu da vista de todos. Logo depois, Natasha e Max desceram e por último, Stein, para o caso de o corpo ameaçar cair, alguém lá em baixo poderia segurar. Depois que o grupo se reuniu lá em baixo, caminharem por mais alguns metros.

Um cheiro muito incômodo de vários quilos de lixo espalhados na areia afetou o olfato de todos, mas mesmo assim permanecerem em silêncio. Caminharam por alguns metros de praia, até que o terreno começasse a ficar vegetativo e com terra.

— Aqui está bom. – Débora disse, parando perto de uma árvore.

Ficando de joelhos na terra, Débora começou a cavar com as próprias mãos.

***

A Festa do Branco estava movimentada. Vanessa já havia feito a abertura oficial e todos pareciam se divertir. Renan segurou a ânsia de vômito após cumprimentar uma senhora que estava banhada no perfume mais enjoativo do mundo. Disfarçando com uma taça de champanhe nas mãos, o homem se distanciou, indo até uma das varandas do salão de festas.

Renan havia visto seu tio Roberto por lá, mas não o cumprimentou nem puxou o assunto, pois ele estava indo em direção à entrada. O moreno bebericou sua bebida e admirou o céu, que nem parecia poluído naquela noite. A lua brilhava lindamente, com diversas estrelas ao seu redor.

— Vejam só, o filho prodígio resolveu aparecer. – Hórus ironizou, se aproximando de Renan. Ele tinha outra taça de champanhe nas mãos. Usava calça, camiseta, terno e sapatos brancos, com uma grava negra para quebrar o clima pacífico das outras peças.

— Eu? Não é você que vai ser presidente da República? – Renan devolveu, sorrindo.

Renan sabia que aquelas alfinetadas entre os dois significava que tudo estava bem entre eles. Apesar de sempre morarem juntos, o laço criado entre eles era de extrema competição desde a infância. Competiam pela atenção dos pais, por quem fazia o desenho mais bonito no Dia das Mães, e posteriormente, por quem conquistava mais em uma noite, quem era mais querido pelos amigos e resto da família, quem conquistava o melhor emprego... Porém, com o falecimento do pai, tudo mudou. No começo, os dois irmãos brigaram pelas ações deixadas pelo pai, mas a mãe resolveu colocar ordem e fazer o que não fazia há muito tempo desde que havia se casado: tomar o controle da situação.

— Alguma notícia da mamãe? – Renan mudou de assunto. Apesar da socialite Vivienne ter todas as ações empresariais deixadas pelo marido, ela comandava tudo de longe. Para ser mais exato, em Los Angeles.

— Hum… - Hórus resmungou, tomando o resto da bebida em sua taça em um gole só – Deve estar se divertindo com algum garotão lá em L.A. nesse momento.

— Ela não quis comparecer aqui, em um grande evento da sociedade? Estou surpreso. – Renan comentou.

— Na verdade, nem sei se o tio Roberto convidou ela. – Hórus devolveu.

Renan ficou sério. Não era segredo para ninguém que Roberto não gostava de sua cunhada e acreditava que a mulher se casou com Cristiano apenas para dar um golpe do baú – e que de alguma forma, havia se concretizado, de uma forma ou de outra. Então, não era surpreendente ela não ter sido convidada para a festa.

Hórus começou a caminhar de volta para a festa, então parou e perguntou:

— Você vai para nosso apartamento hoje?

Renan se virou e apenas concordou com a cabeça. Há quase um mês, os dois não se viam direito. Hórus havia usado a conta bancária do irmão para fazer algumas transferências, o que deixou o mais novo furioso, que por sua vez, quase saiu de casa. Passava várias noites em balada ou em móteis com diversas acompanhantes. Voltava para casa apenas no horário em que o mais velho não se encontrava lá, para tomar um banho e sumir novamente.

— Legal. – Hórus limitou-se – Ah, mês que vem eu estou planejando ir para a nossa chácara, tá afim de ir?

— Pode ser. – Renan respondeu. E sorriu. Hórus sorriu de volta, e ali sentiram novamente o carinho fraterno que existia, apesar de tudo.

Hórus caminhou para dentro do salão, logo sumindo de vista no meio de tantas pessoas. Um gato preto e uma chinchila passaram correndo pelo jardim à frente de Renan, fazendo-o soltar uma risadinha fraca. Um pouco ao longe, em outra varanda, estava Vanessa, conversando com uma loira – muito bonita por sinal. Vindo do salão, uma música romântica dominava o espaço.

Never alone

Never alone

I'll be in every beat of your heart

When you face the unknown

Wherever you fly

This isn't goodbye

My love will follow you

Stay with you

Baby, you’re never alone

Renan entrou novamente para o salão de festa, quando avistou uma confusão se formando. Várias pessoas corriam em direção a saída, mas não pareciam fugir de alguma coisa, mas sim curiosas sobre algo do lado de fora. Um homem barbudo corria contra a multidão. Vestia apenas uma camiseta cinza e uma calça jeans, se destacando no meio dos grã-finos. Parecia gritar alguma coisa. Quando se aproximou de Renan, ele conseguiu ouvir.

— Onde está a Vanessa? Alguém aí viu a Vanessa?

— Ela está para aquele lado. – Renan apontou, na direção do corredor que levava até a varanda em que Vanessa e a outra moça loira estavam.

O barbudo seguiu a direção apontada, com a cara assustada. Hórus se aproximou do irmão.

— Você viu o que aconteceu? – o mais velho perguntou.

Ao ver a resposta na expressão confusa do irmão, Hórus sinalizou para que o acompanhasse. Ambos seguiram pelo mesmo caminho da multidão.

— Licença, licença, familiar passando! – Hórus gritou, enquanto empurrava as pessoas com sua sutileza natural.

Renan ficou tonto ao ver a cena. Seu tio Roberto estava caído no último degrau da escada, com dois golpes: um na altura do abdômen e outro no pescoço. O sangue deslizava como um rio escarlate pela calçada, formando uma poça avermelhada em volta.

Não demorou muito para Vanessa chegar desesperada, junto com a loira que estava com ela na varanda. O homem barbudo veio logo em seguida, acompanhado de uma moça de cabelos azuis.

Renan observou o coração da prima ser despedaçado ali, assim como seu futuro.

***

Benjamin encarava o pai furioso. Os guardas atrás de Anúbis se posicionavam com suas armas caso fosse preciso – ou não. Alisson e Thiago deram alguns passos para trás, com medo. O pai de Ben o encarou com um olhar severo e uma expressão dura como uma rocha.

— Benjamin? Posso saber que circo todo é esse? – o homem proferiu com sua voz grossa – Aliás, como você saiu do seu quarto e onde está sua irmã?

— O senhor não pode nos deixar presos para sempre. – Benjamin devolveu – Nós perdemos nossa infância e praticamente toda a nossa adolescência trancados naquele lugar que você chama de quarto, como se fôssemos animais. Cansamos.

Anúbis suspirou e revirou os olhos, visivelmente irritado.

— Guardas…

— Quando eu falar já, se abaixem e corram. – Ben cochichou para Thiago e Alisson.

— Ben, o que você vai fazer? – Alisson perguntou.

— …levem eles para as celas. – Anúbis comandou.

Os guardas começaram a caminhar na direção do grupo, em clara posição de ataque.

— Já! – Ben gritou e avançou contra os guardas.

O adolescente pediu desculpas mentalmente para seu pai enquanto o jogava contra uma das paredes, do jeito menos agressivo possível. Os primeiros guardas foram fáceis de serem derrubados, sendo jogados ao teto. Os outros, vendo o grau da situação, prepararam as armas e começaram a atirar. Benjamin olhou rapidamente para outra direção, conseguindo avistar Thiago e Alisson abaixados, prontos para desviar dos tiros.

Benjamin atacava com socos, utilizando toda a sua super-força para derrubar o maior número possível. As balas voavam como vespas assassinas por todos os cantos. Depois de alguns segundos, todos os guardas já estavam caídos. Ben olhou para o lado e avistou Thiago e Alisson encolhidos, junto com uma chinchila assustada. A dupla encarava o adolescente, que respirava ofegante. O loiro então olhou para o próprio corpo e viu diversas marcas de balas em suas vestes e pontos vermelhos onde havia sido atingido, porém, nenhum ferimento. Primeiramente ficou confuso com aquilo, mas logo tudo ficou claro: sua mutação.

— Vamos, Benjamin, temos que ir. – Thiago tirou o adolescente de seus pensamentos.

Benjamin virou e olhou mais uma vez para o pai, sentado no chão. Anúbis possuía um galo na cabeça e encarava o filho, com grande expressão de decepção. O adolescente virou a cara e seguiu junto com Alisson e Thiago, com apenas uma certeza em mente: a sua liberdade custou caro.

***

Alfinn correu para socorrer seu irmão. Fred se contorcia, amarrado em uma maca. Espelia espuma por sua boca e um filete de sangue escorria por uma de suas narinas. Os olhos estavam semi-abertos, mostrando suas pupilas dilatadas. O irmão mais novo correu e começou a puxar as tiras, tentando liberar o seu irmão mais velho, até que ele parou de se debater. O pulso começou a desacelerar e parecia não respirar mais.

Lágrimas escorriam do rosto angelical de Alfinn. O garoto berrava, enquanto abraçava o corpo sem pulsação de seu irmão. Havia perdido a mãe há muito pouco tempo e agora, Fred. Sentia-se sozinho.

E estava.

O garoto olhou para a porta que haviam entrado e avistou Bianca, Mia e Gabriel do lado de fora, rendidos pelos dois guardas que haviam sido abatidos. O homem com tatuagem de lobo segurava uma pistola, apontando diretamente para a cabeça de Mia. Mais dois guardas os acompanhavam. Um deles mantinha uma faca no pescoço de Gabriel, que tinha piorado. Suava mais do que nunca e sua pele estava avermelhada.

— Então quer dizer que vocês realmente acharam que iam escapar da gente? – um dos guardas disse. Dois dentes lhe faltavam e ele segurava um saco de gelo em seu nariz, que estava banhado com sangue seco.

— Nós vamos levar vocês para onde nunca deveriam ter saído. – o guarda com tatuagem de lobo disse.

— É, mas antes, vamos nos vingar um pouquinho. – o outro complementou. Ele se aproximou de Bianca, agarrando-lhe seus cabelos loiros. Empurrou a garota, que entrou na sala, rolando pelo chão e parando perto perto de Alfinn.

— E você, sua biscate, vai aprender a não ser uma trouxa. – o primeiro se referiu a Mia, desferindo um soco em seu estômago. A ex-garçonete pensou em reagir, mas os outros podiam morrer por causa disso. Precisava resistir.

— Eu vou matar você, seu covarde. – Gabriel cuspiu, tentando se soltar do guarda que lhe prendia.

— Fica quietinho aí, otário! – um guarda bigodudo ordenou, pressionando a faca com mais força no pescoço do médico.

— Deixem ele em paz! – Alfinn gritou, entre lágrimas – Vocês precisam ajudar meu irmão!

Os guardas se entreolharam e soltaram gargalhadas.

— A gente tá nem aí pro seu irmãozinho. – um careca banguela gargalhou.

O guarda com o saco de gelo se aproximou de Beatriz e desferiu um chute em seu estômago, fazendo-a urrar de dor. Mia também era atacada, levando tapas de seu agressor. Alfinn assistia tudo aquilo, horrorizado. Desde pequeno, ele sempre aprendeu a respeitar as mulheres. Criado sempre perto da mãe, uma mulher forte e independente, via um pouquinho de Donatella em Mia e Beatriz.

Seja pela força da ex-garçonete ou pelo carinho que a adolescente loira passava, Alfinn ficava com raiva ao ver tudo aquilo. Mulher nunca foi um símbolo ruim para ele, muito pelo contrário. O garoto entrou na frente de Beatriz, tentando impedir que ela recebesse mais golpes.

— Por favor, parem com isso! – Alfinn gritou, ainda chorando.

— Cala a merda da boca, pirralho! – o guarda que espancava Beatriz gritou em resposta, sacando sua arma.

O homem apontou para a cabeça de Alfinn, pronto para apertar o gatilho.

— Não! – Mia gritou ao ver a cena.

Alfinn fechou seus olhinhos, chorando ainda mais. Então, algo estranho aconteceu. O braço do guarda começou a se torcer, apontando a arma para seu próprio rosto. Observando a expressão confusa do homem, todos perceberam que essa não era sua própria vontade. O cano da arma adentrou a boca do guarda, tirando-lhe gemidos de dor.

Beatriz foi rápida e abraçou Alfinn, tampando-lhe os olhos no momento exato. O guarda apertou o gatilho, fazendo a parte de trás de sua cabeça explodir em sangue e miolos, que grudaram-se na parede atrás dele e no piso. Os outros guardas permanecerem estáticos, observando tudo aquilo. O que teria acontecido?

De repente, todos os objetos da sala começaram a chacoalhar, como se estivesse ocorrendo um terremoto. Algumas agulhas, sem nenhum conteúdo, levitaram e dispararam como balas, na direção do guarda com tatuagem de lobo. Os fios metálicos adentraram na pele de seu braço, fazendo-o se afastar de Mia. Os outros dois guardas olhavam tudo aquilo, assustados.

Os armários levitavam, enquanto mesas ficavam de ponta cabeça e giravam no teto.

— Vamos embora daqui! – um dos guardas disse.

O guarda que mantinha Gabriel como prisioneiro saiu correndo. O médico se desequilibrou e quase caiu no chão, mais Mia o pegou rapidamente. Os gêmeos andaram até Beatriz e Alfinn, que estavam no canto da sala. Os dois homens que sobraram saíram correndo, assim que as mesas e armários foram atirados em suas direções. Os objetos bateram contra a parede e caíram no chão.

— O que foi tudo isso? – Mia perguntou, confusa.

Alfinn olhou para a maca onde seu irmão estava e viu as tiras que o prendiam começarem a se desamarrar. Então, Fred abriu os olhos e olhou para o grupo no canto da sala. Suas íris estavam douradas e brilhantes, mas alguns segundos depois voltaram a coloração normal.

— O que aconteceu aqui? – Fred perguntou, observando a bagunça daquela sala e se assustando com o corpo do guarda morto.

— O sangue dos deuses… - Beatriz cochichou e então falou para todos – Não temos tempo para isso, precisamos sair daqui!

Beatriz pegou um papel toalha que achou ali e ajudou a limpar o rosto de Fred. Depois, ela e Alfinn ajudaram o mais velho a se levantar.

— Fred, fico feliz que está bem! – o mais novo sorriu, abraçando o irmão – Essa é a Beatriz, ela tem uma memória incrível!

— Alfinn, deixamos apresentações para depois. – Beatriz repreendeu.

Enquanto Mia apoiava Gabriel e Beatriz apoiava Fred, com a ajuda de Alfinn, o grupo seguiu pelo corredor, para fora dali.

***

Algum tempo após a Festa de Ano Novo…

O pacotinho com pó branco estava no bolso de Renan. Ele caminhava entre as árvores do parque central da cidade. O céu estava nublado e um vento cortante passava, irritando os olhos do homem. Ele vestia uma calça jeans escura, uma regata branca com estampa do Coringa e uma jaqueta de couro preta. Tênis Adidas azul e preto calçavam seus pés, que caminhavam impacientes.

Já fazia algum tempo desde que seu tio foi cruelmente assassinado. Há alguns dias, haviam descoberto que o assassino foi o motorista da família. Porém, a pior notícia, Renan havia recebido no dia anterior: Vanessa estava morta. A ruiva teve sua vida tirada de modo brutal, com o couro cabeludo retirado em um acidente, envolvendo uma escada rolante de um shopping.

Renan sentou-se na grama verde, próximo de uma árvore, no ponto mais afastado do parque. Queria ser o mais discreto possível. Algumas pessoas faziam cooper, aproveitando o final da tarde e o resquício do Sol. O moreno sentia-se pressionado demais. O tio morto há semanas, depois, sua prima que considerava como sua irmã. Os membros que restavam de sua família estavam mais distantes a cada dia. Os treinamentos como agente de segurança governamental estavam cada vez mais pesados e sobrecarregados. Parece que estavam se preparando para alguma coisa séria. Talvez uma operação de risco.

O celular dele tocava incansavelmente. Era seu irmão, Hórus. Renan então lembrou-se que os dois haviam marcado de passar um tempo na chácara da família naquele dia. Porém, não tinha cabeça para isso. Ele estava sobrecarregado demais.

Retirou o pacotinho de cocaína do bolso de sua calça. Em poucos segundos, arrumou o pó em uma linha, em cima de um pedaço de papel e fez um canudinho com outro pedaço, encaixando-o no nariz. Cheirou forte, sugando de uma só vez todo o pó branco. Largou os papéis no chão e encostou-se no tronco de uma árvore, curtindo o efeito da substância.

Renan sentiu o corpo começar a agitar-se, em uma ansiedade extrema. Os batimentos cardíacos aumentavam e ele sabia que logo ia conseguir o relaxamento que queria, beirando a depressão. Não era a primeira vez em que ele usava drogas, mas não chegava a ser um viciado.

— Então quer dizer que você é o traficante que foi denunciado? – Renan ouviu uma voz dizer ao seu lado.

O moreno virou-se e avistou dois policiais de pé e parados, olhando para ele com cara séria. Tentou reagir e justificar que ele não era traficante, que só estava tentando relaxar, porém foi em vão. Os dois policiais carregaram Renan, que sob protestos, foi preso.      

***

Débora era forte. Até mesmo para enterrar o homem de sua vida.

Ela não chorou quando começou a cavar uma cova com suas próprias mãos. Nem quando Stein e Max ajudaram, usando galhos como pás improvisadas. Depois que fizeram um buraco grande o suficiente, depositaram o corpo de Ed. A pele ressecada parecia ter sido queimada com ferro quente.

Débora também não chorou quando disse um adeus em seu pensamento, apenas para ela e Ed ouvirem. Natasha a abraçou de modo acolhedor quando Max e Stein começaram a jogar a terra por cima, começando a cobrir o cadáver do cavalheiro.

— Eu nunca havia conhecido alguém como ele. – Débora falou baixinho para Natasha, enquanto os homens jogavam as últimas porções de terra – Eu não precisava mudar nada em mim para ficar com o Ed. Nem ele comigo. A gente se completava, sabe como é?

Natasha permaneceu em silêncio por alguns segundos. Olhou para Max, que estava ocupado, enterrando Ed.

— É, sei sim.

O sol brilhava radiante no céu, assim como Débora e sua posição de imperatriz. Ela era uma mulher que já foi muito machucada. E agora, recebia um dos piores golpes que poderia receber, de um amor sendo tirado pela morte.

— Você vai mesmo ficar me devendo um dança, meu querido Ed. – Débora cochichou.

Se ajoelhando para dizer um “adeus” definitivo, a magnata secou uma discreta lágrima que escorria por sua bochecha rosada.

***

Ísis se assustou ao escutar passos ao seu lado.

— O cordeirinho desmaiou? – Valentim perguntou, cruzando os braços.

— Que susto você me deu! – Ísis respondeu irritada e levantou-se, deixando sua coluna ereta – Ele estava falando com alguém no telefone e depois caiu aí no chão. Estou com receio de que ele esteja recuperando as memórias…

— Ah, mas isso não é poss…

— Ele falou o nome da prima. – Ísis encarou a face de Valentim – Eu não sei o que fazer caso ele recupere todas as memórias. Aliás, como você chegou aqui?

— Vim junto com o Hórus. – Valentim respondeu.

— O Hórus?! – Ísis estava incrédula – O que ele está fazendo aqui?

— Não faço a mínima ideia. – Valentim devolveu – Ele me chamou para uma missão no prédio governamental. Quando cheguei lá, ele já estava pronto no heliponto. Viemos para cá. Ele seguiu o caminho dele e pediu para eu ficar esperando, mas resolvi dar uma volta e achei esse tesouro precioso que são vocês dois sozinhos aqui.

— Era só o que faltava. – Ísis disse revirando os olhos – Anúbis, o amiguinho do Hórus, não tem controle nenhum sobre isso aqui. Está uma verdadeira bagunça. E a gente achando que era um império de titânio! Eu podia ter morrido aqui.

— Relaxa, se alguém morrer aqui, não será você. – Valentim respondeu.

— É, você deve saber bem sobre quem morrerá aqui ou não, já está experiente nisso. – Ísis comentou, olhando para Renan desmaiado no chão e então voltou a olhar para o ruivo – É melhor você sair daqui. Ele pode acordar a qualquer momento e seria complicado explicar sua presença aqui, já que deveria estar em uma viagem de negócios, senhor Valentim.

O homem concordou e deu meia volta, voltando pelo caminho que veio. Aquela ilha lhe dava um sentimento ruim. Um sentimento fúnebre. Ele sabia que ali ficava a sede dos laboratórios da Pyramid e provavelmente, o sangue das cobaias usadas para o teste da vacina estavam ali.

Valentim fazia parte disso, da pior maneira possível.

***

Algumas semanas atrás, em Cabo da Praga…

Valentim ajeitava o jaleco branco sobre seu corpo. Seu disfarce tinha que ser o mais convincente possível para que não despertasse suspeitas. Visualizou seu reflexo no espelho do banheiro do hospital, arrumando rapidamente seu cabelo ruivo, para ficar um pouco mais “apresentável”. O nome “Francisco” estava costurado no jaleco e o homem não queria nem pensar se aquele uniforme já havia pertencido a algum Francisco de verdade. Ele não duvidava de seus superiores.

O ruivo colocou uma máscara de hospital em seu rosto e arrumou um objeto na lateral de sua calça, escondido abaixo do jaleco. Saiu do banheiro, se encaminhando pelos corredores. O enorme prédio branco hospitalar estava um verdadeiro caos. Os médicos de verdade, que ainda não tinham morrido ou fugido dali, corriam para todos os lados, atendendo pacientes e buscando soluções para as diversas doenças das pessoas que se encontravam ali.

As cadeiras da sala de espera estavam todas ocupadas por diversas pessoas, obrigando outras a sentarem-se no chão gélido ou se apoiar na parede azulada. Os assentos ao lado dos consultórios médicos também estavam todas ocupadas. Um homem estava deitado no corredor, sem se mexer e encostado em uma parede - e Valentim chegou a pensar que ele não estava mais vivo.

O surto viral ganhava forças a cada dia, e também conquistava mais vítimas a cada minuto. O ruivo agradeceu por ter conseguido uma vacina especial do governo, mas mesmo assim ainda sentia-se inseguro no meio de tantas pessoas que carregavam consigo uma chave que abria a porta para a morte e desgraça.

No meio de toda a correria, ninguém prestava atenção no falso médico que caminhava pelo piso encerado. Até mesmo os poucos seguranças que estavam ali, se ocupavam separando uma briga de mendigos. Valentim avistou a porta em que estava o objetivo de sua missão. Seu coração começou a palpitar mais forte e suas mãos suavam. Ele havia sido treinado para não perder sua concentração, mas nem sempre conseguia.

Alcançou a porta do escritório e adentrou. Observando uma jovem negra sentada em uma das cadeiras, com uma expressão impaciente.

— Olá, Rafaela. Eu sou o doutor Fabrício, estou aqui para te ajudar. – o ruivo mentiu, fechando a porta.

— Alguma novidade? Minha irmã está vindo? – a jovem perguntou, claramente nervosa.

— Creio que sim. – o falso doutor disse, desabotoando seu jaleco – Porém, acho que não vai vê-la tão cedo.

A jovem jornalista olhou confusa, até ver o médico abrir seu jaleco para pegar uma pistola que estava escondida na calça. Rafaela tentou levantar-se, desesperada, mas não foi rápida o suficiente.

— Me desculpe. – Valentim disse, apertando o gatilho.

A bala acertou em cheio a testa da negra e seu corpo caiu novamente na cadeira do hospital, olhando fixamente o teto, com uma expressão de pânico no rosto. Valentim observou uma pequena fumaça se esvair da ponta do silenciador da pistola, e então guardou a arma novamente.

O falso médico retirou um recipiente do bolso. Encaixou uma agulha na ponta e se aproximou do cadáver da jornalista. Enfiando o fio metálico no braço da negra, retirou uma amostra de sangue. Após finalizar, guardou no bolso de sua calça. Ajeitando sua postura, arrumou novamente seu jaleco e saiu da sala.

Caminhando pelos corredores com as mãos no bolso do uniforme hospitalar, Valentim relembrava de tudo que passou em sua vida. A desgraça era algo que o acompanhava. Para sempre. Nos últimos meses, havia sido treinado para ser um agente especial do governo. Foi domesticado como uma fera selvagem. E era isso o que ele foi por muito tempo. Porém, ele costumava ter uma parte humana e sentimental. Só que essa parte humana havia feito um pacto irreversível com o demônio.

Valentim saiu do hospital pela porta da frente, retirando sua máscara de hospital e o jaleco, e jogando-os em uma lata de lixo. Do outro lado da rua, um carro negro o esperava. O ruivo atravessou a rua, a tempo de ver um grupo apressado entrando no prédio hospitalar. Entre eles, reconheceu a famigerada médica Donatella e Victor, um homem conhecido na área militar.

O homem adentrou no banco de carona do veículo negro e retirou a amostra de sangue do bolso de sua calça.

— A missão foi concluída. – Valentim falou de modo formal.

***

Amanda sentia-se mais solitária do que nunca. Suzana passava a maior parte de seu tempo descansando ou visitando a tenda médica para saber se estava tudo bem com ela e com o bebê. Heloísa se ocupava resolvendo seus negócios através de ligações e ajudando pessoas que necessitavam de algo, seja comida, roupa, cobertores ou afins. Desconhecido, que na verdade se chamava Arthur, acompanhava a mulher em quase tudo.

Porém, ela já estava acostumada a ser solitária. O único ponto que estava contra tudo isso era o reencontro com seu ex-namorado, Bart – e também quando ele a ignorou. Ao ver o jovem loiro, Amanda pensou que encontraria braços acolhedores novamente. Ela amava Suzana e todos os conhecidos do Complexo e não queria soar ingrata, mas sabia que todos ali se uniam porque precisavam, era questão de sobrevivência. Com Bartolomeu, não. Eles se juntavam porque queriam estar juntos. Mas a garota abriu mão de tudo isso no passado. Precisava lidar com as consequências de suas decisões e pecados, e com o fato de ser deixada para trás.

Agora, Amanda estava sentada de baixo de uma árvore, aproveitando a sombra e a brisa fresca. Ao longe, avistou Heloísa e D ajudando algumas pessoas que estavam enroladas em alguns cobertores baratos. A jovem lembrou-se dos mendigos no Complexo, mas sabia que aqueles ali não eram de lá. Eram pessoas que haviam sido abrigadas, porém não tinham conseguido um quarto, pois estava tudo lotado.

Uma senhora com apenas alguns dentes na boca sorriu agradecida ao receber um prato de sopa de Heloísa. Amanda levantou-se e resolveu caminhar pelo local, refrescar sua mente. Durante o último ano, havia construído uma armadura em volta de si. E nessa armadura, não havia espaço para drama e choro. Precisava ser forte.

A mendiga vestia roupas velhas e surradas: uma calça de moletom preta, uma regata branca, que estava meio cinza, e um moletom azul por cima. Nos pés, chinelos velhos e desgastados. O cabelo cacheado estava solto, balançando ao vento.

O local onde todo mundo se encontrava era confortável. As casas eram aconchegantes e geralmente mantinham todos ali satisfeitos. Alguns galpões se espalhavam pelos arredores, muitas vezes sendo utilizados como dispensa para comidas e bebidas. A todo momento, Amanda avistava homens fardados andando para lá e para cá, ou parados em posição de sentido.

Todos ali eram sobreviventes de alguma forma, porém, o que mais preocupava Amanda, até mesmo por certo egoísmo, era si mesma: todos os integrantes da lista da morte, incluindo o próprio visionário, haviam a deixado para trás. Ela não saberia quando sua hora chegasse, nem conseguiria enxergar todos os sinais que indicasse sua morte. Portanto, não tinha muita escolha, deixaria a vida levá-la da melhor maneira possível, se adaptando quando conseguisse. Caso contrário, iria para a cova, levando consigo toda sua amargura e tristeza.

Passando por perto de um galpão, Amanda resolveu invadí-lo, para tentar dar uma beliscada em alguma comida. Nenhum soldado estava por perto, então estava tudo limpo. A mendiga caminhou em passos acelerados, até a porta do local, abrindo-a. Chegando lá, deixou a porta semi-aberta e começou a caminhar pelas diversas prateleiras de metal.

As paredes do galpão eram feitas de tijolo, que com o desgaste do tempo, apresentava uma cor laranja-abóbora e uma textura mais áspera do que o natural. O telhado foi feito de ferro escuro, assim como as prateleiras que ocupavam tudo pro ali. Ao fundo do galpão, duas geladeiras mantinham também alguns alimentos. Pilhas de caixas também ocupavam espaço ali e tudo se transformava em praticamente um labirinto.

Amanda, pensando em conseguir alguma sobremesa, andou em direção ao fundo do galpão, rumo às geladeiras. Porém, no caminho, ouviu uma voz que cochichava alguma coisa. A menina prontamente parou e começou a dar meia volta, até ouvir um nome: “Renan”.

— …Renan te ligou? – a mulher falava ao telefone – Ah, meu querido, seu plano está ferrado. Ter contato com entes próximos pode liberar tudo o que a amnésia escondia.

A mendiga se escondeu atrás das caixas e tentou observar, esticando seu pescoço. A mulher usava óculos com armação redonda. As roupas eram sociais: uma calça cinza escura, uma camiseta branca com detalhes no busto e um terno, também acinzentado. Parecia ser alguém elegante e de classe. Amanda conhecia bem esse tipo de gente.

 - Mas eu não estou interessada em seus problemas! – a mulher falou ao telefone, aumentando seu tom de voz e então reparando seu erro – Você me largou aqui, Hórus! Isso aqui tá horrível! Eu sou uma doutora famigerada no ramo da psicologia. O sobrenome Soave é uma lenda lá na Irlanda, não vou ficar jogada aqui. Pode mandar um helicóptero me resgatar e…

Amanda, sem querer, acabou derrubando uma lata de pêssegos de uma prateleira, que rolou pelo chão. A mulher parou instantaneamente de falar ao telefone e a mendiga ficou paralisada. Começou dando pequenos passos em direção à saída e depois, correria para fora dali. Mas não foi ágil o suficiente.

A menina sentiu uma forte pancada na cabeça e foi ao chão, com o olhar turvo. Sua nuca latejava e ela sentia o desmaio chegando. Olhou para cima e viu a tal doutora parada, segurando uma lata de pêssegos.

***

O movimento das águas acalmava a mente de Renan. Ele estava sentado na beira de um iate, que flutuava em um lago, perto da chácara de sua família. Vestia apenas uma bermuda azul, de tecido leve. Fazia algumas horas desde que Hórus havia o retirado da cadeira. O moreno havia sido preso por tráfico de entorpecentes e fichado.

Após tomar uma bronca do irmão mais velho irresponsável, os dois se encaminharam para a chácara da família, no interior do estado. De acordo com Hórus, era um passeio muito especial para os dois. Renan aceitou, fazendo seu irmão prometer que não contaria sobre seu fichamento para ninguém. Principalmente para a mãe de ambos.

Hórus se aproximou do irmão. Vestia uma bermuda cáqui rosa e uma camisa de linho branca, com detalhes de âncoras azuis e que estava totalmente desabotoada, exibindo seu físico, resultado da academia. Óculos escuros escondiam os olhos claros e penetrantes. Trazia consigo duas taças de champanhe.

— Aceita? – Hórus ofereceu uma das taças.

— Melhor não. – Renan negou.

— Ah, qual é? Álcool vai ser o menor de seus problemas hoje. – Hórus devolveu, cínico.

Renan forçou um sorriso e acabou aceitando a champanhe, enquanto observava o local. O extremo verde da paisagem trazia uma tranquilidade. A chácara na verdade era uma casa de dois andares, que foi encomendada pelo avô dos dois há anos. Um enorme lago enfeitava o lado direito. O iate agora estava longe da chácara, parado perto do rio que levava até uma linda cachoeira. Renan lembrava-se bem de todas as aventuras que teve ali quando era pequeno. No início da noite, amigos e conhecidos chegariam para uma festa que prometia durar até o amanhecer.

— Se um dia a gente se separasse, você sentiria minha falta? – Hórus perguntou.

Renan encarou o irmão.

— Sentimentalismo não é bem a sua praia. – respondeu, rindo. Bebeu o resto de sua champanhe.

Então, percebeu que a pergunta era séria.

— Claro que eu iria. – Renan respondeu – Apesar de tudo, nós somos irmãos, não é?

— Com certeza. – Hórus sorriu, simpático – Vou buscar mais bebida para a gente. Dessa vez, algo mais forte.

— Vai lá.

Renan escutou o irmão adentrar o iate e depois voltar. Sentiu a presença de Hórus parado, atrás dele.

— Aconteceu alguma co… - Renan virou-se e então sentiu uma tontura forte – Hórus, você colocou alguma coisa naquela bebida?

O irmão mais velho carregava consigo um bastão de ferro.

— Sinto muito, Renan. – Hórus disse – Mas isso é necessário.

Hórus desferiu um golpe certeiro na cabeça de Renan, com o bastão de ferro. O mais novo ficou tonto e logo sentiu a ardência no local onde havia sido atingido. Se desequilibrando, caiu no lago, misturando seu sangue a água. 

***

Sabrina já era acostumada com a escuridão. Desde sua loja, até suas roupas e acessórios, tudo era sombrio, então a jovem não se intimidava com um túnel escuro e desconhecido. Fazia poucos minutos desde que ela, Erick, Elly e Mimi começaram a seguir o mesmo trajeto que os guardas tinham feito. A porta secreta já estava fechada há muito tempo e eles não tinham certeza de como sair dali, então poderia ser um caminho sem volta.

De acordo com Elly, aquilo que os dois guardas estavam carregando era uma pessoa, mas não era totalmente algo humano. Talvez a criatura precisasse de ajuda ou quem sabe eles fizessem uma descoberta fantástica.

Sabrina pensou em Thiago do lado de fora. Os grupos haviam sido divididos para certas funções, mesmo que agora disvirtuassem dos objetivos originais. Será que o professor já havia conseguido salvar Ester, a filha de Alfa? Será que estava tudo bem com ele?

Mimi caminhava perto da gótica. Para Sabrina, a atriz era uma pessoa interessante, como uma mistura de um gato doméstico com uma pantera selvagem. Elly andava na frente. Ela era o combustível do grupo, com suas piadas e humor ácido, mas que agora permanecia em silêncio, assim como todos, para não chamar atenção de ninguém ali. O silêncio era fundamental para saírem vivos dali. Erick caminhava na frente também, junto com a amiga. O jovem tentava ser o mais corajoso possível, passando confiança e vestindo o papel de “Macho Alfa Líder”, porém, todos sabiam que ali, um iria sustentar o outro.

Sabrina não conseguiu evitar um pensamento meloso que não combinava com ela: até alguns meses atrás, ela só tinha Thiago a quem confiar. Porém, agora tinha muito além do loiro. Sabia que em alguma situação de risco, aquelas pessoas iriam ajudá-la sem hesitar.

O corredor escuro começou a ganhar uma iluminação e de repente se dividiu em dois caminhos divergentes. Lâmpadas redondas estavam nas paredes.

— E agora, pessoal, direita ou esquerda? – Erick cochichou.

— Direita. – Elly falou.

— Esquerda. – Mimi disse ao mesmo tempo.

As duas se entreolharam.

— Vamos tirar na moeda. – Sabrina se pronunciou, tomando a frente do grupo. Tirou uma moeda do bolso e olhou para todos – Se der coroa, vamos pela direita. Se der cara, pela esquerda. Todos concordam?

Como nenhum dos outros três tinha uma ideia melhor, ficaram em silêncio e concordaram com a cabeça. Sabrina respirou fundo e jogou a moeda no ar. Todos os olhares, hipnotizados, observaram o pequeno círculo de metal rodopiar no ar e cair na palma da mão esquerda da gótica. Ela virou a mão nas costas da mão direita e viu o resultado.  

— Coroa. – Sabrina deu o resultado – Vamos pela direita.

Elly fez um sinal de comemoração, retirando uma risada fraca de Mimi, que revirou os olhos durante o ato. Dessa vez, Sabrina retomou o controle do grupo e foi na frente, seguindo pelo corredor da direita, que estava iluminado por fracas lâmpadas.

O grupo chegou até uma porta de metal, que estava aberta. Descendo por uma escada de metal cheia de fios, todos chegaram até uma área plana, com diversos objetos tampados por lençóis brancos.

— O que será que é tudo isso? – Mimi perguntou, curiosa.

— Não sei se devemos olhar. – Erick aconselhou.

Sabrina se aproximou de um dos objetos, segurando uma das pontas do lençol. Levantou-o levemente, vendo que se tratava de uma jaula. Dentro dela, estava um homem… Que parecia mais um animal. O corpo era totalmente coberto por um extremo excesso de pelo. Ele roncava com a boca aberta, mostrando os dentes afiados e descomunais. Os caninos eram compridos, como os de um tigre-dentes-de-sabre.

— Pensando bem, pessoal, melhor irmos mesmo. – Sabrina disse.

A gótica foi a primeira a chegar até a escada, acompanhada dos outros. Quando estava chegando no último degrau, a porta de metal fechou-se. Por um pequeno visor de vidro na parte superior, Sabrina avistou um guarda sorrindo maleficamente.

Eles estavam presos com monstros enjaulados.

***

— Renan! Renan!

Ísis chamando seu nome foi a primeira coisa que viu quando ele acordou. Sentou-se, tossindo fortemente. Sangue escorria de seu nariz e a cabeça latejava.

— Ísis… Eu… Eu lembrei de tudo. – Renan disse, entre tossidas – Meu irmão, minha prima… O golpe que eu levei e a sessões de terapia depois disso… Eu lembrei…

— Renan, precisamos levar você à um hospital. Você não está bem. – Ísis agarrou os ombros do moreno.

— Não. – ele respondeu de volta – Eu acho que tive outra premonição no meio de tudo. Eu vi a Morte chegando… Eu…

Renan encarou Ísis com seus olhos claros e hipnotizantes.

— …Preciso salvar a Natasha.

***

Amanda abriu os olhos. Estava zonza e com a cabeça latejando. Tentou mexer-se, porém não conseguiu. Estava sentada no chão, com os braços amarrados na base de uma das prateleiras. Na boca, um pedaço de pano impedia sua fala e gritos de socorro. Sua visão ainda não estava focada, mas enxergava um vulto em sua frente. Pela voz, ainda era a Doutora Soave.

—…é, é… Eu não sei o que fazer… - a mulher falou com voz apreensiva no telefone.

A mendiga olhou para o lado e avistou o local onde havia desmaiado. Durante a queda, acabou derrubando algumas garrafas de vidro. Os cacos se misturavam com uma poça formada pelo líquido. Se ela conseguisse alcançar… Mas não, estava longe demais.

—…espera aí, ela acordou! – a doutora Soave disse, olhando para a menina amarrada – Vou ver o que faço. Te ligo depois, não esqueça do meu helicóptero.

A mulher desligou o celular e o guardou em sua calça social. Se agachou, na frente de Amanda.

— Olha, vamos fazer um trato? Eu vou tirar esse pano da sua boca, mas você não vai escandalizar, ok? – a doutora falou com voz mansa.

Amanda olhou com raiva para ela, mas então concordou com a cabeça. A doutora retirou o pano da boca da garota e sorriu, com falsa simpatia. A mendiga então cuspiu na cara da mulher e virou o rosto para a porta semi-aberta do galpão:

— Socorro! Alguém me ajuda! Socorro! – Amanda gritou com toda a força de seus pulmões.

Doutora Soave desferiu um tapa rápido e forte no rosto da mendiga.

— Pobre problematizadora! – xingou com raiva, enquanto recolocava o pano na boca da garota.

A doutora ficou de pé, limpando o cuspe em seu rosto com seu terninho italiano. Bela paciência para uma psicóloga renomada, puta!, Amanda pensou.

— Sabe, me deram duas opções para decidir o que fazer com você: te deixar ir embora, até porque não ficarei muito tempo por aqui, - doutora Soave disse, cruzando os braços – ou te matar.

Amanda arregalou seus olhos, assustada. Então era isso? Ela acabaria assim, morta nas mãos de uma psicóloga mais desequilibrada que seus pacientes? A mendiga estava pronta para aceitar seu destino. Não tinha muita escolha. A garota sentiu o local ficar mais sombrio e mais frio. Isso deveria ser um sinal. Era sua hora.

Doutora Soave deu alguns passos para o lado e pegou uma faca usada para cortar carnes. Sangue seco de boi estava na lâmina, e logo teria um sangue fresquinho e novo nela. A mulher se aproximou, com a faca em mãos, pronta para executar o serviço. Depois, largaria a faca no mesmo lugar em que havia pego e jogaria o cadáver em qualquer canto. Quando achassem, ela já estaria bem longe dali.

A mulher se agachou e aproximou a faca da garganta da mendiga. Amanda estava pronta para aceitar seu destino. Mas não sem lutar antes. A garota usou suas pernas livres e chutou a doutora, que bateu as costas contra uma prateleira, que balançou.

A faca acabou caindo no chão e Amanda, agilmente, arrastou para perto de suas mãos. Cortaria aquelas cordas e sairia dali. Doutora Soave então levantou-se e correu na direção da negra, que tentava cortar rapidamente as corda. A psicóloga segurou a cabeça da menina por seus cabelos enrolados e começou a bater violentamente contra a haste da prateleira.

Amanda queria gritar de dor. Como resposta ao ataque da doutora, acabou deixando a faca cair novamente no chão. A psicóloga rapidamente pegou o utensílio e ergueu no ar, pronta para cravar a lâmina na cabeça da menina.

— Diga “adeus”, vagabunda! – Soave esbravejou.

Amanda virou a cara e então sentiu sangue quente espirrar em seu rosto. Mas…Não era seu sangue. A mendiga abriu os olhos, conseguindo ver Soave de pé, com um pedaço de vidro da garrafa quebrada em seu pescoço. O olhar estático permaneceu assim, até o corpo cair duro no chão, revelando Arthur parado e tenso.

Heloísa veio correndo atrás, desesperada. A negra logo tirou as cordas, que já estavam quase destruídas, e abraçou Amanda com todo o carinho possível, enquanto contava que ela e Arthur tinham ouvido gritos de socorro mas não sabiam de onde vinha. Amanda permaneceu em silêncio. Estava assustada e suja de sangue, mas não ligava. Então, um pensamento brotou em sua cabeça: ela teria escapado da morte?

Arthur, Heloísa e Amanda não sabiam como iam explicar tudo isso, mas a mendiga tinha apenas uma certeza que a deixava feliz: ela não estava sozinha.

***

Renan e Ísis apressavam-se pelos corredores. A loira queria parar e interrogar o homem sobre o que ele se lembrava e o que havia visto em sua visão. O moreno tava com sua cabeça latejando e lembrava-se perfeitamente de algumas memórias, que vinham forte em sua mente como uma marreta, enquanto outras chegavam pouco a pouco.

A dupla voltou ao ponto em que todos haviam se separado. Passar por ali trazia lembranças da morte de Ed. As palavras de Gabriel passavam a todo momento na cabeça de Renan. Ele não queria mais ser um fracassado. Se alguma coisa tinha lhe dado o poder de ver o futuro, aproveitaria disso.

Renan parou, pensando em qual caminho devia seguir para achar Natasha. Ísis estava parada ao seu lado, encarando o moreno a todo momento, na esperança de ver alguma mudança em seu comportamento ou sinal de sua amnésia.

O moreno abriu a boca para falar alguma coisa, mas paralisou ao ouvir uma arma ser engatilhada contra sua cabeça.

— Ora, ora, se não é minha obra-prima. – uma voz suave disse – Pensei que estivesse morto.

Renan virou-se, com as mãos erguidas, em sinal de rendição. Viu então uma mulher usando um jaleco. Os cabelos loiros estavam presos em um cóqui mal feito e óculos com lentes retangulares lhe davam um ar de gênia do mal. No braço esticado, a loira segurava uma pistola, enquanto com o outro segurava um celular.

— Quem é você? – Renan perguntou, confuso. Ísis se escondia atrás do amigo.

— Não lembra-se de mim, Renan? – a mulher forçou um biquinho – Achei que eu tivesse sido mais do que uma simples doutora para você. Afinal, quem se esquece de uma pessoa que lhe deu um presente magnífico e ainda deixou imune a um vírus letal?

O moreno tentava pescar aquela mulher em suas memórias recuperadas. Flashes começaram a piscar em sua mente. Se via sentado em uma cadeira de hospital, aquela moça lhe dava injeções, retirava seu sangue, inseria um líquido dourado em seu braço… Muitas lembranças começaram a voltar ao mesmo tempo e ele resolveu não forçar. Mas lembrou-se do nome dela.

— Doutora Júlia. – ele concluiu, tirando um sorriso satisfeito do rosto da loira.

— Muito bem, cobaia R-007. Uma das cobaias iniciais que passaram por meus testes. E a primeira que deu certo durante os testes especiais. – doutora Júlia elogiou, ainda sorrindo.

Então era por isso que Renan tinha uma estranha sensação de que conhecia aquele local. Era porque já esteve ali.

— O que você quer de mim? – Renan perguntou, sério.

— Só preciso de você e de seu precioso sangue. – a doutora falou, guardando seu celular no bolso do jaleco e depois pegando uma seringa do mesmo local.

— Eu não vou a lugar algum com você! – Renan exclamou olhando por cima do ombro da doutora e depois encarando o rosto dela, que tinha uma expressão maluca.

— Digamos que você não tem muita escolha e… - Júlia começou a ameaçar, indicando sua pistola, até sentir algo gelado encostando em sua nuca.

— Você que não tem escolha. Deixa eles irem. – uma voz feminina disse, engatilhando a espingarda que segurava.

Renan observou a mulher de cabelos castanhos e algumas pontas azuis encarar ele e Ísis. A atiradora estava acompanhada de Amélia e Marjorie. O moreno já conhecia as duas últimas, e a terceira ele lembrou-se que estava presente na Festa do Branco de sua prima.

Marjorie também lembrava muito a loira que acompanhava Vanessa naquele dia, mas com certeza não eram a mesma pessoa.

— Anda logo, larga a droga da arma ou vou estourar seus miolos! – a atiradora ordenou, com mais força em sua voz.

A doutora hesitou, porém, largou a arma no chão e ergueu as mãos em rendição.

— Mais uma coisa. – a atiradora falou – Eu estou procurando minha filha. Já procurei em todos os locais onde ficam as cobaias, mas não vi nem sinal dela. Onde ela está?

Júlia soltou uma risada amarga.

— Boa sorte com isso. – a doutora respondeu – Eu apenas faço experimentos com as cobaias, onde elas ficam já não é mais comigo.

A atiradora com luzes azuis em seu cabelo relaxou por alguns segundos, e então golpeou a nuca da doutora com sua espingarda. A loira caiu dura no chão, desmaiada.

— Vão logo. – ela disse para Renan e Ísis. A loira começou a andar, porém Renan ficou parado.

— Eu sei que você já lidou com a lista da morte antes. – ele disse – Eu não sei como lidar com a lista e agora uma amiga está correndo perigo…

— Só ache ela e a salve. – a resposta foi dada, enquanto a atiradora dava meia volta. Amélia e Marjorie a acompanharam, com olhares pesados. Iriam ajudá-la a salvar sua filha e depois saíriam daquela ilha.

— Você não sabe como quebrar a lista? – Renan tentou, com o resto de sua esperança.

A atiradora parou e olhou para Renan por cima do seu ombro.

— Se eu soubesse, não estaria sozinha nesse mundo… - ela falou de modo seco, porém, sem grosseria. Na verdade, havia muita dor amarga em sua frase. Ela continuou andando e logo, sumiu de sua vista, junto com as outras duas.

Renan encarou Ísis, que esperava uma indicação por onde deveria seguir.

— Eu lembrei de alguns caminhos, sei por onde devemos ir.

***

Serena sentia que não estava mais tão dopada. Seu pulso ardia, com clara irritação pro ficar algemada por tanto tempo. Estava em uma sala vazia, que tinha todas as quatro paredes brancas. Seu corpo foi posto sentado em um banco, também branco, e o braço esquerdo algemado em um cano na parede. O braço direito estava solto e com um pequeno quadrado de gaze grudado nele, sinal de que provavelmente a doparam com injeções.

Depois de acordar completamente, a jornalista percebeu porque havia despertado rapidamente: um alarme tocava em todo o prédio. Luzes vermelhas piscavam nas paredes dos corredores do lado de fora. O som agudo incomodava os ouvidos da ruiva, que avistava guardas andando para e para cá. Alguns cochichavam algo sobre lobos. Um deles estava parado do lado de fora da salinha, em posição de sentido.

A jornalista fez a sua melhor cara de pessoa dopada e deixou o corpo mole sob o banco. Começou a gemer alto como se estivesse com dor.

— Socorro… - ela gritava com voz mole – O que está acontecendo? Onde eu estou? Estou com sede, muita sede…

O guarda do lado de fora ficou parado, parecia nem ouví-la. Serena pisou com força no chão e depois voltou ao fingimento de dopada.

— Água, alguém me dá água… - pelo canto dos olhos semi-abertos, Serena avistou o guarda olhar para ela.

Olhando para todos os lados, o guarda abriu a porta, com medo, e enfiou sua cabeça oval para dentro da salinha. Encarou Serena quase desmaiando e perguntou:

— Você está bem?

— Água… Muita sede, água… - Serena respondeu com o olhar perdido em direção ao teto.

O guarda ficou parado, então saiu de perto. Alguns segundos depois, Serena ouviu os passos acelerados do guarda voltando. Ele abriu a porta e adentrou na sala, com um copo de plástico nas mãos. Vestia um uniforme muito maior do que deveria e andava de um jeito desengonçado. Parou em frente a ruiva e inclinou o corpo, encostando o copo plástico na boca da jornalista.

— Obrigada… - Serena falou fracamente.

O homem olhava o tempo todo para Serena e depois para a porta, com medo de ser pego. Enquanto bebia a água e distraía o guarda, a ruiva esticou seu braço livre e alcançou um molho de chaves preso ao cinto dele. Pegou o objeto e escondeu em sua mão.

Terminou de beber toda a água do copo, mesmo sem estar com tanta sede assim, e esperou o guarda sair. Depois que ele saiu, Serena parou de fingir e esticou o pescoço para verificar se tudo estava limpo. Pegou o molho de chaves e começou a tentar abrir a algema que lhe prendia.

A primeira chave nem entrou, a segunda ficou emperrada e Serena deu sorte na terceira, que abriu facilmente, libertando a jornalista. Ela esfregou seu pulso que estava preso e com uma marca vermelha onde havia sido pressionado. Guardou o molho de chaves em seu bolso e encarou o lado de fora, concluindo que não havia ninguém por perto. Nenhum guarda corria e o “cabeça-oval” também não estava mais ali.

Em meio a luzes vermelhas, Serena abriu a porta e saiu da sala, enquanto o alarme criava uma trilha sonora perfeita para sua fuga.

***

Erick estava apavorado. Seguia Sabrina, pronto para sair daquela sala. Porém, quando a gótica olhou para ele com uma expressão de receio, o estudante avistou a porta fechada. Por ser, tecnicamente, o mais forte do grupo, passou na frente da mulher e tentou forçar a abertura, mas nada mudou.

Olhou para o guarda do lado de fora, que se comunicava com alguém em seu rádio. Elly e Mimi estavam confusas lá em baixo.

— O que houve? – a atriz perguntou.

— Guardas. – Erick respondeu – Fecharam a porta.

Um ruído irritante ecoou pela sala e só então o grupo percebeu que havia alto-falantes nos quatro cantos do local, que estavam escondidos pela escuridão do ambiente. Outros fios elétricos percorriam as paredes mofadas feitas de tijolos e depois sumiam debaixo dos lençóis que cobriam as jaulas.

— Atenção, intrusos. – a voz grave resoou do alto falante – Vocês acabaram entrando onde não deveriam. Avistaram coisas que não podiam. Agora, teremos que deixá-los presos.

— Deixa a gente sair daqui, não vamos contar nada para ninguém! – Elly tentou, inutilmente.

— E para garantir que vocês não falem nada para ninguém, vamos deixar nossas próprias experiências acabarem com vocês. – a voz resoou e depois um ruído indicou o final da transmissão.

O grupo se entreolhou.

— O que ele quis dizer com isso? – Erick perguntou.

Como se lhe respondesse, barulho metálicos foram ouvidos. Os quatro ficaram confusos com o que seria isso, até ver uma criatura humanoide e com escamas reptilianas saindo de uma das jaulas. Com os olhos amarelados, começou a se arrastar na direção deles. Uma mulher que tinha escamas azuis e guelras de peixe próximas de seu pescoço, também saiu de uma das jaulas. Tinha uma rede enrolada sobre seu corpo, fazendo Elly perceber que foi aquela criatura que ela viu sendo arrastada pela areia.

Elly e Mimi também subiram na escada de ferro, tentando ficar o mais distante possíveis do chão. Diversas outras criaturas humanóides e geneticamente modificadas começaram a sair de suas jaulas, em direção ao grupo, que por fim, gritou.

***

Natasha estava pensativa. Ela permanecia abraçada com Max, enquanto o grupo observava o sol quase se pondo no horizonte. Débora era a mais afastada do grupo, enquanto Stein estava um pouco atrás. A negra não parava de pensar em Ed e em como a dor afetou a magnata de alguma forma.

Como Max ficaria quando chegasse sua hora? Natasha acabava direcionando seus pensamentos para sua irmã cruelmente assassinada nem nenhuma explicação aparente. Lembranças dela vinham a todo momento em sua cabeça.

Assim como Natasha, Rafaela sofreu durante sua vida por questão de preconceito racial. A irmã mais velha estava pronta sempre que possível para defender a mais nova. Porém, em outras vezes, elas não estavam juntas, e aí via-se a diferença entre as duas.

Natasha sempre preferiu usar a razão invés da força bruta. Tentava usar sua inteligência o máximo possível para se livrar dos problemas. Apesar de nunca sentir-se inferior por sua cor de pele, sabia que esse tipo de pensamento podia afetar Rafaela, que sempre foi mais impaciente e impulsiva do que a irmã mais velha.

A negra ainda se lembra com clareza no dia em que foi chamada na diretoria porque a irmã mais nova havia espancado uma colega de classe por ter sido chamada de “macaca feia”. A diretora, claro, chamou a irmã mais velha para não lidar com os pais. Porém, Natasha via o nojo no olhar daquela mulher. Via preconceito. E no fundo, sabia que ela dividia a mesma opinião da colega de classe de Rafaela.

Os pensamentos dela foram cortados ao ouvirem um alarme vindo do prédio da Pyramid. Logo, viram um grupo de guardas saírem e começarem a correr na direção deles.

— Gente… - Natasha chamou – Eles estão vindo na nossa direção?

— Vamos correr. – Max gritou.

O grupo se pôs a correr na direção da floresta, temendo que os guardas os capturassem. Enquanto corria, Natasha só queria sair dali. Queria estar em seu apartamento, tomando um xícara de café, com seu notebook no colo, enquanto escrevia mais uma história de suspense policial, retirada de seus desvaneios. E para completar, Max estaria arrumando milimetricamente os quadros da parede.

Mas isso era apenas um sonho e ela tinha que lidar com a realidade. O grupo se embrenhou no meio das árvores, escondendo-se entre as árvores. Ao longe, Stein viu o grupo de guardas ainda correndo na direção da floresta.

Algo formigou no fundo da mente de Natasha. Algo lhe dizia que ali não era seguro. A negra ouviu alguns barulhos estranhos na floresta e olhou para o lado, vendo alguns vultos se mexendo ali. Apertou a mão de Max com mais força.

— Ei, o que foi? – Max perguntou, notando o nervosismo da namorada.

Natasha apenas apontou para a direção em que via lobos caminhando lentamente na direção deles.

— Pessoal, precisamos continuar correndo! – Max gritou, levantando-se de seu esconderijo.

Débora e Stein não demoraram para notar o perigo eminente. O quarteto voltou a correr, se embrenhando cada vez mais na floresta. Débora e Stein eram os mais rápidos, enquanto Natasha e Max eram mais lentos, andando de mãos dadas.

Natasha ouvia constantemente os lobos rosnando enquanto perseguiam suas presas. Ela sabia que lobos andam em alcateia, mas não sabia dizer um número exato de animais que perseguiam o grupo. Enquanto verificava se ainda estavam sendo perseguidos, a negra perdeu Stein e Débora de vista. Onde eles foram?

A essa altura, o casal já não andava mais de mãos dadas, porém, seguia lado a lado. O barulho de lobos os perseguindo parecia diminuir, mas o pior aconteceu quando Natasha pisando em uma armadilha, prendendo-a enquanto sentia sua perna direita arder. A armadilha de ursos, que ironicamente também recebe o nome de “armadilha-boca-de-lobo”, prendia com força a perna de Natasha, que gritou com todo o ar de seus pulmões. Sangue escorria por seu tornozelo e ela não conseguia se soltar.

Max, ao ver a situação da namorada, tentou voltar para socorrê-la. O rapaz, porém, acabou tropeçando em galhos secos caídos. Ele acabou batendo a cabeça e caindo no chão, desmaiado. Um filete de sangue escorria por sua cabeça.

— Max! – a namorada gritou – Não! Max!

Onde Débora e Stein haviam se metido? Natasha se esticou e conseguiu alcançar um galho caído e pontudo. Chamou Max mais algumas vezes, mas não obteve resultado. Naquele ponto, ela já temia pelo pior.

Usando o galho como um pé-de-cabra, a negra tentou abrir a armadilha e se libertar, porém, não tinha forças o suficiente. Ouviu o barulho dos lobos se aproximando e com eles, o seu fim.

O primeiro lobo que aparece, ignorou completamente o corpo desmaiado, ou morto, de Max. Eles eram animais selvagens. Gostavam de caçar, de encurralar sua presa e sentir o medo que passavam para ela. Natasha levantou o galho como se fosse um bastão de beisebol.

Mais três lobos apareceram e cercaram a negra, que não sabia o que fazer. O primeiro animal ameaçou avançar e Natasha desferiu um golpe com o galho, fazendo um semi-círculo no ar. O golpe, obviamente, não passou nem perto dos animais.

Um dos quatro lobos se aproximou e arranhou a perna dela que não estava machucada. Agora, suas duas pernas estavam feridas e ela não tinha para onde correr. Natasha tentou aguentar firme, mas caiu de joelhos no chão, se tornando mais vulnerável ainda para seus predadores.

Um outro lobo avançou para atacar Natasha, e por reflexo, ela colocou seu braço livre na frente. A mulher urrou de dor ao sentir a mordida do animal em seu antebraço. Sangue espirrou para os lados e a negra rangeu os dentes. Ainda por reflexo do ataque, usou o galho que seu outro braço segurava, e enfiou a parte pontuda em um dos olhos do lobo, que se afastou, grunhindo em um choro animalesco.

Um terceiro lobo se aproximou e Natasha tentou golpeá-lo com o galho, porém o animal foi mais rápido e mordeu o objeto que estava sendo usado como arma. A negra e o canino disputavam pela posse do pedaço de madeira.

Por ser mais forte, o animal acabou arrancando o galho das mãos de Natasha e o jogou para o lado, longe do alcance dela. Agora, ela estava perdida e cercada.

— Socorro! Alguém me ajuda! – ela gritou.

Sangue deslizava pelo seu antebraço, até pingar e manchar o chão com uma coloração vermelha. Os animais começaram a se aproximar e um deles preparou para saltar, com seu dentes afiados como uma serra e garras tão pontiagudas que iriam dilacerar sua pele. A jugular de Natasha era o alvo do animal, que mantinha o olhar feroz de um predador.

Natasha virou o rosto, esperando sua morte. Entretanto, ouviu um resmungo canino e abriu os olhos, avistando o lobo parado no ar. O galho pontudo perfurava seu peito e saía pelas costas, com sangue na ponta. E na frente da negra, segurando o galho, estava…

— Renan? – Natasha sentiu-se aliviada por um momento.

— Ouvi seus gritos. – Renan falou.

O moreno largou o corpo do animal morto de lado, mas agora restava mais três lobos. Os animais se preparavam para atacar, quando se assustaram ao ouvirem tiros sendo disparados. Não demorou muito para os guardas da Pyramid aparecerem.

Os lobos fugiram o mais rápido que conseguiram, enquanto os homens tentavam acertá-los com seus tiros. Stein e Débora apareceram. A magnata rapidamente correu na direção de Max caído e aliviou Natasha ao concluir que o homem ainda estava respirando. Com um machucado feio na cabeça, mas bem.

Renan se ajoelhou, vendo Ísis aparecer pelo mesmo caminho em que ele havia vindo. Com a ajuda de Stein, o moreno conseguiu abrir a armadilha, libertando Natasha, que gemeu de dor ao sentir os ferros pontudos saindo de sua panturrilha. Apesar de tudo, ela estava salva.

— Tivemos sorte de vocês chegarem. – Renan olhou para o grupo de guardas.

— É o que vocês pensam. – um deles comentou. Todos apontavam as armas para o grupo – Vocês estão presos.

***

[https://www.youtube.com/watch?v=NxvSVpIN7Ys]

Everything I fear, always meets me here
In the early hours dancing with my doubts
I can be a hard light to ignite
All my nightmares feel like real life

Ester e Anna Bella estavam de mãos dadas, subindo de elevador. Tudo ao redor era branco, causando uma pacificidade na mente das duas garotinhas. O elevador se abriu e ambas caminharam por uma passarela entre duas torres, que tinha o piso tão encerado que refletia a imagem delas.

A garota oriental guiou a outra, até que pararam no meio da passarela e Anna Bella encarou Ester.

— Chegou a hora.

    Wait for the explosion
         Only to anticipate
         Running in slow motion
       I can never get away

Anúbis entrou na sala de controle, com um saco de gelo em seu galo. Deixando a porta aberta, sentou-se em sua cadeira giratória, com estofamento de couro. Lidar com seu filho rebelde era a última coisa que pensou que faria naquele dia, porém, depois resolveria isso. O loiro também não ligava para o alarme que tocava, depois resolveria isso. A paciência praticamente inexistente dele já estava se esgotando e ele queria acabar logo com isso.

Encarou o monitor da tela, conferindo os dados cadastrais. A “Operação Apófis” estava pronta para ser colocada em prática. O plano era perfeito e não havia mais tempo para voltar atrás. Entrou no sistema e digitou a senha pedida.

Um texto de revisamento passou pela tela, retomando todo o plano e as consequências que aconteceria dali para frente. Anúbis sabia de todas e não dava a mínima para nenhuma. Tinha apenas pena de quem estivesse em Cabo da Praga. Posicionou o dedo sobre o botão que daria início a tudo aquilo.

Três batidas foram escutadas e o loiro virou o rosto, avistando Hórus parado na entrada, com seu olhar petrificante e um sorriso irônico nos lábios.

— Então, a Purificação é o começo do fim?

Sweet paralysation
    No one here to keep me safe
        Hyperventilation
      I'm about to go insane

Wake me up and keep me conscious


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Notas finais do capítulo

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