Ainda Vou Domar Esse Animal escrita por Costa


Capítulo 22
Capítulo 22


Notas iniciais do capítulo

Fala gente!
Primeiramente, gostaria de agradecer a Ag Bitten pela linda recomendação que essa querida leitora deixou para a história. Fiquei extremamente feliz pelas palavras. Obrigada!
Sem mais, deixo-lhes esse capítulo e espero que gostem. :)



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Acordei com um enorme peso sobre mim. Até conseguir abrir os olhos, afastar as remelas e fixar a visão levou um tempo. Já perguntava que merda que eu tinha feito quando recebi uma lambida na cara. Como pude esquecer que a Titília dormiu na minha cama? Cachorra folgada.

—Mamãe também te ama, agora sai de cima de mim. –Falei a empurrando. Quando virei mamãe dela? Realmente, o sono não me faz bem.

Levantei, tomei um banho e troquei de roupa. A cachorra esperou impacientemente de frente pra porta do banheiro. Foi um custo entrar e a deixar do lado de fora choramingando.

Desci e o Animal e o Moacir estavam já na cozinha com o café pronto. Só então me deu conta que acabei passando um pouquinho do horário que realmente levanto. Mas também, depois de uma noite sem dormir é o mínimo...

—Já me perguntava onde essa cachorra havia se enfiado. –O Moacir comentou.

—Dormiu no meu quarto. Foi mal, gente. Acabei passando da hora do café hoje.

—Você me ajudou ontem e tinha o direito de dormir mais um pouco. Não se preocupe. –O Animal comentou.

—Agradeço.

—Bom, eu vou. Vem, Titília? Ele se levantou a chamando, mas a cachorra nem se mexeu.

—Se a Sofia for ela vai. –O Moacir comentou.

—Seria bom você a levar um pouco pra fora. Ela deve estar apertada para ir ao banheiro. -O Animal comentou antes de sair.

É, acho que é uma boa ideia. A chamei para fora e deixei ela fazer suas necessidades. Antes que me desse conta, ela começou a se distrair com o Cuzco e deixei os dois brincando. Tá, era uma cena estranha ver um bode brincando com um cachorro, mas deu certo e ela acabou esquecendo de mim.

***

Os dias se passaram mais tranquilamente com a Titília. Agora eu dedicava parte do meu tempo para brincar com ela. Ela também ganhou moradia fixa na minha cama. Só não gostava de sair em minhas folgas e deixa-la só. Ela ficava gritando com um desespero como se eu nunca mais fosse voltar. Nesses dias o Moacir falou que precisava prender ela na casa para que se acalmasse um pouco.

Meu treinamento com o Animal terminou há uns dias. Finalmente, depois de quase 2 meses, eu estava pronta para cavalgar sozinha. Como ele mesmo disse, eu só estaria pronta quando alcançasse aquela velocidade insana que ele corria e, verdade seja dita, é bom demais. Eu tinha medo, mas correr com o cavalo dá uma baita sensação de liberdade. Ouso pensar que isso se aproxima a voar. Agora sei porque ele faz isso. Sentirei falta das nossas aulas insanas. Depois de ler o livro das cartas de D. Pedro para a marquesa de Santos eu comecei a ter um pouco mais de assunto com ele. Tá, não era uma conversa muito boa, mas era melhor do que o silêncio. Ele é bastante culto, como o Moacir falou. Me impressiona o fato dele saber tanto de História sendo um designer. Duas profissões bastante diferentes. Isso também só aguçou mais minha curiosidade. Descobri uma paixão que eu não sabia que tinha por fatos passados. Descobri alguns bons livros em sua biblioteca, em especial os do Brasil Império.

Agora eu estou aqui, início da tarde, depois do almoço, enfurnada na biblioteca dele, com a Titília em meus pés, e procurando alguma coisa para ler. Como não tenho mais as aulas de montaria, esse tempo ficou vago.

—Qual a leitura da semana? –O Animal apareceu na porta e perguntou.

—Ainda não decidi. –Falei com honestidade.

—Parece que gostou bastante das cartas de D. Pedro, não é?

—Adorei. Não sabia que a nossa História poderia ser tão interessante.

—Nossa História é linda, a sua maneira, mas a maioria prefere a grandiosidade da era medieval europeia. Até gosto, mas não é muito o meu estilo.

—O que me indica, então?

—Gosta de poesias?

—Pra falar a verdade, nunca me liguei muito nisso.

—Semana passada vi que pegou um sobre a Inconfidência Mineira. Já o terminou? 

—Já. Terminei essa madrugada.

—Leia o Romanceiro da inconfidência, de Cecília Meireles, então. Ele vai complementar esse que leu. Poesia também não é muito o meu gosto, mas sou obrigada a elogiar essa obra espetacular.

Eu cacei entre os livros e achei o que ele tinha dito. Parece ser bom, realmente.

—E qual sua escolha para a semana? –Perguntei.

—Não tenho nenhuma. Acho que estou meio cansado para ler. Essa semana só quero rabiscar um pouco.

Ele se sentou em uma das poltronas e Titília logo foi para perto dele. Ele começou a coçar ela.

—Eu nunca vi nenhum quadro seu. –Comentei já esperando a patada que iria tomar.

—É porque não há nenhum aqui. –Ele respondeu sem sarcasmo, de forma calma. Estranho.

—Você os vende?

—Já fiz, uma vez. Hoje eu só pinto por diversão.

—O que faz com os quadros?

—Os guardo. Se não estiverem bons, queimo.

—Quê? Você queima?

—Às vezes.

—Eu gostaria de ver algum. Vi os desenhos que fez para o Fabinho aquela vez e eram impressionantes. Seus quadros não devem sem menos que isso.

—Isso aqui não é uma pinacoteca para ficar expondo meus quadros. –E voltamos com o sarcasmo.

—Só queria ver. Já não sabe que tenho uma curiosidade infinita?

—Uma curiosidade que será sua perdição se continuar assim.

—Ah, eu sou feliz assim.

—Feliz até demais...

—Não foi cavalgar hoje?

—Não e nem você, pelo que vejo.

—Minhas aulas já acabaram.

—Se quiser podemos ir cavalgar. Sem lições, apenas andar um pouco.

Ele me convidou para cavalgar? Ele que sempre reclamou de minha companhia e que eu ficava cantarolando enquanto andava. Esse cara tá cada dia mais estranho, mesmo suas ironias estão diminuindo.

—Para quando? –Perguntei.

—Agora se quiser ou então não.

—Sem lições e sem reclamos se eu começar a cantarolar?

—Prometo não reclamar se você não desafinar como na última vez. –Ele brincou.

—Tentarei.

—Vou pedir para o João selar os cavalos.

Ele saiu e eu ainda estava um pouco embasbacada. Será que ele também está sentindo falta de cavalgar comigo como eu estou? Odeio admitir, mas me habituei com essas cavalgadas e até os resmungos dele quando eu errava.

***

Assim que eu saí, seguida pela fiel cachorra, eu o encontrei já montado. O Bolívar estava preparado a minha espera. Ele esperou que eu subisse no cavalo para começar a andar. O segui.

—O que vamos fazer hoje? –Perguntei.

—Diga-me você. Sem lições ou treinamento, esqueceu?

—Tem um lugar que eu gostaria de ir novamente já que só fomos duas vezes.

—O riacho?

—Sim. Esse foi o lugar que você menos insistiu em treinar.

—Você sempre gastava mais tempo brincando na água do que realmente treinando. Sim, eu fiz o treinamento lá mais rápido.

—Podemos ir, então?

—Como quiser. Já não sou mais seu instrutor.

Eu o segui e a Titília me seguiu. Não estávamos correndo. Era um clima calmo que há muito eu não tinha com ele. Fomos até conversando no caminho, tudo bem que era uma conversa imparcial sobre fatos da Inconfidência Mineira que aconteceu há séculos atrás, mas era melhor que o silêncio. Assim que chegamos ao riacho, ele se sentou em uma das pedras enquanto acariciava a Titília e eu tirei os sapatos e arregacei a calça para refrescar os pés. Isso é simplesmente fantástico.

—Realmente não entendo essa sua fixação por água. –Ele comentou.

—Isso me acalma e até relaxa. Tire os sapatos e entre um pouco.

—Não. Isso não é para mim.

—Você diz isso porque nunca tentou. Tente, só molhe os dedos, pelo menos.

—Acho que não.

—Você é muito sério. Precisa aprender a se soltar mais.

—Não. Estou bem do jeito que sou.

Eu preferi deixa-lo em paz e deixar esse assunto morrer antes que ele se irritasse. Mas o silêncio era meio angustiante. Sei que ele não puxaria assunto comigo e senti que precisava fazer algo. Tentarei ir para um lugar que ele ainda não me deu muitos foras: História.

—Por que gosta tanto de História? Digo, você é designer e isso não tem muito a ver com sua profissão. Um é desenho e o outro é passado.

—Você pode muito bem intercalar a história com o design. Especialmente se projetar móveis.

—Por isso gosta de história?

—Não. Eu sempre gostei. Desde pequeno.

—Eu não gostava muito, até agora. Acho que tive maus professores nessa área. Odiava ter que decorar tudo como estava no livro.

—Sinto por você. Eu tive o melhor dos professores.

—Sorte a sua. Ele também te fazia decorar datas absurdas para serem lembradas?

—Não. Ele conversava comigo por horas sobre todos os assuntos que conhecia, mas ele gostava mesmo era das grandes guerras, os conflitos. Eu preferia a História do Brasil, mas também me deixava levar por outras áreas.

—Era seu amigo? Eu sei que pode haver amizade entre professores e alunos, mas nunca gostei dos meus professores.

—Era meu pai. Ele me ensinou a gostar de História, a gostar de ler e estudar. Um bom homem.

Tá. Agora meu queixo caiu de vez no chão e rolou rio abaixo. Ele acabou de falar do passado dele e do pai. Tá, eu estou eufórica, quase dando pulinhos de alegria, mas preciso me controlar. Preciso manter a calma e não demonstrar muito interesse. Aproveitar o momento já que ele se abriu um pouco. Queria que essa água fosse mais funda pra eu dar um mergulho. Na água não daria para notar minha euforia, daria? Sim, daria e, no mínimo, ele acharia que eu estava me afogando.

—Ele é professor? –Perguntei tentando parecer não muito interessada, mas falhei miseravelmente.

—Era.

—Aposentado?

—Faleceu.

Burra! O Cara tem quase 50 anos nas costas e era mais que certo que não tivesse mais pai.

—Sinto muito. Faz muito tempo?

—Muitos anos. Eu ainda era um adolescente.

—E sua mãe? Ainda é viva?

Ele me olhou de uma forma que não conseguiu decifrar, mas não havia aquela raiva de sempre e nem a ironia. Dor, talvez?

—Também. Perdi meus pais no mesmo dia. Tinha 14 anos, na época.

Ai, isso me atingiu no fundo da minha alma. O Olhar foi de dor. Eu nem sei o motivo, mas senti necessidade de consolá-lo um pouco. Sai da água e caminhei me sentando ao seu lado e segurando uma de suas mãos. Ele me olhou um pouco torto, mas deixou. Ainda bem que não o abracei. Eu não posso nem imaginar a dor de um adolescente, praticamente uma criança, perder os pais no mesmo dia.

—Sinto muito por você. Imagino como não deve ter sido difícil.

—Não foi fácil.

—O que aconteceu com eles?

—Acidente de carro.

Agora as coisas se encaixavam.  Por isso ele tem platina nos braços, por isso a cicatriz na cara.

—Você estava junto, não estava? Por isso tem platina nos braços e essa cicatriz no rosto.

—Eu estava. Seria melhor que tivesse morrido junto naquele dia.

—Não diga isso. A vida é valiosa demais. Agradeça por estar vivo.

—Eu agradeceria, mas já estou mais morto do que vivo.

Ele puxou a mão das minhas e se levantou. Podia jurar que ele estava prestes a chorar, mas nunca que ele deixaria eu o ver em um momento de fraqueza. Ele é orgulhoso demais para isso. Apenas deixei ele se afastar um pouco e fingir brincar com a Titília. É claro que minha curiosidade estava gritando para perguntar mais enquanto ele estava aberto e respondendo, mas minha maldita consciência e sensibilidade gritaram para calar a boca e respeitar sua dor. Segui minha segunda opção.

—E qual sua história? –Ele perguntou, sem se virar.

—Minha história?!

Ele realmente me perguntou isso?

—Todos temos uma, mas se não quiser falar está no seu direito.

—É comum. Sou de Nilópolis, nascida e criada lá. Meus pais sempre foram rígidos e nunca me permitiram desfilar pela beija-flor. Tenho um irmão, Fabio...

—Pai do Fabinho, imagino. –Ele me interrompeu.

—Exato, mas o meu sobrinho é mais legal. Ele é insuportável. Todos os irmãos são, de alguma forma. Sai de casa cedo e fui tentar a sorte. Me dei mal, quebrei a cara e vim parar aqui. Uma história normal.

Ele, finalmente, se virou e me olhou assentindo com a cabeça. Parecia mais calmo.

—Acho que seria melhor se voltássemos. –Ele falou.

Eu concordei e, vestindo meus sapatos, subi de novo no Bolívar para voltar para casa. O regresso foi silencioso, mas também não iria pressioná-lo, não agora. Estranhei ao ver uma jovem vir correndo em nossa direção e acenando. O Animal acelerou o cavalo e desceu lhe dando um apertado abraço. Eu também acelerei o Bolívar um pouco. Dessa vez iria escutar a conversa na cara de pau.

—Que faz aqui? Não era pra estar na faculdade? –Ele perguntou, atordoado, mas com um sorriso na boca.

—Me programei para tirar uma semaninha de férias. Acho que posso vir aqui visitar dois velhos rabugentos, não é, tio Rick? –Ela respondeu, dando um outro sorriso para ele.

—Ainda com essa de tio Rick?

—Você me acostumou a te chamar assim desde que eu era uma criança. Não reclame.

—Como poderia, gazelinha?

—Você não esquece mesmo disso, não é?

—Não. Você sempre será aquela gazelinha que pulava em meus sofás e deixava eles cheio de marcas de sapato.

—Senti sua falta, tio.

—Seu pai sabia que você viria?

—Não. Foi uma surpresa. Quase matei o Velho Moacir do coração.

—Queria ter visto a cara dele.

Oh! Essa é a Mariana, filha do Moacir. Só pode ser. Uma vez ele me mostrou uma foto dela mais nova, mas tem o mesmo rosto. Finalmente alguém para mudar o humor do Animal. Não preciso vigiar mais. Aproveitei que eles estavam distraídos e fui pegar o cavalo dele para deixar na baia, junto com o Bolívar, mas a garota começou a me olhar e a sorrir de um jeito assustador.

—Você deve ser a Sofia. –Ela falou.

—Sou.

—Mariana, filha do Moacir.

—Ele fala muito de você.

—Espero que bem. Eu estava curiosa para te ver.

—Eu?

—Claro. Queria conhecer a mulher que conseguiu a proeza de fazer esse rabugento aqui voltar a ensinar equitação.

—Eu não sou rabugento e eu nunca fui professor. –Ele reclamou.

—Eu aprendi a cavalgar com você, tio.

—Há anos atrás. –Ele resmungou.

—Mas foi com você que aprendi, para todos os efeitos, você é um professor. Sofia, é um enorme prazer te conhecer.

—Eu também fico feliz em te conhecer, Mariana.

—Só Mari, por favor. É bom conhecer a mulher que está desconcertando esse aqui.

Eu olhei para o Animal e só o vi dar um rosnado e falar algo para a Mari que não entendi. Ela apenas sorriu e vi que isso o irritou mais. Ele, visivelmente irritado, foi para dentro e ela, me acenando um tchau, o seguiu.

É, vou gostar de ter a filha do Moacir aqui por uns dias. Vai ser divertido, mesmo sabendo que, possivelmente, o Animal vai me matar e me mandar embora depois.

 Continua.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Alguma sugestão ou crítica?
Agradeço por lerem!
Forte abraço e até mais!



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