Just Another Game - Jogos Vorazes escrita por Brooklyn Baby


Capítulo 5
O Desfile


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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 Naquela altura, eu tinha completa certeza de que estava totalmente fora da minha mente, mas, para ser honesta, eu não me importava. Tudo a minha volta estava tão louco e havia aquela grande possibilidade de eu acabar morta. Então eu estava simplesmente ignorando um pouco a droga do jogo e começando a pensar mais sobre o que era importante para mim. E ali, sentada na cama e encarando dispersa meu parceiro de Distrito, eu só conseguia pensar em ajudar aquela mulher. Só conseguia me lembrar dos olhos dela - transparentes como diamantes, azuis como as praias mais afastadas e isoladas do 04 - e associá-los aos olhos da minha mãe. Os olhos semicerrados que encaravam minha pequena figura de dez anos, no pé da cama, olhando para ela tão bela definhando na cama enquanto a doença a tragava para a morte. Mesmo pálida e quase inconsciente ela conseguia fazer os cantos da boca se curvarem num sorriso amoroso e gentil. Como se quisesse dizer que tudo estava bem. Eu sorri de volta e a deixei ir. Meu pai nunca o fez.

— É um plano bem arriscado  — Emmett finalmente disse algo, depois de uma pausa longa. 

— Eu sei. Mas existe sempre a possibilidade de dar certo. 

 Nós possuíamos as vantagens de que as Avoxes, literalmente, eram invisíveis. Ninguém sentiria falta da mãe de Stellmaryah, e ela só desapareceria por algumas horas. Na pior das hipóteses, se nos pegassem vagando pelos corredores, poderíamos inventar uma desculpa idiota e qualquer. Eu era capaz de inventar milhares delas caso fosse posta contra a parede. Sentia que daria certo, esperava do fundo do coração que aquela ideia se desenvolvesse. 

 Eu realmente não tive medo de confiar em Emmett agora e disse tudo. Talvez fosse a adrenalina. Não foi difícil pra ele acreditar. Ele se lembrava do rosto de Stellmaryah, e também havia visto a Avox na sala pouco antes dela se virar e desaparecer. 

 Enquanto eu contava sobre minha vontade de mandá-la para o décimo segundo andar, não havia modo de ler a expressão no rosto do meu parceiro. Só podia dizer que ele estava atento. E suas sobrancelhas se levantaram levemente ao final do meu discurso, considerando a ideia que eu lhe propunha. 

 Eu estava mirando o vazio agora, repassando tudo o que lhe contei na cabeça, pensando em como eu era louca por ter lhe falado tudo aquilo e já imaginando como eu e apenas eu desenvolveria aquilo sozinha... Mas então percebi que Emmett me encarava e eu o encarei de volta. Ele estava sorrindo.

 — Você não vai desistir, não é mesmo? — Quis saber.

 — Não.

 Ele assentiu.

 — Precisa de mim para que isso funcione. Certo, Kaylee. Eu estarei lá.

 Por um minuto não acreditei nos meus ouvidos. Apesar de aquilo ser tudo o que eu queria ouvir desde o momento em que quebrei a promessa feita a Avox e contei a Emmett. Continuava a olhá-lo enquanto ele retribuía, piscando seus olhos verdes claros em silencio.

 Algo como culpa e repulsa começa a cair sobre mim. Repulsa por mim mesma. Eu fora tão grosseira com ele, tão rude sem motivos. Estava sendo preconceituosa por ele ser um Carreirista. No 04, os jovens que treinam para os jogos não são assim tão bem aceitos entre os demais, como sei que acontece no 01 e no 02. Me sentia um pouco envergonhada por só ter enxergado aquilo em Emmett até ali.

 — Olhe… Sei que você estava mesmo sendo legal na estação e sinto muito por pensar que…

 — Tudo bem — Interrompe. — Entendo você.

 — Mesmo? — Minhas sobrancelhas se ergueram em surpresa. Estava com medo dele levar a sério o negócio de não ser mais legal comigo.

 — Sim. Kaylee, sei que somos inimigos no jogo mas não precisamos fazer isso. Você sabe — Ele rolou os olhos de uma maneira engraçada. Não sei se foi sua intenção.

 — O que quer dizer?

 — Gostaria que fossemos aliados.

 Meus lábios se separaram.

 — … Mesmo?

 — Nós já somos parceiros, certo? Temos esse plano. Somos cúmplices — Sorriu largo e depois riu.

 — Certo — Um sorriso débil brotou no meu rosto.

 Devo ter parecido estranha, voltando a encará-lo num silencio estranho que eu só percebi quando Emmett começou a mudar o peso do corpo de um pé para o outro. Desviei os olhos dele e cocei a nuca, olhando para um canto qualquer do quarto.

 — Amanhã vai ser um longo dia — Falei, com certo pesar na voz. — O Desfile...

 — Devemos repousar — Concluiu seguido de um suspiro. — Todo o plano... Exige cem por cento de nós dois — Ele estendeu a mão para mim, me içando da cama.

 — Vamos fazer dar certo.

 — Vamos sim.

 Meu parceiro me guiou até a saída, o que não era realmente necessário. Três passos já me levavam até lá. Ele escancarou a porta do próprio quarto, e ficou ali parado esperando que eu abrisse a do meu. Acenei brevemente pela fresta. Ele piscou, de modo conspiratório. Me senti estranhamente empolgada. E feliz.

***

 Na manhã seguinte, rumamos para o Centro de Transformação. Mesmo ciente dos horrores que poderia viver ali dentro, trato de acalmar a mente, colocando-me num estado de espírito tão tranquilo a ponto de acreditar que tirarem cada pelo do meu corpo com uma pinça não seria assim tão ruim. Fico surpresa ao perceber que aquilo não era nada mal, na verdade. As pessoas que cuidavam de mim estavam sendo gentis.

— Você já é bonita naturalmente, querida. Não teremos tanto trabalho   — disse Minerva, uma mulher de cabelos verde limão e olhos da mesma cor.

 — Adoro os tributos do 4! Sempre tão fáceis de se trabalhar…  — Concordou o parceiro dela, cujo nome não tinha muita certeza de como pronunciar e muito menos escrever. 

 Gosto da água quente com a qual eles me banham, do modo como penteiam meu cabelo. Não tenho muito contra a cera quente, já que tenho certa habilidade em aguentar a dor. Não é tão terrível. Apenas me sinto desconfortável nua na frente daquelas pessoas estranhas. 

 Então, como se não fosse uma hora bastante estranha para se pensar sobre, minha mente me leva até Emmett. Percebo que ele é tudo o que me resta de casa. Minha única referencia do Distrito 4. Penso sobre nosso plano, e meu estômago se converte numa pedra de gelo.  

 Quando a equipe de transformação acaba meu tratamento, sinto um sorriso genuíno surgir enquanto eles me elogiam. Isso até escutar o comentário da outra mulher além de Minerva, Gemma, que se dizia sentir-se cada vez mais orgulhosa a cada ano pelas transformações feitas no que ela nomeou de “brutos”. Minerva concordou e o outro homem foi mais longe:

— Somos anjos permitindo um momento de glória a essas pobres crianças antes de morrerem! 

 Minerva foi a única a dar atenção a minha expressão carrancuda, pois tentou amenizar as coisas:

— É claro que a nossa Kaylee não será mais uma dessas pobres criaturas. Ela tem cara de vencedora. Não é verdade?

 Todos concordam. Sou deixada sozinha em seguida, enquanto aguardo por minha estilista. Há uma espécie de televisão na sala, e ergo meus olhos para ela quando ouço algo sobre a tributo feminina do Distrito 04. Lá está uma imagem minha na porta do trem, no momento do desembarque na Capital. Demoro a perceber o assunto, em meio a risadas e ao tagarelar esquisito dos apresentadores. Estão falando sobre os tributos que mais chamaram atenção até agora, e minha imagem é substituída pela imagem de uma garota morena e em seguida por uma loira. O slide continua até que as três fotos ficam posicionadas lado a lado. E eu fico pasma ao entender que eles estão falando sobre os tributos mais bonitos da edição. 

— 4 e 6 são encantadoras, realmente. Mas a 1 é inigualável!  — Um apresentador fala.

— Discordo! A 4 é tão bonita quanto ela!  — Outro grita.

 Minhas bochechas estão vermelhas e meu sangue está quente. 

“Kaylee! Meu nome é Kaylee!” 

 Eles preferem nos chamar por números, apesar dos nossos nomes estarem escritos abaixo de nossas fotos. Consigo forçar a vista e ler Amethyst na foto da “1″.  É a vez dos tributos masculinos e eu até dou risada quando vejo meu parceiro ao lado de outros dois garotos. Um deles é o garoto do sorriso bonito, outro número 01. Que surpresa.

 Ouço o ranger da porta metálica e a estilista finalmente está ali. Ela está toda de branco, vestido e sapatos altos. Seu corpo é magro e pequeno. Rose Shells tem um cabelo loiro dourado, comprido e ondulado que fica colorido nas pontas, alternando entre verde água e azul marinho. Enxergo em seu rosto uma beleza doce e pura, o que me surpreende. Nada de desenhos, cílios gigantes, piercings ou tintura corporal. Ela era apenas ela mesma, sem seguir nenhuma tendencia. 

— Tive bons sentimentos sobre você durante a colheita  — Contou ela. Aquilo me fez sorrir. — Seus trajes eram simples, e ainda bonitos. Os trajes que criei para você não são simples. Espero que consiga se sentir confortável neles. 

 Apenas fiz que sim com a cabeça, um pouco preocupada.  

 Quando finalmente estou dentro roupa, vejo meu reflexo boquiaberta. Parece estranho a princípio, mas rapidamente consigo enxergar a mim, mesmo debaixo de toda aquela produção. Estou feliz por Rose ter conseguido fazer aquilo. Sei que tive sorte, porque descobri que ela não havia vivido toda sua vida na Capital. Ela veio do 04 e parecia mais humana, até. Rose estende seu braço e eu seguro sua mão. Junto com a equipe de preparação, a estilista me leva até o próximo destino, de onde a carruagem dos tributos irá partir. 

 Avisto Emmett. Seus olhos se abrem um pouco mais enquanto ele me analisa dos pés a cabeça. Certo. Estou acostumada a ficar com pouca roupa em meus biquínis e tudo mais. No entanto, aquele olhar parecia me despir por inteiro. Eu tinha certeza de que nem mesmo as muitas camadas de maquiagem cobrindo meu rosto naquele momento tinham poder para esconder o rubor. E não era constrangimento exclusivo meu. Venho tentando entender durante os anos o porquê de os estilistas do 04 sempre deixarem nosso tributo masculino seminu. Além da sunga azul escura, ele tem apenas uma rede de pesca com anzóis atados à ela cobrindo seus ombros como um manto. Percebo que as linhas metálicas da rede tem as mesmas cores do meu traje.

 Desvio o olhar para o chão e logo estou sendo içada pela equipe de preparação até a minha carruagem. Não parece uma boa ideia, ficar de pé sustentando toda essa fantasia num desfile pela cidade até a mansão presidencial durante tanto tempo. No entanto, não existe outra escolha. Terei de passar por isso e pior ainda: Fingir que estou adorando. Eles precisam gostar de mim e isso não vai acontecer se eu decidir ser sincera e expressar os meus sentimentos reais por essa gente da Capital. Terei de fazer um papel, e vou atuar de verdade.

 Emmett finalmente está na carruagem ao meu lado agora e tudo parece pronto com a nossa equipe. Viro para o lado e nossos olhares se encontram. Sorrio sem jeito e Emmett parece fazer o mesmo.

— Você está impressionante. E bonita.   — diz.

— Você está mentindo, Emmett   — rebato.  — Mas você fica mesmo bem como um pescador.

— O conceito parece esse. Eu sou o pescador e você é minha pesca.

 Não sei como, mas acabo rindo.

— Eles vão gostar de você.   — ele continua.

 Sorrio de canto, sugestivamente.

— Bem, você gostaria de mim? Se estivesse assistindo.

— Não  — Ele faz uma careta e me sinto desconcertada. No entanto, ele sorri em seguida, e continua:  — Eu adoraria você. Eu não tiraria os olhos de você.

 Minha atenção logo é tomada e sei que se as palavras de Emmett fossem verdade, ele provavelmente seria o único. De repente estou dando graças à Deus por não sermos os primeiros. Tenho certeza que isso nos ofuscaria. A dupla da carruagem de abertura está desfilando diante de nós com sua equipe de preparação logo atrás. Como a realeza e os súditos. 

 Olhando de perto, consigo ver como a garota é realmente bonita. Acho até que é uma tremenda covardia estarem me comparando a ela. Sinto como se não houvesse o que ser discutido. Amethyst tem um rosto triangular e pequeno onde sua estilista colou pedrinhas brilhantes na lateral. É pálida, tem cabelos loiros dourados e olhos azuis estreitos e bonitos. Seu parceiro, Garnet, é um garoto que aparenta ter mais ou menos a idade de Emmett - dezoito. É alto e forte como um Carreirista deve ser, tem o cabelo um pouco mais escuro que o da parceira e a mesma cor de olhos  estonteantes. Ele parece extremamente tranquilo.

 Seus trajes me lembram um inverno, mas sei que o que querem é remeter algo como diamantes. Os tons são compostos de azul e branco e muito brilho. A estilista de Amethyst está carregando a calda reluzente do vestido da tributo. Os dois possuem coroas douradas pousadas sob suas cabeças. Não existem duvidas de que essa será uma equipe adorada por aqueles patrocinadores que têm como preferidos os tributos mais belos. 

 Os garotos do Distrito 02 aparecem. Minha primeira impressão é de que são bem arrogantes já que, diferente da primeira dupla, eles estão caminhando sem olhar para nenhuma das outras carruagens que não fosse a sua. Com uma postura rígida, ignoram a equipe de transformação e os estilistas que falam e os olham parecendo esperar alguma resposta. Tento lembrar seus nomes, mas meu esforço definitivamente é em vão. Estão vestidos de preto, em trajes que me lembram soldados ou algo do tipo. “Pacificadores”, eu logo reconheço. Acho esquisita a escolha dos estilistas em ocultar seus rostos. Sim, eles estão usando capacetes pretos com um visor de tela também escura que só permite que suas bocas e narizes fiquem para fora. Ao mesmo tempo acredito ser uma boa ideia, fazer com que as pessoas se interessem em pesquisar por eles e saber quem são. A curiosidade pode ser uma arma valiosa para conseguir patrocinadores. 

 O casal do 03 já estava na carruagem antes de nós. A roupa deles é engraçada. O garoto parece sentir-se mal e mesmo daqui a certa distância consigo perceber seus modos desengonçados. A garota, Arla, é diferente. Apesar de ser claro de que aquela não é uma roupa convencional, ela faz parecer que é. O estilista decidiu representar o Distrito usando de cubos prateados e metálicos. Era assim que o volumoso terno do garoto e o curto vestido da garota eram montados. Com dezenas desses pequenos cubos, e em suas cabeças haviam enfeites em forma de engrenagens. 

 Finalmente, me resta analisar a minha figura agora. Os portões estão se abrindo e a luminosidade da cidade nos atingindo. Minha maquiagem nos olhos é composta de tons verdes, azuis e violeta. Cílios postiços azuis escuros enormes estão pesando sob minhas pálpebras. Meu traje é uma espécie de maiô metálico tão rico em detalhes que mal consigo acompanhar, mas o conjunto é simplesmente incrível. Na lateral existem muitas pedras. Na frente e na região do busto, formas que lembram conchas. Os sapatos altos são comuns, mas imitam as mesmas cores: Tons de verde e azul metálicos. Agora posso analisar tudo como se fosse um coral. Tenho certeza que essa foi a ideia de Rose. Sob meus cabelos, soltos, volumosos e com mechas azuis, há uma coroa de conchas e pérolas. Definitivamente não sou eu. Ainda assim, me sinto incrivelmente bonita. Estou confiante, olhando na direção da luz conforme os cavalos carregam a carruagem até lá e nos aproximam.

  Sinto minhas pernas bambearem e também um calafrio estranho quando de repente a mão de Emmett agarra a minha. Olho para ele com o cenho franzido. No entanto, conforme o som da multidão está ficando mais alto, meus dedos também procuram os dele e eu os entrelaço, firmes. Meu parceiro respira fundo. Eu respiro fundo. E somos arremessados aos leões.


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Notas finais do capítulo

Reviews são bem vindos, só pra lembrar, haha. Até a próxima s2



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