Just Another Game - Jogos Vorazes escrita por Brooklyn Baby


Capítulo 3
A viagem sem volta


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Estou sendo guiada até um carro onde meu parceiro de Distrito se encontra. Sienna entra primeiro de modo que fico na outra extremidade próxima a porta. O veículo se move e tem como destino a estação de trem. Sienna está falando o tempo inteiro. Ela não se cala nem para tomar folego enquanto tagarela sobre as maravilhas da Capital e sobre como somos sortudos por estarmos tendo essa oportunidade. Decido afastar a mente daquela insanidade e olho disfarçadamente na direção do meu parceiro de Distrito. Porém, a medida que percebo que ele não está dando a mínima, meu olhar se torna escancarado e estou com o rosto totalmente inclinado na direção dele. O garoto parece estar em outro lugar, sem expressão nenhuma para ser lida em seu rosto. Não parece pensativo ou preocupado. Só entediado, como se aquele fosse um passeio bastante comum para ele. Me canso de esperar para que seu olhar se cruze com o meu em algum ponto do caminho, e logo me vejo saindo do carro e seguindo em direção ao trem que nos aguarda. Havia muitas pessoas do lado de fora, as lentes de câmeras ainda a nos perseguir, toda cobertura maciça da Capital sob seus tributos preciosos.

 Eu não estava realmente esperando muito quando entramos no trem. Sei que estou meio boquiaberta enquanto Sienna avança abrindo todas as portas de vagão para vagão fazendo com que eu e o meu parceiro a sigamos. Nunca estive em contato com tanto luxo na vida antes. Tudo é tão brilhante e limpo. O cheiro é tão agradável. Minha boca está salivando e meu estômago se revira sem meu consentimento quando chegamos a um vagão de refeições.

 Viro-me para trás e faço um circulo no lugar quando percebo que meu parceiro não está mais atrás de mim. A mulher da Capital também parece surpresa ao perceber que falava apenas para mim. Ela me deixa sozinha naquele vagão com a promessa de que encontraria meu parceiro. Assisto a porta se abrir e fechar e então volto minha atenção para a mesa reluzente diante de mim. 

 Começo a andar em volta, tentando pescar alguma coisa realmente atraente com os olhos. O problema não é encontrar a tal coisa e sim escolher. A mesa está tão repleta de doces e coisas que parecem incrivelmente saborosas que tenho vontade de provar cada uma delas. Mas logo eu percebo o absurdo daquilo. Era claro que aquele banquete exagerado não estava a disposição de mais do que eu, meu parceiro, a acompanhante da Capital e nossa mentora. E era óbvio que nós quatro jamais devoraríamos tantas coisas em tão pouco tempo de viagem. Noventa por cento dessas coisas jamais seriam comidas e aquela ideia me enojava. Tudo para o lixo. Enquanto existem pessoas sem sequer um pedaço de pão para passar o dia em alguns Distritos. 

 Estou tentada pelo meu orgulho, mas meu estômago já começa a produzir barulhos. Fazia horas desde minha última refeição e me lembro de não ter tido muito apetite. Estou preparando uma xícara de chocolate quente e trazendo para um prato alguns pãezinhos doces dourados. O gosto é maravilhoso. Eu não tenho a oportunidade de comer muita comida doce. Tenho peixe em todas as refeições, e o doce que posso experimentar vem de frutas que são algo um pouco raro mesmo assim. Descubro que adoro aqueles sabores.

 Quando meu prato e minha xícara ficam vazios, estou me levantando para escolher outro petisco quando percebo meu parceiro parado a me observar na porta do vagão. Me pergunto quanto tempo ele esteve ali e fico acanhada de repente. Como sempre, ele não tem expressão para mostrar. Suponho que esteja esperando que eu fale primeiro. Digo a coisa mais estúpida possível:

— Você deveria experimentar algo.

 Leva alguns minutos até que sua reação venha. Quando vem, é a mais inesperada possível. Ele esboça um sorriso divertido para mim, então caminha na direção de uma poltrona acolchoada com tecido vermelho reluzente. 

— Kaylee, certo?  — Ele se senta.

 Faço que sim. O garoto sem nome faz sinal para o espaço vago a seu lado no assento. Não quero ser grosseira, portanto caminho até lá. Estou a seu lado.

— É. Kaylee Donner. Eu estava tão nervosa durante a Colheita... Eu não me lembro do seu nome. Me desculpe.

— Emmett. Emmett Ryver. 

— Você foi voluntário...

— Sim, na verdade sou Carreirista. 

 Minhas sobrancelhas se erguem em surpresa. De repente não tenho mais certeza se usar de educação com esse garoto foi boa ideia. No 04 existem algumas poucas escolas especiais para Carreiristas: Os Distritos 01 e 02 que são os favoritos e mais fieis à Capital colocam praticamente todo ano um par de Carreiristas nos Jogos, que quase sempre saem vitoriosos. É realmente cansativo e previsível às vezes. Isso significa que são os tributos mais fortes e bem preparados. Do tipo que sabem arremessar facas e lutar com espadas. São tributos perigosos que acabam matando seus aliados no final. E se houvesse qualquer minima ideia mesmo que reprimida em minha mente de que eu e meu parceiro poderíamos formar algum tipo de aliança, aquilo havia acabado de se tornar uma ideia perigosa demais para mim. Carreiristas costumam ser traiçoeiros.

— Bem, eu não sou Carreirista.

— Eu sei. Mas também não parece tão assustada.

 Por mais casual que ele soasse, havia algo me alertando para tomar cuidado com as palavras. Não importava se Emmett e eu fossemos do mesmo Distrito: Ele continuava a ser o meu adversário. Apenas uma pessoa vai voltar para casa. E eu duvido que um Carreirista abra mão dessa possibilidade. 

— É porque eu não estou assustada.

 Parece que Emmett gostou de ouvir aquilo, pois ele sorriu pela segunda vez. Ficou calado por um tempo apenas me encarando e, quando estava prestes a voltar a falar, foi interrompido pela porta e pela voz fina e aguda de Sienna. 

 Ela não está sozinha, desta vez. Uma mulher de cabelos loiros e cheios e um rosto conhecido está com ela. Sienna não demora a anunciar o nome de sua companhia:

— Violet Harper, meninos! Sua mentora. 

 Conhecia bem Violet Harper. Ela é a mais comentada vencedora do nosso Distrito, principalmente por ser a última vencedora que temos há muito tempo. Seu rosto está sempre na televisão em entrevistas para representar o 04 nos tempos de Jogos Vorazes. 

— E então?  — Sienna questiona com aquele sotaque irritante da Capital. Quando falam normalmente, parece que estão fazendo questões. Quando fazem questões, enfatizam ainda mais a interrogação de um modo bizarro.  — O que achou do seu lindo time? Eles não são adoráveis?

 Violet cruza os braços. Ela olha para Emmett e depois mantem os olhos azuis fixos em mim. Seu olhar é duro e autoritário. Sinto meus ombros encolherem.

— Talvez não tão bonitos quanto o casal do um. Agradáveis aos olhos o bastante para tentar algum patrocínio através disso. Mas, comigo, essa não é a coisa importante  — Ela não desviou o foco de mim durante um segundo enquanto falava.  —  Então, Kaylee Donner. A tributo não Carreirista...

 Olho para Emmet, procurando por ajuda. Ele parece distraído. Aparentemente já havia conversado com Violet antes. Volto para a mentora e respondo quase como se tentasse me defender de alguma acusação:

— Eu sei usar arco.

 Violet parece surpresa. Percebo o arquear leve de sua sobrancelha. Eu sei o quanto aquilo é absolutamente incomum e consigo aceitar a incredulidade que logo se espalha por suas feições. 

— ... E a lança também. Mas prefiro o arco.

 A mentora finalmente me da uma folga, desviando os olhos para Emmett. No entanto, continua a falar comigo:

— Ok. Veremos o quanto você é boa no Centro de Treinamento. Teremos tempo para isso  — Ela ri no que parece uma piada irônica e particular.  — Ah, se teremos. Por enquanto, isso é tudo.

 Por algum motivo quero protestar. Quero perguntar como ela o fez. Como venceu os Jogos. Como foi capaz de sobreviver sobre vinte e três outras pessoas. Como matou tantas pessoas...

 Deixo-a ir. 

— Então, arco e flecha?  — A voz de Emmett me chama.

— Eu sei. É uma longa história...

— Eu adoraria ouvir...

 Rolo meus olhos, com um sorriso pequeno.

— Não é uma boa hora. Basicamente, minha mãe foi Carreirista. Ela amava o arco e flecha, por esporte. Não para matar pessoas... Você sabe. Então ela me ensinou.

— Eu não amo lâminas para matar pessoas...  — Apesar do tom magoado, seu rosto permanece inexpressivo.

 Pigarreio.

— Não quero discutir a sua moral, Emmett. Eu nem te conheço.

 Ele ri.

— Tomara que tenha tempo para conhecer. Então vai poder discutir minha moral.

— Não parece o foco principal aqui, certo?

— Definitivamente, não neste momento  — ele fala um pouco disperso, enquanto observa a tela holográfica que Sienna acabou de colocar para funcionar.

— A Colheita no Distrito 12 acabou a pouco tempo!  — conta a mulher da Capital.  — Vocês podem assistir a reprise de todos os Distritos, que vai começar agora mesmo!

 Inclino o corpo para frente, observando o que seria a Colheita do Distrito 1. É claro que existem cortes na reprise, pulando a parte do caminhar até o palco, intervenção de pacificadores e alguns prováveis ataques de choro dos pais desesperados por perderem seus filhos. Logo, aquilo é um programa objetivo. Mostrando apenas a apresentação das acompanhantes e o rosto dos dois tributos de cada Distrito. É difícil dizer muito sobre eles, apenas com esse clipe de cinco minutos. A principio, apenas posso dizer que minha única surpresa é perceber que minha expressão durante o momento no palco era tão indiferente quanto a de Emmett.

 Ao final da transmissão, me isolo num outro canto do vagão e tomo um tempo para refletir. A dupla de voluntários do 1 me chamou atenção, não apenas por serem Carreiristas, mas por sua beleza. O garoto, Garnet, tem um sorriso ridiculamente lindo. Eles sempre são perfeitos. Os tributos do dois também eram um casal de voluntários e certamente Carreiristas. “Carreiristas, carreiristas.” Logo me ocorre que Emmett pode querer se aliar à eles. É isso que Carreiristas fazem. Formam um time para acabar com os tributos mais fracos até que só o time deles remanesça. E depois disso, que vença o melhor. Ou o mais traiçoeiro. Será que Emmett é um deles? Ele parece tão diferente do que eu sempre imaginei que um Carreirista seria...

 Quanto aos outros tributos, posso dizer que muitos rostos me chamaram atenção, mas poucos nomes se mantiveram fixos na minha mente atordoada. Porque eu estava olhando para os meus inimigos, e talvez eles estivessem olhando para mim também. Dois sentimentos distintos. Ou pesar, ou vontade de jogar. E o significado deste último me fazia suar frio.

— Finalmente!  — Sienna berra.  — Vejam, meninos. Estamos perto!

 Não é uma viagem realmente longa com a velocidade do trem. O Distrito 04 tem como vizinhos o 05 e o 07, e a sua frente o 01. Logo depois do 01, cercada por montanhas, está a Capital. 

 Há uma pedra de gelo no meu estômago enquanto meus olhos se erguem para a janela. Estamos circulando a grande represa e eu posso avistar os prédios e o círculo da cidade há distância. Emmett se coloca a um palmo atrás de mim, e desta vez um calafrio diferente percorre meu corpo quando ele sussurra próximo ao meu ouvido:

— Eu não esperava por isso.

 Tive que concordar mentalmente. Continuei olhando fixo através do vidro mesmo quando a escuridão tomou o outro lado. Após atravessar o centro da montanha, o trem começou a reduzir a velocidade e então paramos. Muitas pessoas esperavam por nós. Estávamos na Capital. 


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Notas finais do capítulo

Até a próxima!



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