Just Another Game - Jogos Vorazes escrita por Brooklyn Baby


Capítulo 2
Até logo


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Os pacificadores praticamente me arrastaram para dentro do Edifício da Justiça. Eu estava atordoada e mal conseguia me mover. Ainda havia algo dentro de mim mantendo a esperança de que, de algum modo, eu seria salva. Quando me vi sozinha naquele cômodo finalmente me dei conta de que aquilo jamais aconteceria. Era o fim e eu estava perdida. Nada iria revogar minha condição de tributo feminina do Distrito quatro na edição quarenta e nove dos Jogos Vorazes.

Sentia que poderia morrer ali mesmo. Jamais senti em toda minha vida os batimentos cardíacos tão fortes e descompassados. Olho para a sala ao redor. Um sofá, uma mesa de escritório, estantes, livros e objetos de decoração. Desejava quebrá-los, virá-los e destruí-los e então me encolher num canto e chorar. Chorar como nunca chorei em toda vida. Mais do que chorei quando minha mãe morreu. Porque eu não estava pronta para morrer. Eu estava morrendo de medo e precisava colocar aquela dor para fora. No entanto o choro não vinha. Nenhuma lágrima deslizava pelo meu rosto. Eu só estava ofegando, andando desorientada de um lado para o outro com soluços secos escapando de minha boca. Me inclinei sobre a mesa de madeira onde finquei as unhas. “Kristy”. Ela não pode me ver desse jeito. Sentei-me no sofá e esperei até que eles fossem chamados. Decidi que teria muito tempo para ser fraca depois. Na Capital, no trem, ou seja lá onde fosse. Tudo o que eu não podia era mostrar meu medo para Kristy. Teria de ser forte por ela.

Ela parecia um anjo, e seus olhos azuis pareciam duas pedras de gelo se derretendo enquanto corria para me abraçar. Ela era tão pequena, eu precisava me ajoelhar para lhe segurar direito. Meu coração está sendo esmagado por uma angustia insuportável quando penso na ideia de que não a veria crescer. Eu a amo tanto. Não consigo acreditar que houve um tempo em que não me importava com ela.

Quando minha mãe morreu, eu só tinha dez anos. Estava triste com o luto, porém, de alguma forma, eu simplesmente sabia que aquela era a hora dela. Mamãe morreu dormindo. Estava em sua cama quando olhou para mim e para meu pai e me perguntou se Kriss estava bem. Respondi que sim, ela estava no quarto ao lado. Então mamãe sorriu e fechou os olhos para sempre.

Sempre amei minha irmã. Só que, em meu luto, aquele bebê pequeno e frágil que chorava rejeitando meus braços e pedindo pelo colo da mãe era uma lembrança dolorosa e constante. Papai parecia sentir o mesmo. Mas no caso dele, aquilo não se aplicava apenas a Kristy. Dias e noites bebendo para esquecer a morte do amor de sua vida. A mulher que uma vez deixou tudo para trás por ele, um pobre pescador do Distrito quatro. De alguma forma eu o compreendia.

Numa tarde depois de uma manhã inteira na praia, escutei o choro da varanda. Não me importei com os pés molhados e cobertos de areia. Corri pelas escadas, até chegar ao quarto do bebê. Reconheci o medo em seu choro. Reconheci o pedido de socorro, a fragilidade, a necessidade de ter alguém. Então enquanto a tomava nos braços entendi o significado do último sorriso que minha mãe me dera. Ela tinha orgulho de mim. Ela confiava em mim para cuidar de Kriss. Ela nos amava e nos tinha como seus bens mais valiosos. E sabia que ficaríamos bem. Ela podia partir em paz.

Não foi como num conto de fadas onde tudo é perfeito. Kristy continuava a me recusar. Continuava a chorar e reprovar minhas tentativas de fazê-la gostar de mim. Passaram-se muitos dias, e tudo valeu a pena quando ela finalmente parou e me encarou por um longo tempo, até que um sorriso divertido brotasse em seu rostinho delicado. Eu soube que sempre a amei.

— Ei, princesinha, não chore — Afasto seu rosto do meu ombro e lhe dou o sorriso mais falso de todos, tentando consolá-la. — Vai ficar tudo bem. Eu só vou ficar longe… Por pouco tempo.

— Vamos pra casa… Por favor — Implorou ela, gaguejante. — Eu sei pra onde você vai. Sei que vão te levar para os Jogos Vorazes. Ninguém nunca volta…

Eu estava definitivamente incapaz de dizer qualquer coisa. Meu pai tomou a palavra por mim:

— Ela vai voltar, querida. Não vai demorar. Sua irmã sabe o que fazer para voltar. — E com essas palavras, meu pai me trouxe um sentimento escuro que me envolveu. Matar ou morrer – essa é a regra dos Jogos Vorazes.

Para voltar para Kriss, Matt, meu pai e meu Distrito, eu teria de assassinar pessoas. Matar pessoas inocentes.

Eu estava com medo de morrer o tempo todo até aqui. A ideia de matar ainda não havia se tornado palpável, até aquele momento.

Kriss continua chorando compulsivamente, mas as palavras de meu pai me deram um novo combustível. Por mais terrível que fosse. Eu realmente sabia o que fazer para voltar.

— Não chore. Eu vou voltar — Prometo, com convicção. Seco suas lágrimas, beijo o topo de sua cabeça depois de me levantar. Abraço meu pai.

Ele se afasta e me segura pelos ombros, e olhando diretamente nos meus olhos, me diz:

— Você sabe usar uma lança como uma boa pescadora. É perfeita com o arco, como sua mãe. Volte para casa, Kaylee, e faça isso logo — Seu tom de voz era seco, duro, mas eu assenti tão firme quanto ele. Apesar de não ter tanta convicção em suas palavras. Não para um fim daqueles...

— Eu vou vencer — Declaro.

Corro para a próxima presença na sala. Matt me segura forte. Seu abraço é tão quente... Eu desejo morar ali. Desejo fechar os olhos e dormir e jamais me separar dele. Quando eu o conheci, jamais pensei que seríamos tão próximos.

Matt era o garoto do violão na escola. Aquele com a voz bonita e o talento para a música. Mesmo quando ele estava num canto isolado apenas tentando algo novo. Todos os olhares no pátio o admiravam. Os garotos o invejavam. As garotas queriam que ele as olhasse enquanto fazia sua música. Eu só queria saber tocar aquilo como ele. O seu violão de madeira gasta e velha que, apesar de tudo, produzia um som bonito quando Matt deslizava os dedos sobre suas cordas de aço. Eu queria aquele violão para mim. Eu podia comprar um novinho em folha, mas eu sabia que nunca produziria um som tão bonito quanto aquele — e eu precisava do garoto de cabelos escuros, pois não tinha a mínima idéia de como tocar o instrumento. Não aprenderia direito se tentasse sozinha, e como não sou uma pessoa muito paciente, sabia que com a ajuda dele seria tudo muito mais fácil.

Para mim, Matt era um pescador ou algo do tipo. Eu o via na escola e na praia às vezes. Foi numa dessas vezes em que vi o violão preso as suas costas, e fiquei obcecada. Comecei a prestar mais atenção nele, desse dia em diante, e o ouvi tocar para algumas garotas da escola. Aos poucos, virei parte da platéia e um dia, lhe fiz a proposta. Eu queria seu violão — que parecia ser a coisa que ele mais amava no mundo — e queria que ele me ensinasse como usá-lo. Estava disposta a pagar qualquer coisa. Matt coçou a cabeça, olhou para o violão, e do violão olhou bem para mim.

— Kaylee Donner, não é?

— Sim.

— Me encontre na praia depois da aula. Acho que sei qual é o preço dela.

E eu assenti, tentando esconder o fato de estar chocada por pensar que ele estava se referindo ao seu violão quando dissera “dela”. Garoto estranho, pensei comigo.

— Pra que o quer tanto? — questionou ele, realmente interessado em minha resposta.

Encolhi os ombros, e respondi:

— Gosto de cantar para minha irmã todas as noites. Acho que ela adoraria se o violão me acompanhasse, você sabe, para disfarçar minha falta de jeito com o canto — Dei de ombros. — Ela está crescendo e sei que só diz que canto bonito para não me magoar. Quero fazer isso por ela.

Mais tarde na praia, Matt me encontrou. Mas para meu espanto, ele não estava com o violão. Não. Em suas mãos, duas lanças de pesca e ele me entregara uma. Disse que o preço para o violão era ajudá-lo a pescar quinze peixes até o final do dia. Acontece que aquele ritual passou a acontecer todos os dias. Eu passei a conhecê-lo mais do que qualquer outra pessoa, e o mesmo aconteceu a ele em relação a mim.

Além de tudo, temos algo grande em comum. Ambos sofremos a perda de alguém importante na família. O pai de Matt era pescador e em uma de suas viagens ao mar nunca mais voltou pra casa. Ele ainda tinha o irmão mais velho — que logo procurou meios para sustentar a família que perdera a figura paterna — e as irmãs mais novas, que ele dizia serem garotinhas doces, mas também irritantes que odiavam o barulho de sua música. Por isso Matt cedera seu violão tão facilmente á mim, pois se comoveu ao saber que eu iria aprender a tocar para Kriss. Com os esforços do irmão mais velho depois da perca do pai, Matt não queria ficar em casa sentindo-se inútil, então pôs em prática um pouco da antiga profissão de seu pai que lhe fora ensinada. E além de afogar um pouco a tristeza da perca com a distração, levava bastante comida para casa. Kriss logo se ligou á meu novo amigo, e ele se tornou rapidamente parte da família. Se eu morrer, sei que cuidará de Kriss e sei que não vai esquecer jamais de nenhum segundo em que passamos juntos.

Só que eu não posso desistir sem lutar por mais isso. Matt sentirá minha morte, dolorosamente. Sei que ele lutaria por mim caso estivesse em meu lugar.

— Kaylee… — Sussurra, com a voz embargada — Isso não pode acontecer.

Eu me afasto e enxugo o rosto bruscamente com as mãos.

— Não se preocupe, Matt. Eu vou voltar. Vamos pescar juntos, lembra? — Eu dou um riso forçado, mas sua expressão de desespero não se modifica nem por um segundo.

Eu o abraço novamente.

— Tudo bem, Matt. Acredite em mim. Confie em mim.

Eu realmente não queria deixá-lo ir, mas Kriss me cutuca. Matt sorri pela primeira vez ao olhar para minha irmã. Um sorriso triste. Me viro com o mesmo sorriso.

— Kay... — Estava com os braços erguidos, presumidamente me pedindo para pegá-la no colo. Eu o faço, e ela começa a tirar uma presilha de concha que antes segurava algumas mechas de seus cabelos. Ela coloca sobre os meus cabelos agora. — Não esquece de mim...

— Nunca, meu amor — Dou-lhe um beijo na bochecha e a entrego nos braços do meu pai, quando a porta se abre o pacificador diz que o tempo acabou.

Para meu conforto meu pai não demora a levar Kristy dali. Já me sinto quebrada demais e não posso mais ouvi-la chorar. Matt é o último a sair.

— Confio em você. — Diz. — Até logo.


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Notas finais do capítulo

Até a próxima



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