Just Another Game - Jogos Vorazes escrita por Brooklyn Baby


Capítulo 17
O fim da Cornucópia


Notas iniciais do capítulo

Bem, eu amo esse capítulo e também espero que gostem.
Boa leitura!



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 Acordo aos poucos depois de longas e ótimas horas de sono. Dou um tempo para meu próprio corpo para sentir a grama, o ar enchendo meus pulmões enquanto respiro fundo. Sentir a dor dos cortes, os formigamentos espalhados pelos braços. Além de todas as outras dores corporais. "Olá, Arena.”  Meu sonho havia sido bom. Mas no fim, não passava disso. Um sonho distante.

 Procuro pelo calor do corpo de Emmett, mas ele não está próximo. Me apoio nos cotovelos para perceber que meu parceiro sequer está no mesmo ambiente que eu. Ele está lá fora, conversando cordialmente com uma garota. A cena era mais curiosa do que alarmante, portanto, não corri até lá. 

 Me sentei na grama, piscando os olhos várias vezes seguidas. Estiquei os braços e as pernas, me espreguiçando. Dei um bocejo curto enquanto o fazia. Penteei os cabelos com os dedos e, em seguida, me levantei e vaguei para perto do estoque de comida. 

 Emmett havia separado um bocado de coisas fora da caixa enquanto eu dormia. Engoli seco um comprimido para dor, antes de mais nada. Enfiei alguns daqueles biscoitos horrorosos goela abaixo e senti o conforto da maçã macia se dissolvendo na minha boca em seguida. Pronto. Meu estomago não estava mais vazio.

 Enquanto terminava de comer a fruta, observei um cantil de água solitário por perto. Sem esperança o peguei. Arregalei os olhos ao perceber que estava cheio. Sem pensar, girei a tampa e levei até a boca, deixando a água se derramar por cada canto da minha garganta. Nunca água me fez tão feliz antes.

 Antes que acabasse com tudo, lembrei de Emmett. Ainda havia uma quantidade razoável de água para ser dividida. Voltei a lacrar o cantil e o guardei como se fosse a coisa mais preciosa do mundo atrás da minha mochila verde. Só então segui para fora, onde meu parceiro e a menina desconhecida estavam.

 Com a distância menor, pude reconhecer quem era. Quase sorri. Arla, a garota do três, de longos e lisos cabelos loiros que agora estavam embolados num coque desgranhado. Havia galhos e folhas presos ali também. Decerto, não era obra de sua estilista, mas sim das primeiras horas difíceis na Arena. Arla sempre me chamara atenção durante a pré Arena. Ela tem o jeito daquela garota que sempre está por perto, que poderia ser sua amiga facilmente fora daqui se tentasse. Na verdade, suas características físicas me lembravam de uma porção de garotas do 04. Porém, diferente das garotas do 04, a garota do 03 não tinha nenhum vislumbre de bronzeado na pele branca como porcelana. Na realidade, dava para perceber a vermelhidão provocada pelo sol forte da Arena ao qual ela claramente não estava acostumada.

 Quando seus olhos castanhos me encontraram, podia jurar que suas órbes saltaram ligeiramente. Foi quando percebi. 

 Depois do ataque do garoto do 09, havia ignorado a tributo que estive a ponto de matar, julgando que deveria ter fugido depois de ter presenciado aquela luta. Mas não. Ela estava bem ali. A menina no arbusto era Arla. 

 Lembrei que meu arco estava firme entre meus dedos. Como um sinal amistoso, coloquei-o no suporte da aljava nas costas. 

 Emmett continuava empolgado a falar, mas quando percebeu o silencio de Arla, virou-se na direção em que sua atenção era desviada. Deu um sorriso largo ao me ver.

— Ah, Arla. Essa é a minha aliada. Kaylee.

 Arla esboçou um pequeno sorriso. Os ombros encolhidos demonstravam ainda um certo receio. 

— Quem não sabe quem ela é?

 Emmett riu. 

— Olá, Arla  — Falei, estendendo a mão para ela. Era um tipo de cumprimento que eu não usava normalmente. Mas não era como se eu pudesse abraçá-la e lhe beijar a bochecha. Só queria que soubesse que não precisava ter medo de mim.

 Timidamente, a menina segurou minha mão.

 Não fazia ideia do que a garota do 03 fazia ali. Apenas sabia que, se Emmett confiava nela, eu também confiava.

— Você quem trouxe a água?

 Ela fez que sim.

— Há um riacho do outro lado — Ela apontou na direção de um rochedo solitário que se distanciava há um bocado de árvores floresta a dentro.

— Foi muita gentileza sua.

— Queria que soubessem que eu venho em paz.

 Emmett e eu rimos e Arla riu um pouco sem graça, como se não tivesse tido intenção de provocar aquilo.

— Eu e Arla estamos tratando de fazer um acordo — Anunciou meu parceiro.

— É mesmo? Sobre o que?

 Emmett olhou para mim, e depois olhou para seu pé. A perna machucada estava inclinada, apoiando-se em um dos pedestais. Levei meio minuto para entender o plano.

— Corta essa.

— Eu posso! Eu posso fazer isso!  — Arla protestou.

 De fato, os tributos do 03 lidavam extremamente bem com a tecnologia e havia edições passadas em que usaram explosivos forjados e coisas do tipo como armas. Assim como no 04 onde aprendemos a pescar desde cedo, e no 02 onde eles aprendem a garimpar, as crianças do 03 devem ser, de fato, gênios da tecnologia desde muito jovens.

 Fiz que sim.

— Com certeza pode.

— Vou precisar de duas flechas, senhorita Donner  — Emmett fez outro anuncio.

 Estreitei os olhos. Desde que minha aljava era a única em toda Arena, tinha de tomar cuidado com o uso das flechas.

— Pra que?

— Explico depois. Agora, nos ajude a desenterrar essas coisas.

 Ele se abaixou ao pé de seu pedestal. Arla não perdeu tempo, indo até o pedestal vizinho. Eu andei em direção até o outro mais próximo, até que um som me deteve. Era um apito. Vindo dos céus. Olhei para cima, e lá estava o pequeno objeto prateado girando no ar em minha direção. Estendi os braços para pescá-lo.

— Até que enfim!  — Emmett bradou.

 Arla olhava maravilhada para o objeto. Eu sorri e abri o pequeno paraquedas que revelava um frasco azul sem rótulo ou coisa do tipo. Uma tira de papel grosso tinha um recado. Reconheci a caligrafia de Violet.

 “Para os cortes virarem cicatrizes. Braços e pernas são importantes. - V

 Dei um sorriso largo e me aproximei de Emmett.

— Dá a perna  — Pedi.

 Ele terminou de se sentar na grama e esticou a perna ferida. Rodei a tampa do frasco. Era uma pasta transparente e gelatinosa. Não havia muito, mas devia ser realmente eficaz. Tirei o esparadrapo e apliquei cuidadosamente sob a ferida comprida de Emmett. Ele não emitiu som de dor, o que me fez imaginar que a aplicação era indolor. De fato, eu estava certa. 

 Depois que recebeu, Emmett tirou os esparadrapos dos meus braços e também aplicou o resto do medicamente nos meus cortes. O formigamento era instantâneo, como se as células fossem obrigadas por uma força maior a se reproduzirem e se renovarem na velocidade da luz. Voltamos a enfaixar tudo quando nossa pele absorveu a pasta, secando. Teríamos de esperar pra ver.

— O alívio da dor é instantâneo   — Emmett comentou.

 Apesar da região ficar dormente após a aplicação, minhas mãos ainda estavam uteis o suficiente para ajudá-los a desenterrar todas as 24 minas. Eu só queria cair de costas na grama e fitar o céu azul depois de tudo, mas ainda havia muito mais trabalho a ser feito.

 Dei duas flechas para Arla. Ela trabalhava com duas minas e conseguiu enfiar mais duas na mochila. As outras vinte foram carregadas por mim e por Emmett para dentro da Cornucópia. 

— Sabe que está dando uma vantagem enorme à ela, não sabe? — Questionei enquanto fazíamos o caminho para a estrutura pela última vez.

— É um mal necessário  — Respondeu dando de ombros.  — Acho que ela deve enterrar ou usar de alguma forma esperta.

— Uma forma esperta que pode ser perigosa para nós. Temos de dobrar a atenção agora.

— Pelo menos sabemos quais são as armas dela  — Sussurrou, adentrando por fim nosso abrigo.

 Só quando coloquei a ultima mina no chão, percebi que Emmett caminhava com as duas pernas, sem mancar.

— Está bem melhor  — Explicou.  — Parece que já está curado.

— Vamos ver?

 Ele se abaixou e retirou o esparadrapo. Meu queixo caiu ao visualizar o estado avançado da cicatrização. A ferida tinha fechado. os pontos podiam ser arrancados. 

— Isso deve ter custado muito, muito dinheiro.

— Violet fez bem? Tão cedo assim na competição... Mandar uma coisa dessas logo de cara.

— Sim. Ela sabe que seria difícil me proteger e principalmente, te proteger estando com uma perna inutilizada.

 Achei seu comentário estranho por alguma razão, mas, decidi não ir mais além. Nos fundos da Cornucópia, Arla havia arrancado a ponta de uma das flechas e estava tecendo fios por dentro do cabo oco e fino. Demandava muita atenção e paciência, porém, com o cenho franzido, ela tinha uma expressão determinada.

— Flechas explosivas...  — Comentei.

— Vão ser úteis. Já vi um tributo do 03 tentar usar numa edição passada.

— Ele não acabou morrendo?

— ... Mas explodiu outros três tributos juntos. Você sabe usar o arco o bastante para ter noção de distancias e coisas do tipo.

— Não quero ter de usar isso  — Me referi a flecha.  — Não gosto de explosões.

 Emmett arqueou as sobrancelhas. Olhei bem para seu rosto. E me senti a garota mais idiota da face da Terra por não ter acordado antes e percebido seu plano em relação as minas terrestres. Eu devia estar com a cabeça muito longe.

 De repente a organização dos suprimentos fez sentido.

— Você não...

— Sim. Arla vai ficar com alguns pacotes de biscoito. Eu e você vamos fazer mochilas bem abastadas. Depois vamos empilhar tudo e...

— Ah meu Deus, Emmett...

— A ideia é boa.

— De fato  — Precisei concordar.

 Meu parceiro olhou de mim para a menina do 03.

— Acha que consegue terminar antes do anoitecer?

 Arla continuou focada por um tempo. Depois, como se saísse do transe mais profundo, sacudiu a cabeça e olhou de volta para Emmett.

— Hã? Claro! Só preciso conectar mais algumas coisas por aqui  — Ela ergueu o fio vermelho ligado a flecha.

 Emmett sorriu.

— Tudo bem.

 Nós sentamos perto um do outro. Meu olhar se prendeu uma vez mais ao coque alto de Arla. Desta vez, vi algumas florezinhas roxas que notei, ela tinha prendido ali de propósito. Dei uma risada fraca. Virei para Emmett e percebi que ele contemplava a imagem da menina, também com um sorriso. Um sorriso um tanto quanto bobo. Se estivéssemos fora da Arena, eu sentiria ciúme. Cutuquei-o com o ombro. Ele ergueu rapidamente as sobrancelhas, com um sorrisinho brincalhão, me fitou.

— O que acontece depois?  — Quis saber.

— Arla segue o caminho dela e nós seguimos o nosso.

 Fiz que sim.

— Não se preocupe, pescadora  — Acrescentou.  — Continuo tendo olhos apenas para você.

 Lhe dei outro empurrão, um pouco mais forte.

— Ah, é? Não pareceu, agora pouco  — Coloquei uma carranca no rosto e entrei na brincadeira.

 Emmett tomou um tempo de reflexão, seguido de um longo suspiro.

— Ela parece com a Faye...

 No mesmo instante, virei a cabeça na direção de Arla novamente. Ela continuava a trabalhar de maneira calma e ao mesmo tempo frenética: Desencapando fios com um punhal emprestado, posicionando a arma com delicadeza e a rasgando no ar com um exagero bruto de movimentos. 

 Foquei em seu rosto. Como disse, podia ser igual ao de qualquer garota do 04. Muito angelical e meigo, amigável e confiável mesmo com a tensão concentrada nas sobrancelhas estreitas. Busco por mínimas semelhanças com os traços de Emmett e as encontro. 

— ... O cabelo dela, era igual. Quando vi Arla de costas no saguão no dia em que chegamos, imaginei que era Faye.

 Voltei a mirar meu parceiro. Sorri.

— Você estava certo. Ela parece ser leal.

— É... Uma pena saber que ela não vai voltar.

— Você não tem como saber...

— Sim, eu tenho — Fui interrompida. —  Um de nós dois. Lembra?

 Suspirei. Procurei por outro assunto.

— A água...

—  Foi ótimo. Já era hora. Só que precisamos de mais.

— Podemos buscar depois dos fogos de artifício.

 Emmett riu.

— É... Só que devemos ser bem cautelosos. Pelo que Arla falou, tem sempre tributos por lá. É provável que seja o único lugar da Arena com água potável.

 Estiquei o pescoço na direção do rochedo, cheia de uma vontade súbita de partir naquele exato momento até lá. Não só precisava de água para me hidratar por dentro. Meu corpo suplicava por um banho, um mergulho qualquer. A verdade era que me sentia imunda. Ainda com o sangue de Maryah e do garoto do 09 secos na pele. Era uma surpresa até para mim ser capaz de ignorar aquilo com tanta facilidade. Estar coberta com o sangue de outras pessoas...

 Já era fim de tarde quando Arla começou a reativar as minas. A garota do 03 fazia aquilo com a maior leveza e precaução do universo e, ainda assim, continha nos trejeitos a tranquilidade e a confiança de alguém que sabia em absoluto o que estava fazendo. 

 Eu e Emmett já havíamos colocado uma porção grande de suprimentos nas duas mochilas. Emmett havia criado uma espécie de cinto repleto de pequenas facas de arremesso. Era aquilo e sua espada. Não quis pegar mais nada. Além do arco, apenas coloquei o punhal devolvido das mãos de Arla junto ao cós da minha calça.

— Eu tinha um parecido, mas um bestante tirou de mim  — Lamentou a garota do 03.

— Um bestante? — Olhei curiosa. Um calafrio me atingindo em cheio. Não havia pensado em mais aqueles obstáculos incrivelmente desagradáveis usados pelos Gamemakers.

— Uma coruja feita de aço e ferro, com olhos vermelhos  — Ela fez movimentos circulares com as mãos abertas diante dos olhos.  — Deixei o punhal do meu lado, estava organizando a minha mochila. Ela chegou tão depressa e eu fiquei tão atordoada!

— Estranho. Achava que os bestantes eram feitos para nos atacar.

—  Foi algo que eles criaram para desarmar os tributos e funcionou comigo  — Dava para notar o ressentimento pelo reconhecimento da esperteza maior dos idealizadores. 

— Não vou mais largar do meu arco para nada.

 Eu e meu parceiro aguardamos do lado de fora da estrutura. Quando tudo havia sido feito, Arla agarrou as alças de sua mochila e correu até nós.

— Temos que nos distanciar. Muito!

 E foi o que fizemos. Pela primeira vez, eu e Emmett adentramos a floresta.

 Os resquícios de raios de sol ainda brilhavam em algum lugar atrás do dourado da Cornucópia, mas fora da campina onde a estrutura se estabelecia e debaixo da copa das árvores, tudo parecia mais sombrio. As silhuetas se tornando mais negras. Arla parecia inquieta. Emmett sussurrou para mim:

— Quando quiser.

 Nossa aliada temporária havia tomado o cuidado não posicionar as minas muito ao fundo. Mesmo assim, precisavam estar ao menos na metade da estrutura para provocar um estrago significativo. Além da distância, era complicado encontrar uma boa posição de tiro entre as ramagens.

— Tente — Emmett insistiu.

— Vou ter de sair um pouco.

— Então seja rápida.

— Eu vou.

 Estava na clareira novamente. Estranhamente, me sentindo solitária. Olhei para os lados antes de voltar a armar a flecha. Minha respiração estava curta. Tomei um tempo para esquecer o mundo a minha volta. Soltei a corda.

 A flecha voa para cima, e vai declinando e declinando, até desaparecer na escuridão da boca da Cornucópia. Naquela altura, os raios de sol já eram mínimos no horizonte. Tudo se intensificou. O fogo brilhou contra meus olhos. Ergui o braço com o arco diante do rosto, instintivamente. 

 Pássaros assustados saíram das árvores e encheram o céu da Arena. Era uma cena atordoante e linda. Arruinada e linda.

  Quase cai. Senti o puxão das mãos de Emmett no meu braço. Uma vez mais estava envolta pelas sombras da floresta. O som ainda explodia, literalmente, dentro da minha cabeça. Sentindo o corpo meio molenga, agarrei-me aos braços de meu parceiro que vieram ao meu auxílio no mínimo sinal de vacilar dos meus joelhos. Capitei a figura de Arla, os olhos arregalados ao máximo, presos na destruição a sua frente. Segui seu olhar. Ainda queimava e ainda explodia. Os destroços voavam.

 A Cornucópia estava em pedaços.


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Notas finais do capítulo

Até a próxima! s2



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