Just Another Game - Jogos Vorazes escrita por Brooklyn Baby


Capítulo 15
As baixas


Notas iniciais do capítulo

Espero que goste.
Boa leitura! ♥



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 As cores no céu eram azul, laranja, vermelho e lilás. Não muito bonito. Se você olhasse por muito tempo, poderia enxergar formas estranhas quadriculadas que entregavam a falsidade da paisagem. 

 Emmett dormia. Antes que eu cuidasse de seu ferimento na perna, ele havia comentado sobre aquele medo irracional de agulhas. Fez piada dizendo que o momento de maior tensão para ele até ali, havia sido o implante do rastreador. De fato, ele já parecia meio molenga antes mesmo de eu começar a costurar. Eu lhe dei dois comprimidos para dor. Limpei a região ao redor da ferida com álcool, o que o fez ranger os dentes. Mas o grito de dor não pôde ser contido por muito mais tempo quando o objeto pontiagudo perfurou sua carne. Meu parceiro desmaiou e eu achei que era melhor daquele jeito. Não sei se teria tanta coragem para dar os pontos enquanto ouvia seus grunhidos de dor. Quando terminei, fiz um bom e resistente curativo. Me sentei a seu lado.

  Algumas horas mais cedo, depois de ter arrastado meu parceiro para dentro da Cornucópia, havia saído para caminhar por entre os corpos espalhados ali. No começo, só queria ir até Maryah. Mas a curiosidade mórbida me tomou. Era uma mistura de sentimentos tão confusos e barulhentos que precisei silenciar. Precisei olhar para o rosto da maioria deles com uma indiferença anormal. 

 O garoto de cabelos castanhos, mais branco que uma folha de papel. Sem sangue nem ferimentos. Aquele cujo pescoço fora violentamente quebrado por Emmett. Eu não sabia o nome dele, mas lembrava que era do Distrito 11. 

 Garnet, com um corte letal que atravessava o peito, provocado por meu parceiro. Mesmo morto, permanecia bonito. Sua beleza e juventude haviam sido eternizadas para sempre pela lâmina de Emmett.

 Lydia e a poça de sangue que eu havia provocado. Mesmo longe, meu estômago embrulhava e o café da manhã ameaçava sair para fora diante da cena.

 Olhei para mais longe.

 Meus olhos marejaram e o relâmpago de um desespero súbito explodiu por todo meu ser ao vê-la. Tive de me aproximar. Não podia ser mais ninguém, mas eu precisava ter a certeza, a tortura absoluta. Ali, perto das árvores. Na direção de uma fuga interrompida. Levei as duas mãos até a boca e apertei. Gritei abafado. 

 Judy. 

 De olhos entreabertos, um corte fino rasgando-lhe o pescoço. Virei o rosto, voltei a me aproximar da estrutura. Sentia as pernas bambas, o martelar exagerado do meu coração partido. 

 Mais corpos sanguinolentos, provavelmente abatidos pelo grupo de Carreiristas enquanto tinham tempo. Os cabelos ruivos de Ernessa ao lado da Cornucópia reluziam contra a luz do sol. Me dei conta de que Trent e ela eram impulsivos e imprudentes. A menina subestimou a força de nossa aliança. Trent agiu como um animal perseguindo suas presas. Talvez ele tivesse ajudado Garnet e derrubado Emmett, se tivesse ficado junto dos outros ao invés de apostar naquela perseguição frenética e alucinada floresta adentro, em busca de uma aliança de tributos mais fracos. Tenho certeza que, assim como sua parceira, Trent acreditou que podia deixar a mim, Stellmaryah e Emmett para mais tarde. Ele também nos subestimou. Agradeço em silêncio pela sua atitude impensada.

 “Stellmaryah.”

— Tentei avisar  — Emmett havia contado, entre a respiração ofegante.  — Gritei por ela. Só que a garota do 01... Ela...

 Coloquei os dedos sob os lábios dele, para que se calasse. Já conseguia figurar a cena. Amethyst era boa com lanças.

 Enfim, Stellmaryah. Derrotada.

 Como Garnet, a morte não fora capaz de arrancar sua beleza. Eu ajoelhei a seu lado, as lágrimas naturalmente deslizando sob meu rosto num choro silencioso. Arrumei seu corpo como costumava arrumar Kriss na cama. Tirei os cabelos de seu rosto. Seu sangue banhava minhas mãos, mas eu estava longe de me importar. Afaguei seu rosto por um momento, pensando sobre sua mãe. Pensando sobre nossa relação. Tão repentina e profunda ao mesmo tempo. Todo sentimento fraternal que eu tinha por aquela garota... O modo como ela salvou a minha vida. Eu estava respirando graças a ela. E silenciosamente, na minha mente, prometi que sua morte não seria em vão. Correria. Lutaria. Sobreviveria. 

 Stellmaryah Dayes. A garota do 12. Que deu sua vida pelo ideal de uma Panem melhor. Que deu sua vida por mim. Minha aliada, minha amiga... Minha irmã. 

 Me inclinei e beijei sua testa. Vagarosamente, voltei para o lado de Emmett onde havia ficado desde então. Os aerodeslizadores apareceram ao anoitecer, levando os corpos consigo.

 Emmett saltou do sono, assustado. Pareceu aliviado ao me ver ali. Tateou a ferida. Segurei seu pulso em repreensão.

 Ele ficou em silêncio. Sua respiração acelerada era o único som que envolvia a atmosfera a nosso redor. 

— Você não vai me abandonar, não é?

— Não nessa vida.

 Enxerguei um sorriso. 

— Bom trabalho — Ele sinalizou de leve com a cabeça a ferida na perna.

— Foi minha primeira vez.

 Puxei a aljava repleta de flechas que havia encontrado nos fundos da Cornucópia. Haviam dois arcos e duas aljavas na Arena, para meu alívio extremo. Encontrei a segunda arma próxima ao kit de primeiros socorros de Emmett. Também havia uma grande diversidade de armas brancas, suprimentos como pacotes de biscoito, maçãs, cordas, sacos de dormir e cantis de água. O grande problema é que não havia água realmente. Em lugar algum. Nenhuma gotinha sequer. 

 Começamos a tecer estratégias. Precisaríamos deixar a Cornucópia uma hora. Nós dois estávamos com muita sede

— Não podemos subestimar os outros tributos, também. — Emmett falava. Sua respiração estava mais calma. Botou outro comprimido para dor na boca e engoliu, seco. —  Aquele garoto do 10 deu trabalho para a garota do 01... Eles estavam brigando por uma mochila, acho.

— Max — Falei. — O nome dele é Max. O parceiro de Judy. Estava na ala de sobrevivência conosco uma vez.

 Emmett assentiu. 

— Tem muitos suprimentos aqui. Isso vai atraí-los. É como uma ratoeira gigante.

— Sabem que estamos aqui.

— Não temos condições para lutar todos os dias, toda hora. Trent e Amethyst estão certamente planejando algo. Apostaria num ataque surpresa. É melhor enchermos as mochilas e partirmos.

— E deixar todo o resto para trás? As armas, os suprimentos… De bandeja para eles nos atacarem?

— Tem razão… Daremos um jeito nisso. 

 Decidimos que poderíamos esperar no mais tardar até de manhã. A noite parecia fria e a estrutura da Cornucópia devia ser o melhor abrigo da Arena. Sabíamos que os outros tributos pensavam o mesmo. Além disso, como Emmett havia dito, os Carreiristas viriam, mais cedo ou mais tarde. E ambos - Tanto Trent quanto Amethyst pareciam estar em saúde perfeita. Já Emmett estava limitado com os pontos na perna. Eu rezava para que Violet mandasse algo que ajudasse a cicatrizar mais rápido. Ambos concordamos com uma vigia bastante rígida. 

 Uma dose de silêncio realmente longa nos tomou por vários minutos. A noite havia caído pesada, como um véu, um pedaço de pano jogado por cima do frasco em que nos enfiaram. Naquele momento eu recordei pela primeira vez que não só o meu Distrito, mas toda Panem estava nos assistindo. 

 Suspirei e mirei Emmett. Percebia seus olhos piscarem lentamente no escuro. Estava para dizer que ele podia dormir se quisesse, eu tomaria a primeira vigia. 

 Ele tremia. Levou a mão direita até uma das minhas tranças. Logo, a outra mão o amparava. Ele estava desfazendo o penteado que Rose fizera com tanto esmero. Cuidadosamente, desembaraçou as mechas e partiu para a outra trança. Terminado, seus dedos pentearam os fios ondulados e castanhos dos meus cabelos. Eu observava seu movimento com um sorriso de canto pequeno.

 Uma lembrança vivida e clara atingiu minha mente. O momento antes da entrada no palco do show de Caesar Flickerman. O que Emmett me disse… Ele gostava do meu cabelo daquele jeito.

 Foi instantâneo. Meus olhos umideceram. Procuraram os dele. Eu senti dor por saber. Senti a pior dor que poderia sentir, a mais significativa desde que pisei naquele lugar.

 Os olhos de Emmett me diziam. Me davam certeza de que o que houvera na noite anterior foi real. Ele sentia aquilo. E eu também. Queria que ele soubesse.

 “Eu te amo.”

 Minha boca se moveu, sem emitir som algum. Não queria dividir aquele momento com as pessoas da Capital, ou com qualquer outra pessoa em Panem. Só com Emmett, e apenas com Emmett. E eu nem sabia se ele havia entendido. Se podia ler meus lábios debaixo daquela luz tão escassa.

 Como eu queria que ele soubesse. Como eu me odiava por deixá-lo saber. Todas as possibilidades impossíveis. Os sonhos mortos antes mesmo de existirem. Como eu desejava que houvesse um futuro para nós. Queria saber o que existia atrás daquela porta. Eu e Emmett. Como seria? Jamais saberia. E aquilo me matava.

 Era o primeiro dia dos Jogos, e eu já estava quebrada.

 Sua mão, tão gelada, tocou a maçã do meu rosto. Nós não teríamos mais momentos como aquele. Nunca mais. Não tão aparentemente tranquilos.

 Emmett seguia em silêncio. Parecia estar juntando forças para dizer qualquer coisa. Mas eu não queria. Gostava do silêncio. Temia acordar para a realidade. Temia que aquilo acabasse. Eu amava a simplicidade da nossa troca de olhares muda. Eu o amava.

 O silêncio fora quebrado dali a alguns segundos. Não por nenhum de nós dois, mas pelo hino da Capital. As baixas.

 A primeira imagem surge. Para meu choque absoluto, Emmett também está lá. Mas sua foto aparece com cores vivas e fortes, enquanto a foto do tributo do Distrito 11 aparece em um tom azulado e apagado ao seu lado. E para minha surpresa, aparece de novo, desta vez com a garota do 11. 

 O tributo do 9 com cores, e a foto da pequena Judy sem elas. Emmett surge outra vez, ao lado da foto apagada de Garnet. Stellmaryah e Ernessa, ambas sem cor. E logo, lá estou eu, radiante e brilhante, com a garota do 06 e sua imagem sombria a minha esquerda. Em seguida, é claro, Luke. Uma aparição de Amethyst e Penny, do 09. Amethyst novamente, com Maryah. Uma série de aparições de Trent com os tributos masculinos do 03, 06 e 08. 

 Estou chocada. Isso é sadismo puro. Além da obrigação de matar para sobreviver, querem que todos saibam quem foram nossas vitimas. Querem nos dar os devidos “créditos”. 

 A luz se apaga e estamos submersos na escuridão uma vez mais. Alguns minutos depois, sei que Emmett está dormindo. Olho para minhas mãos manchadas do sangue de Stellmaryah. Olho para minhas mãos que dispararam flechas em Lydia, tentando em vão salvar Judy. As mãos que seguraram a espada que feriu fatalmente o pescoço de Luke.

 Doze mortes. Duas delas tendo a mim como protagonista.

 É o que sou. Sou uma assassina agora. E não há nada a ser feito para revogar essa condição. 

 Volto a ficar em guarda. A flecha engatada no arco prateado. Os olhos cobertos pelos óculos de visão noturna corriam pelo círculo de árvores que nos rodeavam, despertos e atentos a qualquer farfalhar de folhas causado pelo vento.


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Notas finais do capítulo

Até a próxima s2



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