Just Another Game - Jogos Vorazes escrita por Brooklyn Baby


Capítulo 13
A Árvore Forca


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Último capítulo antes da Arena.
Espero que goste.
Boa leitura!



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 Eu corri pelo jardim. Além do som do farfalhar das folhas no topo das árvores a minha volta, havia apenas o som do meu salto alto batendo contra os tijolinhos de cascalho cinza da trilha. Não havia trocado de roupa. Não havia tirado a maquiagem. Estava seguindo as instruções de Emmett. 

“Debaixo da árvore de sempre. Ás 23 horas.”

 Não tive chance de falar com ele sem que nossas equipes estivessem por perto. Ele levou um belo puxão de orelha de Violet, depois de ter me colocado num lugar mais acima do pódio com sua entrevista. Era mais que óbvio que Violet considerava que ele tinha mais chances do que eu, mas só naquele momento ela expressou sua opinião tão abertamente - O momento em que todos nós estávamos trancafiados dentro do cubículo de cristal do elevador. Emmett ficou irritado. Disse que sabia o que estava fazendo. Eu me perguntei o que ele quis dizer. 

 Só enquanto caminhava solitária pelo quarto enquanto aguardava a hora do encontro, percebi a ocasião. Aquele era meu último dia no mundo em que eu conhecia. A Arena seria no dia seguinte. Rose me disse que haviam aprovado meu amuleto, e ele voltou para minhas mãos. A presilha com a concha de Kriss. Estava sob meus cabelos agora.

 Como sempre, o cenário era o de um sonho: As árvores, flores e arbustos cinzentos e azulados, a névoa trazida pela noite e pela latitude, o brilho fraco de uma única luz amarelada e o garoto bonito de terno azul marinho próximo ao carvalho. Seu eu pudesse escolher por qualquer memória da Capital para guardar comigo pelo resto dos meus dias, seria aquele momento que não durara nem um segundo. Emmett veio até mim, encurtando a distancia. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisas, ele me abraçou. Ele me abraçou forte e dessa vez eu retribui. Nós não precisamos dizer nada por pelo menos dez minutos.

— O que você pensa que fez hoje?  — Perguntei.

— Do que está falando?

 Ele se afastou. Fitei-o nos olhos.

— Dizer aquelas coisas sobre mim na entrevista.

— Eu estava sendo honesto.

 Um som longínquo me fez desviar os olhos dos dele, me tornando dispersa. Precisei me concentrar um pouco até perceber o que era. O som das celebrações dos residentes da Capital. As últimas apostas haviam sido feitas. Na espera pelas vinte e duas horas e cinquenta e cinco minutos, eu havia ligado a televisão. De décimo segundo lugar, eu estava em quarto. Na frente da garota do 02 e de Emmett. 

— Aquele palco não é lugar para ser honesto. Não se você quiser viver!  — Minha voz soava irritadiça. 

 Meu parceiro deu um risinho. Quase debochado.

— Vai bancar a Violet? Eu só fui sincero, Kay.

— Então acha que eu deveria matar você, se sobrássemos só nós dois?

 Emmett buscou meus olhos de novo.

— Seria uma honra. 

 Quase ri.

— Não pode estar falando sério.

— Você  vai descobrir se estou falando sério muito em breve, não é mesmo?

 Não disse nada.

— Kaylee, realmente sinto muito por aquela coisa no Centro de Treinamento  — Parecia dizer aquilo com certa urgência, querendo tirar o peso das costas.

 Eu o olhei. Busquei dentro de mim a raiva que um dia havia sentido com tanta intensidade, a desconfiança e a repulsa por sua presença. Olhei fundo nos olhos de Emmett, procurando despertar qualquer mágoa ou rancor. Mas percebi que diante de toda nossa situação e diante do que ele fez, diante de quem nós éramos e tínhamos naquele momento, eu não encontrava mais razão real para estar chateada. 

 É como Matt me dizia, nas horas em que eu começava a tecer comentários raivosos sobre meu pai e a bebida...

 “Perdoar é como libertar um prisioneiro. E no fim descobrir que o prisioneiro era você.”

— Não tem importância. Só não entendo porquê... Porquê ficou tão incomodado com Trent.

 Emmett deu um riso nervoso e irônico, enquanto se inclinava para trás, escorando as costas no tronco do carvalho.

— Ele é um cretino.

 Estreitei os olhos.

— O que ele fez?  — Me senti estúpida, subitamente, por nunca ter pensado em fazer aquela pergunta antes.

— Eles me queriam na aliança deles. Eu neguei. Pensei que talvez ele estivesse treinando com você, apenas para tentar te atrair também mas...  

— ... Mas...?

— Ele tinha deixado claro que queriam apenas a mim. Por ser Carreirista. E ele ousou me elogiar pelo meu “plano” com você de...

— ... Proximidade fingida — Completei.

— Exatamente...

 Respiro fundo por um momento. Raiva. Uma vontade grande de socar o nariz de Trent, aquele olhar calmo e ao mesmo tempo expressivo, de repente ganhando adjetivos substitutos. Frio e sínico. 

— Esqueça. Somos eu, você e Maryah. E é a aliança perfeita  — Eu disse, com um sorriso confiante no rosto. Emmett sorriu de volta.

— Preciso concordar.

 Olhou para meus cabelos. Pisquei em silêncio, até me lembrar do enfeite sobre eles.

— É da minha irmã  — Minha voz saiu falha.

— É lindo.

— É sim.

 Emmett levou a mão até a presilha. Depois seus dedos deslizaram pela mecha de cabelo que ela prendia. Voltou os olhos para meu rosto.

— Você a ama muito.

— Morreria por ela.

— Acho que minha irmã também me amava assim.

— Ela com certeza amava, Emmett.

 Um suspiro pesado lhe escapou dos lábios. Olhou para algo além de mim.

— Nós fomos criados para amar e respeitar a Capital. Na glória de ser um vencedor dos Jogos. No fato de que nosso único lugar no mundo fosse o lugar ao sol na Capital. Quando começamos a questionar isso... Tudo aquilo que falei naquela noite aconteceu. O treinamento aumentou. Não nos envolvíamos com mais nada. Não tínhamos amigos que não fossem os outros garotos e garotas do Centro de treinamento. Tão mecânicos, vazios...  — Ele me olha, e da um sorriso pequeno.  — Minha irmã era minha melhor amiga. Você me faz lembrar dela. Como disse na outra noite, também, mas não com todas as letras... Você me faz sentir coisas boas, Kay. Coisas que a Faye me mostrou um dia. Sentimentos além daqueles que a Capital nos impõe.

 Abaixei os olhos por um momento e sorri. Não queria que meu rosto corasse. Não queria levar aquelas palavras para aquele lado. Mas era inevitável. 

— Me lembro da última vez que a vi  — Continuou, num tom de voz mais baixo.  —  Lembro de como ela estava ansiosa. Eles tinham a mente dela. Eles tinham as nossas mentes. Mas eu também me lembro de como o ânimo fugiu dos olhos dela nos últimos momentos. Meus pais não perceberam. Eu sim. Ela sentiu medo e eu não disse nada. Fingi que não percebi. Faye não podia sentir medo... Medo era a maior fraqueza que existia. Era o que nos ensinaram. Me recusei a acreditar que ela não estava totalmente confiante na vitória. A minha despedida foi um “até logo”, quando deveria ter sido um “adeus”...

 Tomou uma pausa. Podia perceber seus olhos um pouco mais brilhantes, úmidos. Puxei uma de suas mãos. Ele observou.

— Pouca coisa mudou depois que ela morreu. Uma ficha tinha sido gasta, mas ainda restava outra. Continuei treinando e treinando e naquela tarde... Eu realmente estava em dúvida sobre me voluntariar. Era meu último ano. Eu podia mandar meus pais pro inferno. Mas então vi o garoto que foi sorteado e dava para ver que era fraco. Pensei sobre aquele garoto ser o filho amado de alguém, ou o irmão mais novo de alguém... Não quero soar como um herói. Não sou. Escolhi estar aqui e jogar. Realmente estava disposto a vencer. Mas tem você agora...

 Sua mão apertou um pouco a minha.

— Ambos sabemos que você está preparada para quando a hora chegar. Kaylee, nós sabemos que nenhum de nós dois é puro. Nenhum dos outros 22 é. Nem mesmo os mais jovens. Tudo é corrompido. Desde cedo.

 Kriss me vem a mente. Não havia modo de poupá-la da crueldade do nosso mundo. Enquanto humanos fossem humanos, tudo se podia corromper. Até a virtude mais pura. Você tinha filhos, sabendo que um dia os entregaria para a morte. Fosse para os Jogos, como a irmã de Emmett. Fosse para a fome, como o irmão da pequena Judy. Fosse para uma doença, como o irmão de Stellmaryah. Nenhum de nós vivia plenamente. Sobrevivíamos as custas daquele sistema. Do sacrifício de terceiros. Mesmo que evitássemos pensar sobre isso, lá estava a verdade se procurássemos por ela. Nós sabíamos e aceitávamos. Não havia espaço para inocência em Panem. 

 A mão de Emmett tocou meu rosto frio. 

— Não deve sentir vergonha disso. De querer viver por quem você ama. De tentar protegê-los de mais essa perca e injustiça. 

— É tão fácil de se falar.

— Na Arena, será fácil de se agir.

 As palavras de Stellmaryah ressoaram na minha cabeça.

 “... Mas na vida real, quando você tem um segundo para não ser morta, a coisa não é tão difícil quanto parece.”

 Olhei Emmett e assenti. Ele deu um de seus sorrisos característicos.

— Você está com medo, pescadora?

 Rolei os olhos com um sorriso e balancei a cabeça para os lados.

— E você?

— Não mais. 

 O barulho das comemorações parecia mais próximo. Mirei as luzes da cidade por um breve momento.

— Acha que a sorte está ao nosso favor?

— Acho que não precisamos de sorte. Temos um ao outro.

 Aquelas palavras fizeram meu coração martelar tão forte que chegava a doer. O familiar choque de emoções tomando cada pedaço do meu corpo. Uma lágrima fria e solitária rolou pela minha bochecha. Era verdade.

 No mar desconhecido em que estávamos prestes a sermos lançados, Emmett era minha âncora. Ele podia me estabilizar. Mas também podia me afundar. 

— Será que já passou da meia noite?  — Perguntei, curiosa.

 Para minha surpresa, meu parceiro tinha a resposta. Tateou o paletó. Um relógio de bolso de bronze saiu de seu bolso. Arregalei os olhos brevemente.

— Faltam dois minutos — Ele riu da minha expressão.  — É meu amuleto. Era da minha irmã.

— Sei.

 Ele voltou a guardar o relógio. Suas mãos buscaram minha cintura. Eu não conseguia tirar o sorriso pequeno do rosto. Vez ou outra, parecia me esquecer de como se respirava no ritmo certo. O mesmo não acontecia com Emmett. Podia perceber sua leve respiração sob meu rosto. Ele tinha se aproximado tão lentamente, que eu mal havia percebido.

 Seus olhos verdes, ligeiramente mais densos do que o normal talvez por causa da escuridão, subiram para a copa da árvore acima das nossas cabeças. Deu um riso fraco e baixo.

— O que?

— Somos o casal daquela música.

 Eu ri. A Árvore Forca. 

— Parece que sim.

 Eu não teria qualquer reação mesmo se tentasse.

 Seus dedos se contraíram firmes em minha cintura. Num avanço repentino, seus lábios estavam unidos aos meus. Minha mente concordava com meu coração e com meu corpo, enquanto correspondia. Minhas mãos subiram para seu rosto, o beijo se tornando mais profundo e real. Ainda que nunca tivesse vivido aquilo - Ainda que nunca tivesse beijado um garoto daquela forma antes, sabia exatamente o que fazer.

 Eu estava livre. Aquele sentimento já havia me atingido antes. No topo daquele rochedo onde eu praticava arco e flecha ou quando estava simplesmente flutuando sob o oceano. No entanto, nunca fora uma ousadia daquelas. Nunca realmente fui além. Mesmo quando segurava o arco proibido, jamais me senti tão dona de mim mesma quanto naquele momento. Porque eu não era a única a sentir aquilo. Estava dividindo com alguém. Nós buscávamos a mesma coisa.

  A sensação do beijo de Emmett era um tipo de liberdade completamente novo. Como nunca antes, eu tinha controle sobre os meus pensamentos e a Capital não me possuía mais. 

 Suas mãos estavam nas minhas costas agora. Ele havia atraído meu corpo para mais perto. Os momentos de pausa para tomar fôlego eram breves. O beijo era intenso, intenso demais. Meu espírito vibrava, era algo vivo. A minha força queimava debaixo da pele. A coragem e esperança renascidas. 

 Ele parou. Mesmo na escuridão, podia ver seu sorriso. E ele o meu. Cada pedaço de mim parecia animado com o reconhecimento daquele sentimento novo. Sabia que era impossível. Sabia que estava fadado ao destino mais trágico de todos. Mas eu realmente não me importava. Eu não dava a mínima Só queria viver aquilo, o mais plenamente possível, enquanto eu pudesse. Naquele momento, nem a morte podia me assustar.

 A Árvore Forca não parecia mais tão triste para mim. Eu verdadeiramente acreditava que, depois da guerra, aquela mulher se juntou ao seu amado e encontrou a paz. E eles estão juntos em algum lugar onde a crueldade do mundo e a Capital, a fome, as punições, a manipulação, a opressão e os Jogos Vorazes não podem alcançá-los.

 Eles estão livres.

 Emmett tinha um pensamento semelhante. E ele o expressou.

— Você sabe, é o maior medo da Capital. Que enxerguemos algo além do medo. Que possamos sentir  — A ponta de seus dedos deslizavam sob minhas costas. Hora sob o tecido, hora sob a parte descoberta de minha pele.  — Que encontremos algo pelo que viver. E algo pelo que morrer  — Ele selou meus lábios de novo, demoradamente.  — Porque quando isso acontece...  — Continuou, ainda muito próximo a mim.  — Eles perdem o controle.

— E nós encontramos a liberdade  — Eu completei.  — Mesmo com todo sacrifício...

 Um sorriso puro e satisfeito surgiu em suas feições.

— É como deve ser.

 Nós nos beijamos de novo. De novo. E de novo. Era uma e treze da manhã, quado meu parceiro decidiu que seria melhor irmos dormir. Nós tínhamos um plano. Um plano que me fez voltar a me preocupar. 

— Vamos conquistar a Cornucópia. 

— Você deve confiar muito em mim  — Dei-lhe um olhar grave. 

— E eu confio.

 Achei que Maryah ou o próprio Emmett desistiriam desse plano maluco, mais cedo ou mais tarde. Nesse caso, mais tarde. Era uma carnificina e eu não me sentia realmente confortável para o combate logo de cara. Entretanto, a garota do 12 e meu parceiro tinham esse plano que parecia ótimo, então tudo o que eu fiz foi concordar. Além de que, sem um arco, eu era bastante imprestável. 

 Diante da porta do quarto, Emmett não tornou a me beijar na boca. Suas mãos seguraram minha nuca, cuidadosamente, e ele pressionou os lábios contra minha testa. Era assustador, o modo como me sentia ligada a aquele garoto. Como ele me olhou e como eu o olhei de volta. Como, de repente, percebi que não era só Emmett que reapresentava tudo o que eu tinha. Muito mais do que isso... Eu era tudo o que ele tinha. E havia medo nos olhos dele. Um medo que eu não consegui compreender. Então só lhe dei um abraço, com toda força que consegui encontrar, e sussurrei próximo a seu ouvido que iria ficar tudo bem. 

— Te vejo amanhã, Kaylee.

— Te vejo amanhã, Emmett.

 Ele soltou-me do abraço e caminhou até seu quarto sem me olhar outra vez. Também fugi para meu dormitório e tentei me afundar o mais profundamente possível debaixo do mar de lençóis. Os últimos números verdes fluorescentes que eu lembro de ter visto brilharem eram 2:32. Um sono pesado me embalou em seguida. Sem pesadelos ou sonhos. Apenas um vazio silencioso e sem destino.


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Notas finais do capítulo

Até a próxima! s2



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