Anjo das Trevas escrita por Elvish Song


Capítulo 29
Vingança


Notas iniciais do capítulo

Olááááá! Aqui está um novo capítulo! Eventos tensos, e o lado sombrio da Annie. Espero que gostem!



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            Annika saltou por sobre as tábuas pregadas que bloqueavam uma rua, parando um segundo para respirar. Que bom que tivera o bom senso de vir com roupas masculinas, ou já teria sido pega por quem quer que a seguisse; encostando-se às tábuas, descansou por alguns segundos, compreendendo que não poderia mais fugir. Segurando a faca na mão direita, com a esquerda arrancou um pedaço de tábua, uma lasca longa e aguda, que poderia usar como arma, também.

            Com uma “arma” em cada mão, ela se levantou e caminhou para o meio da viela, ouvindo passos virem de ambos os lados. Dois homens saltaram por sobre as tábuas, levando-a a correr para o outro lado, que foi bloqueado por mais cinco homens. Sabendo que não havia como lutar contra sete, a moça cometeu uma loucura: atirou-se para a parede, usando-a como apoio para um salto muito alto, que a levou outra vez por cima das tábuas, contornando os dois homens, que tentaram impedi-la sem sucesso. Uma vez do outro lado, Annie correu para uma casa em ruínas, entrando na construção em condições precárias.

            Ocultando-se atrás da primeira parede, ela aguçou os ouvidos e calculou seu próximo movimento: quando os passos do perseguidor estavam a apenas um metro, saiu de seu esconderijo e, abaixando-se para evitar qualquer golpe, desferiu uma estocada certeira, que atingiu em cheio o abdômen do primeiro, o qual caiu com um grito, o ventre aberto de um lado a outro. Uma vez que por ali passa a maior artéria do corpo, ela sabia que fora um golpe fatal, e escapou a tempo de se desviar do tiro dado pelo que vinha logo atrás. Como uma gata, ela se atirou escadas acima, virando-se com agilidade para atirar a lasca de madeira direto contra o oponente. A lasca não se cravou, mas acertou o pulso do atirador, arrancando a arma de sua mão, mas Annika não permaneceu ali para ver o que aconteceria: subiu agilmente pelas escadas apodrecidas, sentindo a madeira se quebrar sob seus pés. Uma pontada de pânico a atingiu, mas conseguiu alcançar o andar superior antes que os degraus de madeira caíssem. Olhando para baixo, viu mais três vultos entrando na casa, e não quis ficar ali pra descobrir onde estavam os outros dois.

            Com a faca na mão, ela se sentiu aliviada: estava no segundo pavimento, e as escadas haviam caído... Agora, só precisava sair pelo telhado, e fugir por sobre as casas vizinhas. Nunca conseguiriam pegá-la! Recuou devagar, sem olhar para onde ia, sem desgrudar os olhos do lugar onde antes estivera a escadaria, o coração ainda disparado após quase ter levado um tiro. O que haveriam de querer com ela?

            Preocupada demais com aqueles a quem despistara, não viu que não estava sozinha no segundo piso: três pares de mãos a agarraram pelas costas, arrancando-lhe um grito de susto. Reagindo instintivamente, Annika se virou depressa, a mão escapando à de um dos atacantes e golpeando o que segurava seu braço esquerdo, direto no pescoço. Pensou que seria um inimigo a menos, mas outro tomou seu lugar, e ela percebeu que eram seis os homens que a aguardavam, e apenas um caíra morto! Precisava pegar sua pistola, mas não havia como fazê-lo! Mesmo que alcançasse, não teria tempo de mirar!

            Lutando desesperadamente, chutando, se debatendo, ela conseguiu matar mais um atacante com uma facada no olho, e outro com um golpe nas costelas, antes que a faca fosse arrancada de sua mão. Um saco de pano foi enfiado em sua cabeça, e suas mãos foram amarradas para trás, com tanta força que ela sentiu a corda se enterrar na pele. Merda! Como poderia fugir, agora? Mãos rudes a tiraram do chão, e a pianista viu-se jogada no ombro de alguém, cega, amarrada e indefesa. Já estivera naquela situação, antes, e sabia que não terminava bem!

            *

            Podiam ter se passado uns poucos minutos ou quase uma hora, e ela não saberia dizer. Tinha a impressão de ter desmaiado, mas podia ser que também não houvesse ocorrido; o fluxo de sangue na cabeça a confundia, e a sufocação causada pelo saco de aniagem piorava tudo. De repente, porém, foi jogada no chão, e as mesmas mãos que a haviam amarrado a obrigaram a se erguer, enquanto o saco era arrancado de sua cabeça.

            Acostumando-se à luminosidade do ambiente, ela piscou algumas vezes antes conseguir olhar em volta: era um quarto sem janelas nem forro, de modo que podia ver o teto... Uma espécie de sótão, então... As paredes eram de cimento, assim como o piso, e o coração da jovem quase parou, nem tanto ao ver a cama de aspecto duvidoso, mas ao ver quem se sentava na poltrona ao lado desta: Lucian. O homem parecia ainda mais gordo e imundo do que já fora, e tinha um sorriso dez vezes mais cruel do que ela jamais vira.

            - Lucian – rosnou ela, debatendo-se inutilmente nas mãos dos três homens que a continham.

            - Olá, Annika. – ele se levantou e veio até a jovem, impedida de se mover. Com uma lentidão propositadamente cruel, deslizou um dedo pelo rosto dela – Achou que conseguiria fugir para sempre? Achou mesmo que se fingir de dama refinada, que tocar piano num teatro me despistaria? Você é minha, cadela imunda, e nunca vou esquecer a humilhação que seu amante me fez passar.

            - Erik comprou minha liberdade, Lucian. Sou uma mulher livre.

            - Você é uma puta! – gritou o homem, vermelho de raiva – e é isso o que sempre vai ser! Uma vadia suja! Mas a ceninha do seu diabo de máscara foi bastante inconveniente: as outras meninas começaram a pensar. Pensar em liberdade, em fuga... Coisas que não devem passar pela mente de uma prostituta. Vocês são minha propriedade, e apenas isso serão, até morrerem. Suas vidas são minhas, seus corpos são meus. Mas preciso restabelecer a ordem que você, vagabunda, perturbou. – ele puxou uma faca comum do bolso, pressionando-a contra a garganta da moça, e então deslizou a mão por sua cintura, direto até o lugar onde ela escondera a pistola, que ele tirou do lugar – mas tenho de reconhecer: melhorou seu estilo. Armas de fogo são novidades. E você matou cinco homens, apenas com uma faca e um pedaço de madeira.

            - Você é um cretino, Lucian. Ainda vou meter uma bala em seu olho.

            - sonhe com isso. Você vai servir de exemplo para as outras meninas que quiserem sonhar com “liberdade” – e se voltou para os três homens – amarrem-na à cama. Vamos ver até onde a puta aguenta; quero ouvi-la pedir para morrer.

            Os três pensaram que conseguiriam cumprir facilmente a ordem de seu patrão, por tratar-se de uma mulher desarmada e atordoada, mas a jovem não era uma presa fácil: quando suas mãos foram soltas das costas, ela se tornou um gato selvagem, arranhando, batendo, chutando! Chutou a virilha de um dos homens, que se dobrou no meio, permitindo a ela pegar sua faca e cravá-la num segundo homem, direto no rosto. Não o matou de imediato, mas ele certamente não sobreviveria. Entretanto, um soco no rosto a atordoou, e os dois pares de mãos restantes a deitaram na cama. Cordas prenderam suas mãos à cabeceira, e seus pés às alabardas da cama, tolhendo qualquer movimento, por menor que fosse. O desespero a acossou: ela matara seis homens, e ainda assim isso de nada adiantara! Ela seria torturada, provavelmente violentada, e morta. Ainda assim, havia uma tranquilidade em sua mente: Gabrielle estava à salvo. Sabia que Erik cuidaria dela, e isso a aliviava.

            Foi com este alívio absurdo que, no momento em que Lucian subiu na cama e se pôs sobre ela – ele dispensara os dois homens, para se “divertir” com a mulher, sem ligar para o cadáver no chão - a pianista sibilou:

            - Acha que tenho medo de você, pulguento? Matei seus homens como moscas, e vou mata-lo antes do que imagina – ela cuspiu no rosto do antigo dono com um sorriso de afronta, o que lhe rendeu um tapa no rosto que partiu seu lábio e a fez sentir o mundo rodar. Com forças tiradas da raiva, ela o fitou outra vez, pela primeira vez sem se intimidar ante o olhar de ódio de seu algoz – bata de novo. Ande! Eu não tenho medo de você. Mesmo que me estupre, que me mate, eu já venci: nunca mais vou ter medo, seu elefante peludo. – não era o melhor xingamento que existia, mas lhe trouxera uma inexplicável satisfação, mesmo quando outro golpe pareceu romper seus tímpanos.

            - Você vai pedir para morrer – disse o cafetão, sacando a faca e cortando fora a camisa e a calça da mulher, deixando-a apenas com as roupas íntimas. Annika fechou os olhos, antecipando a dor, sem se surpreender quando a lâmina fria e serrilhada mordeu a carne, rasgando mais do que cortando uma longa linha em seu ventre. O sangue fluiu, morno, mas ela sequer gemeu... Já sentira tanta dor em sua vida, que seu limite era extremamente alto.

            Ao ver que o rosto dela mal se alterara, Lucian repetiu o ato, agora no seio, cortando fundo; isso sim, arrancou um gemido da mulher, que forçou as cordas sem sucesso. Seu carrasco bateu nela outra vez, e abriu um corte no lado interno de sua coxa; deliciando-se com a impotência e a dor dela, mordeu o pescoço da moça com força, até seus dentes rasgarem a pele clara; isso arrancou um grito.

            - Isso, prostituta. Grite para mim. Você vai gritar muito; quero que grite. – ele apalpou o corpo dela, arranhando – nunca foi tão bonita quanto está, agora. Aquele mascarado cuidou bem de você, vagabunda: está mais macia, com curvas... Acho que vou aproveitá-las um pouco, antes de mutilar esse corpo. – e para comprovar suas palavras arrancou as peças íntimas dela e enfiou a mão entre as coxas da moça, que fechou os olhos com força. Era como estar em um de seus pesadelos, mas este era real... E não havia como escapar. Ele distribuiu dolorosas mordidas por seu corpo, relembrando-a de toda a dor que já sofrera nas mãos daquele ser abjeto, e isso não a desesperou, mas enfureceu. Ela lutava contras as cordas, puxava-as desesperadamente, tentava soltar as amarras de suas mãos, mas era inútil. Só o ódio aumentava e se reforçava, ódio profundo contra aquele monstro! Assim que ele a soltasse, ela o mataria! Lenta e dolorosamente! O único modo de fugir ao asco e à vergonha daquele momento - em que se sentia de volta ao inferno de sua primeira juventude - era imaginar como iria tortura-lo, quando se libertasse! Era inútil, ela sabia, pois ele a mataria assim que estivesse saciado... Mas era o único modo de não sentir o que ele fazia... De tentar ignorar o corpo nojento sobre o seu, e fingir que ele não abusaria dela outra vez, em poucos segundos.

            De repente, porém, uma voz fria, feminina, soou bem perto de ambos:

            - Vai ter uma bala nas suas entranhas, se não sair de cima dela, filho da puta. – a pistola que Lucian arrancara de Annika foi encostada à cabeça dele, que ergueu as mãos, ficando de joelhos sobre a jovem. Atrás dele, estavam Jean e Renard; o louro empunhava um bastão, enquanto o ruivo ainda tinha um dos capangas de Lucian carregado pelo pescoço, e atravessava uma faca em sua garganta. Estavam os dois jovens molhados de sangue, mas quem empunhava o revólver era outra pessoa: Gabrielle. A menina pressionou mais o cano contra a cabeça de seu velho dono – agora, saia de cima de minha irmã, bem devagar. Estou acompanhada e, se tentar algo, transformamos você numa peneira.

            Lucian estava lívido – era um covarde – e obedeceu. Gabrielle estava irreconhecível, dura, fria, impiedosa enquanto empunhava a arma de fogo e, com voz cortante, ordenava:

            - Sente-se na poltrona – e para Jean – amarre-o bem. – Renard já soltara Annika, e a menina jogou um casaco comprido para o amigo – trate de cobri-la.

            A pequena, tímida e delicada Gabi parecia transformada numa valquíria furiosa enquanto continuava apontando o revólver para seu velho algoz. Foi só quando este estava totalmente amarrado que a adolescente correu para sua irmã, agora sentada na cama, refazendo-se do quase-estupro que sofrera, os olhos chispando de ódio ao fitar seu atacante.

            - Annie! – a mais moça abraçou com força a mais velha, que se recobrava aos poucos; parecia que um de seus tímpanos se rompera, pois não ouvia nada com o ouvido direito, mas a adrenalina fazia seu corpo mal sentir a dor dos ferimentos ao se levantar de súbito. Estava com raiva, verdadeiramente furiosa, e algo sombrio despertava em si. Sua expressão era tão enraivecida, que a própria Gabrielle se assustou – Annie? Annie, por Deus, o que está havendo?

            - Você está bem, abelhinha? – preocupação era a única outra coisa nos olhos da mulher, além daquela raiva intensa.

            - Sim eu estou... Mas o que você... – não teve tempo, contudo, de terminar sua frase, pois a irmã se voltou contra o homem amarrado.

            - Você! – Annika avançou na direção do porco atado à poltrona – seu monte de merda! Gosta de dor?! Gosta de sofrimento?! Então eu vou lhe dar um pouco! – ela devolveu o soco no rosto. Parecia mal suportar estar em pé, mas uma vontade férrea a mantinha ali, um ódio puro e primitivo, um lado sombrio que ela nunca deixara alguém ver. Pegando a faca no chão, abriu um grande corte no braço dele, outro no peito, outro no rosto; cortes fundos, mas não letais, que o fizeram urrar. Um sorriso mau se fez no rosto dela, assustando os amigos e a irmã, que jamais haviam cogitado haver tal lado em Annika – Não é tão divertido quando você é a vítima, é? - Gabrielle a segurou pelo braço, pedindo num tom quase choroso:

            - Annie, pare! Você não é assim! – assustava à adolescente ver a irmã causar dor deliberadamente a alguém. Assassina, sim... Mas aquilo era tortura! Não que a própria Gabrielle não quisesse vingança, pois aquele porco roubara sua infância, sua inocência... Contudo, ver sua irmãzinha agindo daquele modo era terrível!

            - Ah, eu sou, sim, Gabrielle – os olhos da moça estavam toldado como os de um viciado em ópio, embora houvesse ali mais do que desejo por sangue: havia também uma pontada de terror a movê-la, como se fosse um leão muito tempo enjaulado que de repente se atira sobre um tratador abusivo – quero o sangue dele. Quero a dor dele. Ele vai pagar por cada dia que vivemos daquele pesadelo! Ela vai pagar por cada vez que te machucou. Vai sentir na pele toda a dor que nós duas sentimos, abelhinha, e então, quando eu o matar, nós vamos estar livres! – Esquivando-se à mão da irmã, ela esfaqueou seu algoz na barriga, num ponto não-letal. Teria feito de novo, se dois braços muito fortes não a envolvessem e a tirassem do chão, tirando-lhe toda a força.

            - Largue-me! – gritou ela, sem saber quem a segurava, crente que se tratava de um dos rapazes. Uma mão grande, fria e forte se fechou sobre a dela, arrancando-lhe a arma, e uma voz grave e poderosa se fez ouvir:

            - calma, Annie! Calma, sou eu! Sou só eu! – ela tentou lutar:

            - Eu vou matar esse bastardo, Erik! – ela tentou fugir às mãos do mascarado, mas o Fantasma a virou para si, obrigando-a a encará-lo:

            - Pare! – ele a sacudiu de leve, e soava quase zangado – esta não é você. Controle-se! – ao ver seu amado, a raiva da jovem se amenizou, e a sensação de estar segura em seus braços quase a fez chorar. De repente, todos os seus ferimentos doíam, mostrando o estrago que Lucian fizera nela; poderia ter caído no choro, se o orgulho não a impedisse.

            - Você não entende... – disse ela, a voz embargada de dor e de choro contido – não entende o que esse bastardo fez comigo e com Gabrielle... Não entende o que ele queria fazer, outra vez... Não vou deixa-lo vivo, Erik. Não vou deixa-lo vivo... – ela parecia em choque, mal tendo percebido a presença dos amigos. Vendo que as coisas ali ficariam bastante tensas, o Fantasma se voltou para Renard:

            - Tirem Gabrielle daqui. Eu resolvo, com Annika.

            Mesmo aos protestos, a adolescente foi levada pelos amigos, enquanto o Fantasma se via sozinho com sua amante e aquele que fora o carrasco dela por anos. Lucian sangrava pelos cortes, e estava apavorado demais para dizer o que fosse... O tipo mais desprezível de criatura que poderia haver! Olhando para Annika, o Fantasma viu o tremor em seu corpo, a lividez de seu rosto, e compreendeu que só a morte do homem na poltrona poderia fazê-la sentir-se segura outra vez. Ele próprio sentia um ódio frio, mortal e cortante, e teria enorme prazer em torturar a criatura que machucara novamente sua Annika.

            - Você está bem? – perguntou o músico, examinando os cortes da moça, que não sangravam tanto quanto esperado.

            - O bastante para acabar com esse filho da puta. – ela estava pouco ligando para seu vocabulário. Pegou outra vez a faca no chão, e se deliciou com o tremor que viu em seu velho dono. Ia aproximar-se e fazer outro corte, quando a mão de Erik se fechou sobre a dela: havia nos olhos dourados a mesma raiva assassina que em sua alma, porém, muito mais fria, muito menos passional. Uma raiva que ele aprendera a conter e canalizar. Como se fosse apenas um professor ensinando uma criança a ler, declarou:

            - Não desse modo. Você reage como um animal encurralado. Ele, agora, não pode lhe oferecer nenhum mal, então, por que a pressa? – um sorriso cruel se desenhou no rosto do músico, quando guiou a mão da mulher e a fez introduzir a ponta da faca por sob a unha de um dos dedos de Lucian, arrancando um uivo do homem, deslizando a lâmina até destacar completamente a peça da carne. Ela se deliciou com aquele som, mas Erik sabia que, se deixasse sua amada torturar o homem, ela jamais se perdoaria depois. Não se perdoaria, porque tinha um bom coração, e princípios elevados. Ele, Erik, porém, tinha um coração podre, e não sentiria o menor arrependimento. Aliás, ansiava por causar toda a dor do mundo a quem tanto ferira sua querida Annie. Sentando Annika na cama, disse – seja uma boa aluna, e deixe o mestre trabalhar. Deixe-me fazer o serviço sujo por você. Apenas observe, e delicie-se;

            Dolorida com os tantos cortes e mordidas em seu corpo, a pianista se sentou como se fosse uma criança assistindo a truques de mágica, e se deliciou vendo Erik demonstrar tudo o que aprendera na Pérsia, em termos de tortura física. Era incrível o que ele podia fazer com uma simples faca, e os gritos de agonia de Lucian eram, para ela, o bálsamo que curava suas velhas feridas. Nunca desejara a dor para os outros, mas aquele homem, que roubara sua infância e a de Gabrielle, arrancava o pior de dentro de sua alma e o fazia aflorar.

            Foi só quando Lucian, já mais morto do que vivo, implorou para morrer, que o Fantasma se ergueu, orgulhoso, e estendeu a faca para a dama:

            - Faça as honras, Mademoiselle. Este direito, eu não tenho.

            Trêmula de excitação, medo, adrenalina, raiva – emoções demais para citar – ela tomou o objeto e se aproximou do homem moribundo. Com uma voz fria que não revelava as chamas de vingança em seu interior, sussurrou ao ouvido de Lucian:

            - Nunca mais vai vender garotinhas, Lucian. O Diabo tem um bom lugar reservado para você, no inferno. – e com essas palavras, abriu um rasgo na garganta do cafetão, que gorgolejou asquerosamente, afogando-se no próprio sangue antes de, enfim, fechar os olhos na inércia da morte.

            Ao ver seu velho algoz expirar, enfim, a moça foi tomada por inúmeras emoções... Finalmente sentia-se livre, sentia-se liberta da vida da qual fugira, mas que permanecera consigo! Ao mesmo tempo, o choque de ter matado alguém tão friamente, de ter assistido a uma tortura com verdadeira satisfação, a culpa por sentimentos tão abomináveis que nutrira – que ainda nutria, e que talvez nunca fossem embora – a assaltaram com força, e ela cambaleou. Teria caído, se Erik não a pegasse nos braços:

            - Você está bem machucada. Vou leva-la para casa.

            - Estou bem, posso andar. – protestou ela.

            - Andar até a Ópera Garnier? – riu-se ele – achou que estamos um pouco longe. – ambos fitaram o cadáver – deixe-o aí, para que apodreça. É mais do que ele merece.

            Iam deixando a casa quando Annika, já não mais tomada pelo ódio mortal, virou-se para seu amado:

            - Erik, obrigada. Obrigada por não ter me deixado fazer aquilo... Eu o teria estraçalhado, como se eu fosse um animal...

            - Você não é assim, Annie – disse ele – o bastardo merecia uma lição, mas eu não podia deixar você fazer isso. Sei que se sentiria culpada por isso, depois.

            - E você, não?

            - Não. – respondeu ele, beijando os lábios da moça antes de coloca-la sobre o cavalo – Sinto-me culpado por ter ido tão rápido. Aquele rato merecia sofrer alguns dias, antes de morrer, por tudo o que fez a você e a outras moças.

            - Outras moças?! Ah, meu Deus! – exclamou a jovem – temos de voltar ao prostíbulo, AGORA!

            - Gabrielle falou o mesmo, e foi com os rapazes para lá.

— Tenho de ir, também! É urgente! – ela insistiu, embora estivesse exausta.

— Annie, você mal se aguenta em pé! O que quer que seja, pode esperar até amanhã! – repreendeu o Fantasma.

— Não, não pode! – ela ia descendo do cavalo, quando tudo ficou escuro, de repente.

Com certo remorso, Erik abraçou firmemente a moça desmaiada; não queria bater na cabeça dela, mas não lhe dera outra escolha. Sabia que Renard e Jean manteriam Gabrielle a salvo, mas agora precisava cuidar de sua Annika.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo me deixou louquinha! Escrevi e reescrevi as cenas um milhão de vezes, então só posso rezar pra que tenha ficado bom. O que acharam deste lado mais obscuro de Annika? Gabi - a gentil Gabrielle - empunhando uma arma de fogo, e nosso Fantasma, tão sedento de sangue por um lado e, ao mesmo tempo, tão preocupado em não deixar Annika se magoar, por outro! Convincente?
Imagino que estejam se perguntando como foi que Erik, Gabi e os garotos foram parar ali, mas isso só no próximo cap.
Obrigada por lerem, estrelinhas
beijos enormes para todas!



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