Anjo das Trevas escrita por Elvish Song


Capítulo 28
Amigos


Notas iniciais do capítulo

Oláááá´! Com a mudança feita (feita, não arrumada), estou de volta às postagens. Só posso escrever no fim do dia, então o atraso continua um pouco, mas aqui está um novo capítulo. Espero que gostem!



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            - Olááááá, Annika – a voz de Gabi pegou a pianista de surpresa, quando a menina pareceu surgir do nada. Com ar de malícia, a menina se deixou cair sentada sobre o baú de roupas da irmã, impedindo-a de se trocar – parece que o fim de semana com seu Fantasma foi mais do que satisfatório!

            - Gabi! – Annika tentou ficar séria, mas não conseguiu – sua diabinha, sabe muito bem o que aconteceu. – outra voz interrompeu a mulher, com gritinhos histéricos de alegria: tratava-se de Meg, que entrou no quarto com pulinhos, batendo palmas. Parecia até ter a idade de Gabi, e não estar prestes a fazer dezoito anos...

            - AAAHH! Meu Deus! Não acredito que vocês, finalmente, se acertaram! – a garota praticamente saltou sobre Annika – E então? Como foi?! Ah, você precisa contar TUDO!

            - Parece que minha irmãzinha desonrou um certo Fantasma – comentou Gabrielle, fazendo Meg cair na risada, como se fosse uma piada particular das duas. Annika, por sua vez, estava vermelha como uma cereja, e não sabia qual das mais novas estrangular primeiro.

            - Vocês duas querem calar a boca? Precisam, mesmo, anunciar para o teatro inteiro o que aconteceu? – percebendo que Annie tinha razão, as mocinhas se esforçaram por conter os risos antes de se sentarem na cama e, puxando a mais velha consigo, perguntarem:

            - E então? O que houve?

            Sabendo que não escaparia das duas sem contar ao menos um pouco do que houvera, Annika contou sobre o passeio à Torre Eiffel, sobre o almoço juntos, sobre a volta para casa. Contudo, tudo o que falou sobre a noite seguinte foi apenas que a passara com o Fantasma, o que arrancou gritinhos abafados de empolgação, de ambas as jovens, para desespero da pianista. Falou sobre como haviam tocado juntos, do desenho feito por Erik, de sua composição e, afinal, das horas no telhado, mas sem dar detalhes. Era como se aqueles momentos fossem apenas dela e de Erik, e ninguém, nem mesmo Gabrielle, devia saber sobre tudo.

            Afinal, com a curiosidade já saciada, Meg se lembrou de que a mãe, certamente, a esfolaria viva por estar atrasada para os ensaios, e deixou o quarto como uma bala; Gabrielle, porém , permaneceu com a irmã, que a levou consigo para uma das salas de música, a esta hora vazia. De imediato, a menor percebeu que a outra queria tratar de um assunto sério, pois foi em alemão que travaram sua conversa:

            - Gabi, estive pensando em algo...

            - Sempre tentando algo perigoso, Annie? Você sabe muito bem que eu sou o cérebro, aqui!

            - Engraçadinha – Annika deu um beliscão leve na cintura da menina, que riu – estou falando sério, abelhinha. Nossa vida mudou drasticamente. Não somos mais duas moças esquecidas pelo mundo, jogadas à própria sorte: tornei-me uma pianista, e começo a fazer um bom nome como tal. Você está se tornando uma violinista excelente, e logo deve integrar a orquestra de uma das óperas mais famosas da França...

            - Graças a Monsieur Destler. – disse a adolescente.

            - Graças a ele. Mas sabe... Eu estava pensando em todas as pessoas que, de um modo ou de outro, vivem no mesmo inferno que vivemos. Não necessariamente num prostíbulo, mas tendo de viver de crimes, ou sofrendo ameaças... Crianças órfãs, deixadas à própria sorte. Nós só pudemos mostrar nosso valor porque alguém nos deu uma chance. Será que não é nossa vez de retribuir ao Destino, dando uma chance para outras pessoas?

            A mais nova sorriu delicadamente, e acariciou o rosto sério da irmã, tirando uma mecha de cabelos louros de sua fronte, e colocando-os atrás da orelha ao dizer:

            - Nunca vou conhecer alguém com um coração como o seu, Annie. Sempre olha para os outros, para pessoas que não olhariam para você, se a situação se invertesse. – e deitou a cabeça no colo da outra – eu já disse quanto orgulho tenho, de ser sua irmã?

            - Não se orgulhe, Gabi – disse Annika, abraçando a pequena, a quem amava mais do que a própria vida – fiz coisas horríveis... Matei pessoas por nada... Destruí famílias. Machuquei muita gente, sem sequer saber se mereciam o que eu estava fazendo, apenas porque alguém me oferecera algumas moedas para fazê-lo... Não, você não deve se orgulhar. Estou em débito para com a humanidade, e tenho de, ao menos, tentar remediar o mal que fiz. Além disso, nós duas estamos em débito para com a vida, por ter posto Erik em nosso caminho. – ela se endireitou, empertigando-se – o que acha disso, abelhinha?

            - Concordo com quase tudo o que disse, exceto a parte em que não devo me orgulhar de você. – devolveu a adolescente – mas entendo sua intenção, e digo que pode contar comigo para o que for fazer. – e com um suspiro – mas o que tem em mente?

            - De imediato, apenas uma coisa. Mas vamos pensar em algo, para o futuro. – e assim, a pianista começou a explicar sua meta para a caçula, que exultou com a ideia.

*

            Três semanas depois

            Annika, Meg e Gabi se entreolharam com um sorriso. Fora difícil conseguir algo, na complicada e burocrática Paris, mas a pianista descobrira que, com um pouco de dinheiro e persuasão, era possível conseguir quase qualquer coisa, numa prefeitura corrupta. Agora entendia como podia haver tantos estabelecimentos clandestinos, sem falar em escravidão humana, num tempo onde tais coisas eram oficialmente proibidas. Porém, tudo dera certo, enfim, e agora as irmãs levavam Meg consigo, até a nova morada dos Garotos do Beco – que Madame Giry não o descobrisse, ou mataria as três!

            - Annie, Gabi, eu estou apavorada! – disse a bailarina – E se eles ficarem bravos com minha presença?

            - Nem pense nisso, Meg – tranquilizou Gabrielle.

            - Com certeza – concordou a mulher mais velha – Qualquer amiga nossa é, também, amiga dos rapazes. Apenas não se incomode com brincadeiras e comentários rudes: eles não tiveram ninguém para lhes ensinar modos.

            Assentindo, a bailarina engoliu em seco para esconder o medo: três jovens, andando pelos subúrbios da cidade, disfarçadas de homem com roupas tiradas dos figurinos usados, indo visitar um grupo de rapazes que moravam naquelas cercanias. Isso tinha como dar certo? Mesmo que nada acontecesse, se sua “aventura” chegasse aos ouvidos da mãe, ela já podia se considerar uma menina morta!

            - Fique sossegada, Meg – Annika podia sentir de longe o medo da outra – estou armada. Tenho uma faca no cinto, e uma pistola na bota, e sei usar ambas.

            Aquilo não tranquilizou a menina, que achava a ideia de presenciar um assassinato, no mínimo, desconfortável, para não dizer aterrorizante. Ah, por que ainda ajudava aquelas duas insanas com todos os seus planos?! Já não bastava acobertar os sumiços de Annie e Gabi, quando iam ver os Rapazes do Beco, visitar a Casa do Lago ou cometer qualquer insanidade como brincar de escalada nos prédios, à noite? Aquelas duas, por melhores que fossem seus modos em público, tinham um lado irreverente e que desprezava regras ou convenções sociais. Ainda tinham diversões dos tempos das ruas, como participar de rodas de lutas com meninos, e passear por telhados ao luar – ao que Erik ocasionalmente se juntava, para desespero da mocinha. E ela, além de acobertar tudo, ainda participava de algumas insanidades, como a que faziam agora! Mas devia ter perdido o pouco juízo que já tivera!

            Chegaram a uma casa de três andares, bastante grande, de fachada antiga e trabalhada, embora estivesse um tanto maltratada. Certamente fora algum tipo de solar, numa época em que a cidade ainda não avançara até ali; a maior parte das janelas tinha vidros – Annika havia ajudado os rapazes a comprar vidraçaria, para vedar a casa - enquanto algumas ainda eram fechadas por tábuas velhas. A porta da frente – de alta, de batentes trabalhados em Rocaille, no melhor estilo barroco – parecia ter sido recentemente consertada, pois estava como nova, e as paredes, embora tivessem marcas de infiltração, estavam limpas. Os rapazes estavam fazendo um ótimo trabalho!

            As três moças subiram os quatro degraus que separavam a porta da rua, e Annika bateu, chamando:

            - Charles! Renard! Claude! Sou eu, Annika!

            Não demorou para que a porta fosse aberta, revelando o rosto sorridente de Charles, que exclamou:

            - Annie! Gabi! Que bom ver vocês! – e reparando em Meg – olá, senhorita Giry.

            - Olá... Espere, como me conhece? – perguntou a jovem, confusa.

            - Eu sou Charles – riu o moço, estendendo-lhe a mão – impossível não saber que é a senhorita, uma vez que Annie sempre fala muito a seu respeito. – ele se afastou, permitindo que as moças entrassem – Entrem! Os outros estão lá em cima, terminando de arrumar a chaminé, para o inverno.

            As moças entraram, e Meg reparou, aliviada, que as roupas masculinas não haviam atraído qualquer olhar de estranhamento; na verdade, o menino parecia tão à vontade com sua presença, que ela já começava a se sentir à vontade, logo de entrada.

            - Charles – começou Gabrielle, estendendo um papel para o rapaz – deixei dois metros de lenha reservados na carvoaria Gouse, ontem. É só apresentar esse papel, e trarão de carroça a madeira. Vai ajudar com o inverno.

            O jovem ficou boquiaberto; não era a primeira vez que ajudavam uns aos outros, mas fora uma enorme gentileza, da parte da menina:

            - Obrigado, Gabrielle!

            - Nem me agradeça. Sei quantas vezes vocês ajudaram Annie, dando dinheiro a ela para que Lucian não nos machucasse. – a menina piscou um olho – só devolvendo o favor.

            Observando com atenção e satisfação o interior da casa – cujos móveis, apesar de antigos, haviam sido reparados pelos rapazes, e tido os forros costurados pelas mãos habilidosas da mulher, durante suas visitas – percebeu que começava a haver ali um ar de lar. A sala principal – grande, como esperado de um solar barroco – tinha as paredes vermelhas um pouco descascadas, mas o chão de pedra estava limpo, assim como a escadaria, cujos corrimãos haviam sido polidos até desaparecer a ferrugem. Ficou feliz em ver a ordem ali – ordem que ela se esforçara para ajuda-los a criar, nas visitas que fazia – enquanto subia as escadas, no que logo foi seguida pelos outros três.

            No andar de cima, foi recebida por um Claude suado e cheio de fuligem, que apenas fez um cumprimento de cabeça, por estar imundo demais para abraçar a jovens. Ignorando o carvão que o cobria, as Anjou se jogaram sobre o amigo, apertando-o com força, sujando-se também; rindo, ele comentou:

            - Já tinha me esquecido de com quem estava lidando. – ele olhou para Meg, e de imediato soube de quem se tratava – bem vinda a nossa humilde residência, senhorita Giry. Os outros acabaram de consertar a chaminé. Querem vê-los?

            Os rapazes se encontravam tão sujos quanto Claude, o que fez Annika ralhar de brincadeira:

            - Mas vocês estavam dentro da chaminé, por acaso, para estarem tão imundos?

            - Na verdade, eu estava – explicou Renard, batendo na própria camisa para tirar o carvão, o que só servia para espalhar mais a fuligem – precisava desentupi-la, e os menores não conseguem ir até lá em cima. Jean e Claude ficaram entalados no meio do caminho... – ele fitou as três, e pareceu estranhar a visita – mas o que estão fazendo aqui? Não que eu não goste dessas visitas, mas... É inesperado. Geralmente vocês vêm à noite!

            - Bem, não podíamos vir de noite, com Meg. As ruas são perigosas, e ela não sabe correr pelos telhados – explicou Gabrielle, indo abraçar o ruivo e usando os dedos para pentear os cabelos compridos do rapaz, tirando os pedaços de carvão. – E Annika precisa muito falar com você, raposa.

            - Comigo?

            - Você é o chefe dessa turba de malucos, não é? – provocou a mais velha, causando risos nos cinco moços. – é claro que quero falar com você, ruivo! Vamos para a outra sala, enquanto os outros terminam o trabalho aqui, pode ser?

            - É claro – ele se preparou para seguir a jovem, mas virou-se então para os outros – rapazes, moderem a língua: Mademoiselle Giry não é como Annie ou Gabi, e não está acostumada ao vocabulário de bordel de vocês. Se alguém a constranger, vou atirar o dito-cujo pela janela do sótão, entenderam? – mas suas palavras não pareceram muito preocupantes, uma vez que a curiosa Meg já abandonara o receio, ante a simpatia dos jovens, e entrava na lareira para tentar ver o que a estava obstruindo. Meneando cabeça com um sorriso, ele seguiu a amiga para o aposento ao lado, uma sala comunal improvisada, mobiliada com bancos longos, uma mesa de centro e três sofás meio rasgados, que Annika se preparou para costurar, em sua próxima vinda.

            Renard se jogou num dos sofás, despreocupado, e perguntou:

            - E então, ratinha? O que precisa conversar?

            - Renard... Eu sei que nada do que eu fizer vai poder pagar tudo o que vocês fizeram por mim... Mas eu gostaria de tentar.

            - Ora, Annika! – havia irritação na voz dele, quando se ergueu de súbito – nós já falamos sobre isso! Nenhum de nós estaria vivo, se não fosse por você! E ainda fala em nos PAGAR? – ela nunca o vira tão irritado, mas apenas sorriu, sem se levantar do lugar:

            - Então vou reformular minha frase: trata-se de gratidão, e não, de pagamento. – ela tirou um papel dobrado de dentro do casaco, e o estendeu a Renard, que o pegou com curiosidade:

            - O que é isso?

            - Abra. – ele o fez, e ali estava a escritura do casarão onde agora viviam, em nome de Renard Andrieux. O moço olhou para a amiga, boquiaberto, e ela explicou – A casa está em seu nome, Renard. Ninguém pode tirá-los daqui. É sua.

            - Mas, Annie... Eu não possuo registro. Em tese, não existo, para a lei!

            - Agora, existe. Subornei algumas pessoas para que todos vocês fossem registrados. Ah, eu tive de dar o seu sobrenome como sendo o dos outros rapazes, também, mas isso é só um detalhe. Agora, vocês todos existem perante a lei, e isso inclui poder ter bens em seu nome. Como esta casa.

            O jovem deu um passo à frente e envolveu a mulher nos braços, erguendo-a pela cintura e beijando-lhe o rosto, numa explosão de felicidade.

            - Annie! Como posso agradecer por isso?!

            - Não precisa, raposa – disse ela, ao ser posta no chão – você é meu irmão, tanto quanto Gabi; é justo que eu cuide de você, como sempre fez comigo.

            Ainda levemente em choque, o rapaz se sentou encarando a escritura. Era a primeira vez que os Garotos do Beco tinham um lugar fixo, do qual ninguém poderia tirá-los! Era a primeira vez que tinham um lugar ao qual poderiam chamar de lar... Como agradecer? Como começar a retribuir o que ela fizera?

            - Nem pense em tentar retribuir, raposa – disse a jovem, lendo a expressão do amigo – pensei muito tempo nisso, e seria eu a estar em débito, não apenas para com vocês, mas para com tudo em que acredito, se não o fizesse. Agora sou uma pianista, tenho um nome, tenho um lar – ela pensou no teatro que, mais do que nunca, era agora a sua casa, especialmente depois que Erik voltara a viver na Casa do Lago – mas nunca teria chegado até aqui, sem vocês. E é mais do que justo que não precisem mais ser os Garotos do Beco; é mais do que justo que tenham um lar, de verdade.

            Ele sorriu, os olhos marejados de comoção pelo gesto da moça, e a abraçou de novo. De repente, uma voz desconhecida, feminina, se fez ouvir:

            - Renard? – um novo garoto apareceu à porta; tinha cabelos castanhos e olhos escuros, parecendo estar com dezesseis ou dezoito anos, acompanhado de uma moça, aparentando a mesma idade, e com a mesma cor de cabelos e olhos do rapaz, com tal semelhança de traços que era impossível não perceber se tratarem de irmãos. Usavam roupas um pouco surradas, mas coloridas e vistosas. Suas peles eram morenas, douradas mesmo, e as feições lembravam algo os persas e árabes. A menina tomou a dianteira – Quem é ela?

            - Ah, é Annika, de quem eu lhes falei! – e para a jovem loura – estes são Sarah e Tarim, os mais novos integrantes do grupo. Tarim é o melhor artífice de cobre que já vi, e Sarah se apresenta em danças maravilhosas, nas ruas e em pequenas festas.

            - E como acabaram aqui? – perguntou Annika, surpresa, cumprimentando a ambos com uma aperto de mão amigável, curiosa acerca dos novos membros do grupo.

            - Ah, nossos pais são ciganos. Ou eram, até decidirem parar de viajar por aí, e ganharem a vida com comércio – explicou a moça, decididamente livre demais para os rígidos hábitos dos ciganos – Quiseram me arranjar um casamento com outro cigano sedentarizado, trinta anos mais velho do que eu. Mandei meu noivo para o Inferno e saí de casa; Tarim é meu gêmeo, e disse que me seguiria até o fim do mundo, então... Vim para cá, para a casa de Claude, meu namorado.

            - E acabou sendo a única moça que mora no “clube” – finalizou Renard, rindo-se e passando um braço pelos ombros da jovem morena – tem que ver como ela bate! Gostaria de ver as duas numa briga...

            - Ah, sem chance! – exclamou Sarah, dando um soco no ruivo. Seu irmão apenas sorriu, e Annie perguntou a ele:

            - É sempre tão calado, Tarim?

            - Meu irmão é mudo, Annika. – explicou a cigana – nasceu mudo, então, eu falo por nós dois.

            - Difícil é fazer calar a boca – brincou o ruivo, o que lhe rendeu outro tapa. Annika já começara a gostar muito de ambos os gêmeos, quando outra pessoa irrompeu no aposento: era Gabrielle, que pareceu atordoada ao ver Renard abraçado à cigana. Por um instante ela não reagiu, mas então perguntou, com farpas de gelo escapando da voz:

            - Quem são esses?

            - Sarah e Tarim – apresentou-se a cigana, estendendo a mão para Gabrielle. A menina não descruzou os braços, medindo a desconhecida de alto a baixo – novos moradores da casa.

            - Prazer – disse a adolescente, polida, embora seu tom de voz mostrasse que não era prazer algum. Renard percebeu a tensão, e foi dar um abraço em Gabi, que se afastou – você está imundo, raposa! Vai me sujar!

            Annika olhou com surpresa para a irmã, e de imediato compreendeu o que havia: Gabrielle, a doce e cordata Gabrielle, estava roída de ciúmes da proximidade entre Renard e a cigana. Se tivesse uma faca, a menina poderia cortar a cabeça da moça fora! Aquilo deixou a mulher em dúvida quanto a se deveria rir ou repreender a irmã; por via das dúvidas, preferiu deixar ambos para depois.

            - Bem, Renard, foi o que viemos fazer. – ela deu um abraço no amigo, e beijou-lhe a testa, querendo tirar logo a irmã dali – preciso voltar ao teatro, antes que sintam minha falta.

            - Você diz que o seu amante sinta sua falta? – provocou o jovem, que já sabia do relacionamento entre a pianista e o Fantasma.

            - Preocupa-me menos ele do que a mãe de Meg. Ele apenas viria à minha procura, mas Madame Giry me esfolaria viva, se soubesse que trouxe sua filha para os subúrbios, e logo ao entardecer. Temos de voltar antes que caia a noite. Eu e Gabi sabemos saltar pelos telhados, mas Meg, não, e as ruas ficam perigosas ao escurecer.

            - Bem, então temos de corrigir logo isso – disse Jean, entrando na sala ao lado de uma feliz Meg, que ria e brincava como se já fosse uma dos Garotos do Beco – o que acha, Meg?

            - Minha mãe me mataria, se soubesse disso.

            - Então, é melhor ela não saber. – devolveu Jean, encantador, beijando a mão da mocinha. Annika não gostou daquilo: Jean era um conquistador, e Meg, uma menina inocente... Teria uma conversa com cada um deles, depois, quando não precisasse acalmar uma irmã em fúria, prestes a degolar a cigana que estivera abraçada o chefe do grupo.

            Trocaram mais algumas palavras, mas logo as três jovens louras desciam as escadas, agora acompanhadas apenas de Renard, a cujas palavras Gabrielle sequer respondia. Estava furiosa, e o moço sequer compreendia por quê! Já na porta de saída, ele recomendou:

            - Vão depressa. Escurece mais cedo, nesta época do ano. Não querem que eu mande um dos rapazes com vocês?

            - Talvez queira mandar a nova amiguinha. Ela é ótima em uma briga, pelo que você disse – cortou Gabrielle, antes de virar as costas e começar a andar. Renard lançou um olhar indagador a Annie, que respondeu:

            - Depois eu explico. – droga! Queria que a conversa houvesse sido mais longa, que pudessem ter tratado de todos os assuntos que queria, mas isso teria de ficar para outra hora, graças à intromissão inoportuna da irmã, e ao hilário ataque de ciúmes. Droga! Sem escolha, puxou Meg pelo braço e foi atrás da menina, acenando um adeus aos amigos.

*

            - Gabi, aquilo foi totalmente desnecessário! – disse Annika, quando já haviam andado um bom pedaço. – que ataque de ciúmes mais idiota!

            - Idiota? Idiota é aquele ruivo bastardo, filho de uma puta... – a menina teria continuado xingando, se Meg não lhe tapasse a boca:

            - Tenha modos, Gabrielle!

            Mais contida, a mais jovem das moças respirou e prosseguiu:

            - Aquela cigana metida estava se ESFREGANDO nele, e ele nem fez menção de se afastar!

            - Ah, por favor, Gabi! Deixe de ser tola! Eu abraço Renard, jogo-me em seu colo, já o beijei na boca – ela nunca esqueceria do dia em que perdera uma luta contra Claude, e o pagamento fora dar um beijo em Renard... - e você nunca teve esses ataques idiotas de ciúmes!

            - Porque eu sei que você e Renard são como irmãos! Mas aquela tal de Sarah... É uma desfrutável!

            - E namorada de Claude.

            - O QUÊ?! – a menina se espantou.

            - Ela foi para a casa porque é amante de Claude. Ela e Renard são amigos.

            - E como sabe que ela não está interessada nele, também? É uma cigana! Todos sabem que os ciganos são...

            - Todos sabem que prostitutas são promíscuas que se lançam avidamente sobre os homens, para lhes tirar tudo o que têm. – cortou a mais velha, fitando intensamente a caçula, com as de dura repreensão – isso por acaso é verdade?

            - Não – murmurou a menina, baixando a cabeça. Foi Meg quem tomou a palavra:

            - Do pouco que pude ver, Gabrielle, reparei que ele olhava a todo momento para você, e não para a moça ao seu lado. Era em você que os olhos dele estavam presos.

            Um pouco irritada, um pouco confusa, sem compreender a própria reação, e sem saber se acreditava ou não em Meg, a garota trincou os dentes e voltou a andar, pisando duro. Caminharam juntas por mais alguns metros, quando Annika estacou, de repente.

            - O que foi? – perguntou a menina Giry.

            - Estamos sendo seguidos – sussurrou a mais velha – alguém que anda quando andamos, e para quando paramos. Ouvi os passos, um segundo atrasados em silenciar quando paramos. – ela não olhou para trás, pois sabia que isso mostraria estar ciente da perseguição. Tensa, sentiu com a mão a pistola oculta por sob a camisa, e ordenou em voz muito baixa – prossigam. Voltem ao teatro. Vou distrair quem quer que seja.

            - Não pode fazer isso! – exclamou Gabrielle – e se forem homens de Lucian?

            - Se forem, eu sou a única que esta duplamente armada. Pegue sua faca, Gabi, e proteja Meg, se precisar. Vão rápido. Irei atrás de ambas, assim que puder.

            - Mas...

            - Isso é uma ordem. – ela se voltou para Meg – não posso proteger a nós três, se houver uma luta. Se ficarem, morremos ou somos capturadas por quem estiver nos seguindo. Continuem em frente, e subam num telhado. Vai precisar aprender rápido, Meg, mas garanta que Gabi volte ao teatro, e não retorne para me buscar. Eu irei ao seu encontro.

            Apavorada, branca de medo, a garota Giry anuiu, compreendendo que nada poderia fazer: não sabia lutar, não podia ajudar em nada, além de garantir que a pequena de treze anos ficasse em segurança. Annika era uma mulher forte e vivida, que sabia se defender e estava armada. Além disso, ela conseguia escalar, enfiar-se em becos e esgotos e escalar prédios com velocidade... Ficaria bem, se não tivesse de cuidar das duas mais novas. Mesmo preocupada com a amiga, a bailarina puxou a violinista consigo, e logo ambas desapareciam numa esquina.

            Sozinha, Annie pegou a faca na bota – não mostraria que tinha uma pistola, a não ser que fosse a hora de sacá-la e atirar – e disparou na direção contrária, indo por uma viela que adentrava as periferias, em vez de sair delas. Os passos a seguiram, e ela soube que conseguira chamar a atenção de quem quer que fosse. Pior para aquele que pretendesse lhe fazer algum mal.


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Notas finais do capítulo

E aí? Annie outra vez se arriscando, mas, dessa vez, está duplamente armada. O que acham que vai acontecer?
Além disso, tivemos dois novos amigos - Sarah e Tarim. Quero saber o que acharam deles e, também, dos ciúmes súbitos de Gabi.
Obrigada por estarem acompanhando, e grandes beijos para todas!



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