Não escrita por Yokichan


Capítulo 2
The Viking




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Assim que a notícia se espalhou — “a garota problema e o cara sinistro do último ano”, eles diziam —, Ino decidiu que havia chegado a hora de tentar enfiar um pouco de juízo na cabeça de Sakura. Agarrou-a por um braço e arrastou-a pelos corredores da escola até um canto entre o armário de vassouras e a máquina de refrigerantes.

Sakura encarou-a e sentiu que a conversa não seria das mais agradáveis.

— O que pensa que está fazendo?

— O que você pensa que está fazendo? — Ino rebateu.

— Bem, eu... — e ergueu uma sobrancelha. — Estava indo para a sala de aula.

— Não banque a espertinha comigo, Haruno Sakura.

Sakura rolou os olhos e deixou os ombros caírem num suspiro derrotado.

— Se é do Itachi que está falando...

Oh, e já o está chamando pelo primeiro nome!

Ino parecia indignada e escandalizada ao mesmo tempo.

— Ah, corta essa. O que é que você quer, afinal?

— Que você pare de aprontar por aí.

— Prometo que vou tentar. — Sakura esboçou um sorriso sarcástico. — Algo mais?

— Sim. Não saia com esse cara.

Sakura entortou a boca numa careta de desdém.

— Estou falando sério. — e Ino parecia mesmo muito séria. — Ele parece...

— Perigoso?

— Bem, sim...

— Malvado? Traiçoeiro? — Sakura estava a ponto de rir.

— Oh, Sakura, pare de brincar. — um suspiro cansado. — Esse garoto não presta.

— Então está tudo bem. — e piscou um olho.

Porque, oras, ela era exatamente igual a ele nesse aspecto.

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Nos intervalos, Sakura sempre sabia onde achá-lo — não havia o espionado durante dois dias por nada. E na sombra de uma árvore, sentados sobre a grama, eles ficavam vendo o tempo passar. Às vezes conversavam.

— Então, onde você morava? — ela perguntava. — Antes de vir pra cá.

— Tóquio.

— E o que aconteceu?

— Fui expulso da escola.

Sakura ficava imaginando que diabos ele havia feito para ser expulso. Talvez tivesse batido num professor. Ou num aluno. Talvez tivesse ateado fogo na escola toda — ela pesquisaria na internet por possíveis incêndios em escolas de Tóquio quando chegasse em casa. Talvez tivesse cometido um crime imperdoável, e a idéia a excitava.

— Então seus pais mandaram você pra cá.

— Parece que sim.

Ela costumava ficar tão pensativa sempre que descobria um pedaço do passado dele, imaginando monstros e situações bizarras, que, sem perceber, continuava sugando a caixinha de suco há muito vazia e Itachi precisava arrancá-la de suas mãos. O barulho que aquilo fazia o irritava.

— E você? — ele perguntava.

— Eu o quê?

— Não vai contar nada sobre a sua vida?

Então Sakura jogava a cabeça para trás e gargalhava.

— Oh, eu sou só a garota problema da cidade.

Às vezes apenas ficavam em silêncio. Deitavam de barriga para cima, os braços cruzados debaixo da cabeça, e ficavam assim por um longo tempo, vendo as folhas da árvore balançarem com o vento logo acima.

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Ir embora da escola com Uchiha Itachi no final das aulas havia se tornado algo bastante frequente. Tão logo o sinal tocava, eles montavam naquela moto barulhenta e sumiam como um relâmpago, deixando fumaça e olhares chocados para trás. Então ele a deixava na frente de casa e, ao passar pela porta, ela precisava inventar desculpas para as perguntas da mãe.

Um dia, ao invés de simplesmente acelerar e desaparecer antes que ela alcançasse o portão de casa, Itachi ignorou o olhar desconfiado da Sra. Haruno na janela e disse:

— Dez horas.

Sakura virou-se com uma cara de quem não tinha entendido.

— Dez horas. E não me faça esperar.

— O que...

— Eu realmente odeio esperar.

E saiu riscando a rua com sua Harley Davidson — aquela maldita moto que a mãe de Sakura passou a detestar.

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Então, o que era mesmo que Ino havia lhe dito para não fazer? Agarrada à Itachi e com o rosto escondido em suas costas, Sakura sorriu, convencendo a si mesma de que não se lembrava mais. A moto roncava furiosa debaixo deles enquanto atravessavam a noite e os sinais vermelhos na mesma intensidade. O vento os atingia com força e Sakura agradeceu a si mesma por ter vestido uma calça jeans ao invés de uma maldita saia.

Itachi costurou entre alguns carros e entrou bruscamente numa viela escura. Só então diminuiu a velocidade. Sakura desgrudou um pouco de suas costas para espiar ao redor, mas só havia escuridão ali. Um gato saltando de repente de uma lata de lixo a fez soltar um gritinho e Itachi riu para si mesmo. Ela já estava prestes a perguntar para onde afinal estavam indo, quando ele enveredou por outra ruazinha igualmente suja e sombria e então Sakura pôde distinguir o barulho de vozes e uma música pairando no ar. E luz escapando por uma porta.

Ele parou a moto rente a uma parede e desceu. Sakura fez o mesmo.

— Você não tem medo de deixá-la aqui? — perguntou.

— Ninguém vai roubá-la. — disse Itachi.

— Como pode ter certeza?

— Todos sabem que ela é minha.

Oh, claro. E ninguém ia querer roubar uma coisa que era de Uchiha Itachi, ela pensou enquanto o seguia até a porta. Um bafo morno de cigarro, álcool e madeira velha a atingiu em cheio assim que entraram no bar — ou ela deveria chamar aquilo de espelunca cheia de gente esquisita? O lugar parecia mais uma daquelas tabernas sujas e medievais que apareciam nos filmes, e não era à toa que o chamavam de “The Viking”.

Como Sakura nunca soube que havia algo assim em Otsuki?

Ela encolheu-se às costas de Itachi e o seguiu até o balcão, sentindo que todos a olhavam e que aqueles olhares queimavam como ferro quente. Sob as luzes vermelhas do bar, ela viu mulheres góticas usando corsets apertados e meias-arrastão, homens de cabelos longos como Itachi e jaquetas de couro, outros com barbas selvagens e correntes penduradas nos pescoços e ainda outros de rostos assustadoramente pálidos que pareciam comê-la com os olhos.

Itachi sentou-se num dos bancos em frente ao balcão e pediu duas cervejas ao sujeito alto e carrancudo que ela imaginou ser o barman. Sakura encarou a garrafa diante de si por um momento e tentou adivinhar que gosto tinha. Até então, sua má reputação e a fama de garota problema não diziam respeito a bebidas.

Ela ainda tinha apenas dezesseis anos.

— Não me diga que... — Itachi a estava olhando com um meio sorriso torto.

— Cale a boca.

E bebeu o primeiro gole. Não era exatamente ruim, apenas... Estranho. Mas alguma coisa lhe disse que ela se acostumaria logo com o gosto e então o estranho não seria mais tão estranho.

Itachi sentiu que ela ficaria bêbada antes mesmo de terminar a garrafa.

— Então, é aqui que você se diverte? — ela quis saber.

— Às vezes.

— Hum.

Sakura descolou o rótulo de sua garrafa — havia um ASAHI* bem grande nele — e começou a fazer dobraduras com o papel úmido. Itachi achou graça do modo como ela balançava um pé ao ritmo da música.

— E você? — ele perguntou.

— Bem, eu tenho outro jeito de me divertir.

Lembrou-se da caixinha com o sapo morto que ela e Sai haviam colocado na mochila de Hinata naquela manhã e sentiu vontade de rir. Não que ela não gostasse de Hinata ou coisa do tipo, mas era simplesmente divertido vê-la gritar e sair correndo como louca.

— Sasuke me disse que você é uma delinquente.

— Lembre-me de matá-lo amanhã.

— Eu acho que é verdade.

— Um delinquente sempre reconhece outro delinquente, não é?

Itachi riu e Sakura deu outro gole em sua cerveja.

— Venha. — ele levantou-se. — Vamos jogar.

Ela avistou uma mesa de bilhar no fundo do bar e percebeu que era para lá mesmo que ele estava indo. Deixou os ombros caírem, e embora nunca tivesse segurado um taco de bilhar, pegou sua cerveja e seguiu-o.

— Eu não sei jogar.

— É só acertar a bola.

Ele largou a garrafa sobre a borda da mesa e foi até o suporte de tacos junto à parede escolher o seu. Sakura pegou o que ele lhe estendeu e encarou as bolas coloridas no centro da mesa de bilhar.

— Qual delas?

— Nós já vamos saber.

— Que diabos você está falando?

Itachi aproximou-se com aquele sorriso torto que estava começando a incomodá-la — era impressão sua ou estava ficando realmente quente ali dentro? — e começou a explicar as regras do jogo. Sakura bebeu mais alguns goles de cerveja e desconfiou de que estivesse ficando meio tonta. Sentiu aquele cheiro de cigarro que parecia impregnado em Itachi e desconfiou também de que havia começado a gostar bastante daquilo.

E, oh, ele estava tão perto.

— Enquanto ninguém encaçapar nenhuma bola, — ele dizia — você pode jogar com qualquer uma. Então o primeiro que acertar define quem fica com os números mais baixos e quem fica com os mais altos. Você sempre deve usar a bola branca para acertar as outras e nunca tocar na preta. Só se mexe com a preta quando...

Sakura não estava mais escutando coisa nenhuma. Estava muito ocupada bebendo sua cerveja pelo gargalo e reparando em como Itachi tinha um rosto bonito. Na verdade, ela achava que ele inteiro era muito bonito. Seus olhos negros, aqueles lábios finos e os ombros largos que lhe davam vontade de pendurar-se neles. Então as costas firmes e aquelas mãos grandes e pálidas...

Ela também estava reparando que ele era alguns bons centímetros mais alto.

Mas, oh, ela estava tão tonta e em algum momento teve a vaga impressão de que o taco deslizava de sua mão. Apoiou-se na mesa de brilhar e sentiu que ela ondulava e afundava como o resto do mundo. Então a voz de Itachi chamando seu nome, e como aquela voz era rouca e sensual e quase a fazia gemer.

O mundo estava girando e ela dava piruetas como uma bailarina.

A última coisa de que Sakura se lembraria daquela noite era de ser carregada por alguém enquanto tudo o que ela queria era rir até morrer.


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Notas finais do capítulo

*Asahi: marca de cerveja popular no Japão.



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