Os Jogos de Johanna Mason escrita por Tagliari


Capítulo 27
Capítulo 26 ― Modificada


Notas iniciais do capítulo

Duas fucking recomendações na mesma fucking semana??? Isso mesmo??? Aoooooo!!! Muito obrigado mesmo, Izzy e Jenny pelas palavras maravilhosas. Sério. Isso é algo que somente uma pessoa muito legal faria.
Bom, espero que gostem desse capítulo, que está mais animado que o anterior. Alguém aqui sentiu saudades da Tundra Follmann (a estilista aleatória) ou de Maxell Seekirk (o acompanhante aleatório)? Espero que que sim hehe
Até lá embaixo, cambada!

REVISADO EM 29.04.2076



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A CONVERSA PERTURBADORA QUE tive com Blye ainda ecoa em meus ouvidos enquanto empurro o purê de beterraba garganta abaixo. Sinto-me enganada, ludibriada. Os Jogos sempre foram abordados na escola como um passaporte para uma vida longa e boa, independente do preço a se pagar. Comida. Dinheiro. Paz. Tudo o que uma pessoa possa querer. Mas não é assim que coisas funcionam. Não na Capital.

Blye Lockheart foi bem clara ao ressaltar que devo fazer o que mandarem. Acatar ordens nunca pertenceu a minha natureza, tampouco obediência cega. Essa não sou eu. Sou selvagem. Incontrolável. Mortífera. Mesmo que minha mentora esteja errada sobre a Capital usar todos os meios disponíveis para subordinar-me ― como machucar minha família, por exemplo ―, acabo tendo a triste conclusão de que não é sensato testar a veracidade do que me foi dito. Acho que posso fazer o que me for mandado, apenas por enquanto. Afinal, não quero jogar no lixo todo o trabalho que tive para sobreviver à arena. Talvez eu não consiga ser adorável, amável ou simplesmente afável. Mas apenas tolerável. Sim. Eu posso fazer isso.

Quando termino de comer, levanto-me da cama com passos hesitantes. Fico grata ao poder andar mesmo depois de tanto tempo deitada e inconsciente. Pego a troca de roupa que está convenientemente dobrada aos pés da cama e visto-a. Já preparada, encaro as paredes brancas do quarto onde passei sei lá quanto tempo. Em algum lugar nesse quarto há uma passagem secreta que eles usaram para monitorar-me, mas não me lembro onde exatamente. Então a parede bem à minha frente abre-se em duas, revelando a saída.

Não vacilo ao dirigir-me para fora do quarto, deparando-me com um corredor amplo e deserto sem portas ou janelas. No final do corredor vejo apenas uma parede branca.

― Oh, aí está nossa vitoriosa ― alguém exclama atrás de mim.

― Johanna! ― outra pessoa diz no mesmo tom de animação, simultaneamente.

Cerro os dentes, pois reconheço as vozes detestáveis. Viro-me para o outro lado apenas para confirmar meus pensamentos. A poucos metros, um ao lado do outro, estão as criaturas mais desprezíveis da Capital, os últimos seres que eu esperava ver após voltar da arena.

Tundra Follmann e Maxell Seekirk estão radiantes, os olhos brilhando de entusiasmo por finalmente terem acompanhado um tributo até a vitória. O acompanhante abre um sorriso tão grande que tenho certeza que seu rosto se partirá em dois a qualquer momento enquanto a estilista estende os braços finos e compridos como se esperasse que eu fosse correr até eles e envolvê-la em um abraço apertado. Idiotas.

Penso em minha família, no Distrito 7 e os preparativos para a grande festa que comemorará a minha chegada como vitoriosa da septuagésima primeira edição. É isso que me mantém calma enquanto caminho até Tundra e Maxell. Seja tolerável, Mason, digo para mim mesma. O mais tolerável que for capaz.

Eles estão borbulhando de felicidade, quase explodindo. Ambos começam a tagarelar sobre como esse Jogos Vorazes foi incrível e em como entraram em choque quando o Vulcão Norte entrou em erupção. Em nenhum momento comentam a maneira com que os tratei antes de entrar na arena. É como se a estilista e o acompanhante sofressem de algum tipo de perda de memória seletiva, onde os momentos desagradáveis são deletados de suas cabeças enquanto dormem.

― Me diga, meu amor, o que você pensou quando matou aquela gracinha do Distrito Quatro? Agora, só metade da Capital te ama, porque a outra parte apostou na Ruiva Fatal e perdeu miseravelmente. Foi uma reviravolta e tanto! ― Tundra comenta, quase dando pulinhos de excitação. Ela continua a mesma desde minha partida; o mesmo nariz fechado em fendas, os mesmos lábios repuxados cirurgicamente e as mesmas tatuagens imitando as escamas de uma serpente. ― Mas eu perdi nada, claro. Eu sempre apostei em você. Juro de pés juntos. Bom, digo “apostar” no sentido de “confiar em sua vitória”, já que infelizmente estilistas não podem fazer apostas desde o problema que tiveram no ano passado. Eu sabia que você era especial no momento em que te vi na colheita e...

― Cala essa maldita boca ― rosno baixinho. Tundra ouviu, pois fica quieta imediatamente e franze o local onde deveriam estar as sobrancelhas. Seu olhar de choque é o que incentiva a continuar, dessa vez mais alto. ― Você é o tipo de pessoa que me faz desejar voltar para a arena, sua aberração burra.

A estilista recua um passo, assustada com meus modos rudes. É simplesmente impossível ser tolerável com eles ao lado. Por um segundo desejo uma arena recheada de tributos a ficar ouvindo a conversa fiada de Tundra Follmann.

― Onde está Blye? Pensei que ela estaria com vocês ― digo após um longo momento de silêncio absoluto.

Maxell pigarreia e pisca algumas vezes. Conforme pisca, as tatuagens douradas que emolduram seu rosto parecem cintilar.

― Blye teve que sair para fazer sei lá o quê após o minutinho a sós que teve com você. E Phox, o mentor do outro garoto, já foi embora. Não precisam mais dele aqui ― o acompanhante responde prontamente e dá um rápido sorrisinho afetado para a Mulher Cobra, satisfeito por ter sido útil para a mais recente vitoriosa dos Jogos. ― Ainda temos que te aprontar para a retrospectiva.

Dito isso, Maxell se despede de mim com um arquear de lábios e deixa-me nas mãos de uma atípica Tundra Follmann calada e dócil. Em silêncio, a estilista me guia até o final do corredor, onde o elevador que nos levará até o sétimo andar do Centro dos Tributos nos espera.

Quando as portas do local que usaram para me aprisionar até o início dos jogos se abrem, deparo-me com Alecta e Alysia, minha equipe de preparação. Ao lado deles estão uma dupla de Pacificadores uniformizados.

Solto um largo e perverso sorriso para elas, fazendo as gêmeas encolherem-se de medo. Algo me diz que a dupla ainda não superou o meu último ataque irritadiço tanto tempo atrás durante a sessão de embelezamento. Meio hesitantes, elas me guiam até meu quarto, flanqueadas pelos Pacificadores. Assim que as portas se fecham, os guardas se colocam bem no centro da passagem, impossibilitando qualquer tipo de saída.

Fico quieta enquanto elas trabalham em mim, fazendo as unhas, aparando as sobrancelhas e remodelando o cabelo. Logo essas partes ficam prontas e chega a hora da depilação. Alecta ― ou será Alysia? ― gagueja quase que de forma inaudível para eu tirar a roupa. Encaro a mulher de cabelo cor magenta por um longo segundo, ela desviando o olhar quase que no mesmo instante, amedrontada, e digo que não o farei. Se elas quiserem me ver nua, que se aproximem e dispam-me por conta própria. As gêmeas se entreolham e Alysia dá de ombros, dizendo que não preciso me incomodar, pois o vestido é longo e cobrirá grande parte do meu corpo.

Sorrio para elas, satisfeita. Acho que posso me acostumar a ser temida dessa maneira. Uma sensação gostosa de poder percorre meu corpo toda vez que as irmãs encolhem-se sob meu olhar.

Ouço alguém bater na porta três vezes e um dos Pacificadores a abre. Tundra entra renovada no recinto, ignorando ou esquecendo-se de como a tratei menos de duas horas atrás. Em suas mãos está o vestido que usarei durante a retrospectiva. A estilista estala os dedos e manda os guardas saírem do quarto, pois “uma dama nunca deve mostrar sua intimidade para homens antes do casamento”. As gêmeas estão tentando se retirar sorrateiramente quando Tundra mexe o indicador negativamente e diz que se um dias elas quiserem ser uma estilista tão famosas quanto Tundra Follmann, é necessário aprender o básico, ou seja, como arrumar e fazer ajustes de última hora no vestido de uma vitoriosa.

A estilista guia-me até a frente do imenso espelho de corpo inteiro que cobre toda uma parede do cômodo e manda-me tirar o roupão. Como não tenho opções, obedeço. O tecido acetinado corre por meus ombros e cai ao chão. Assim que fico nua, encaro embasbacada a garota do espelho.

Ela com certeza não sou eu.

Com exceção dos familiares e grande olhos castanhos, ela se parece em absolutamente nada comigo. Os lábios estão fartos e as maçãs do rosto mais altas e coradas. O nariz agora se encontra pequenino e delicado, alterado cirurgicamente ― assim como quase tudo em mim. Minha pele está homogênea e uniforme, sem manchas ou falhas, as cicatrizes da arena completamente obliteradas. Procuro pela pequena marca no canto do olho direito que tenho desde quando nasci, mas não a encontro. Eles conseguiram apagar até mesmo isso. Meus seios também estão maiores, mesmo que ligeiramente, e posso jurar que minha cintura está mais fina, proporcionando curvas que nunca tive antes. Descubro o motivo assim que conto minhas costelas, pois faltam duas.

― O que vocês fizeram comigo?! ― cuspo ao virar-me e cravar os olhos em Tundra. De soslaio, percebo as gêmeas da Capital esgueirando-se porta à fora, possivelmente temendo minha ira.

A estilista franze o cenho, confusa.

― Como assim o que fizemos? Nós te melhoramos, meu amor. Olhe só para si mesma. Você está de dar inveja em qualquer uma, ainda mais com um quadril desses. Ah, e vale lembrar que a ideia de retirar as costelas foi minha. Nem precisa agradecer ― ela comenta e abana a mão em um gesto como se dissesse para eu deixar isso para lá.

― Me melhoraram? ― pergunto quase que em um murmúrio, sentido meu estômago dar cambalhotas.

A Mulher Cobra revira os olhos.

― Claro que sim. Agora você está deslumbrante, Johanna! Não conte para ninguém, mas eu mataria por lábios tão perfeitos.

Raiva pura e líquida corre em minhas veias. Quero socar alguém, bater nessa pessoa até que seu corpo torne-se uma massa irreconhecível de carne sanguinolenta. Se eu tivesse um machado aqui, Tundra possivelmente já estaria morta. Eu grito. Solto um som gutural e sem significado, expondo todas as minhas frustrações. Tento ao máximo transformar meu ódio em palavras, pois se eu começar a socar Tundra, nem mesmo os dois Pacificadores conseguirão deter-me.

― Vocês me melhoraram porcaria nenhuma! Vocês me destruíram, seus bestantes grotescos e desprezíveis! Olhe para mim. Olhe para mim! Essa não sou eu! Essa não sou eu! Eu quero matar vocês. Quero apertar seu maldito pescoço até que você está morta, sua maldita aberração! Maldita, maldita, maldita!

Com um estrondo a porta se abre e os homens uniformizados de branco irrompem com os bastões nas mãos. Lá no fundo, sei que eles não se atreveriam a ferir a ganhadora dos Jogos Vorazes, mas resolvo não arriscar. Além do mais, não há mais nada a ser dito para minha estilista, que agora se encolhe e soluça em um canto do quarto. Estranhamente, sinto-me tranquila novamente, como se precisasse apenas de extravasar tudo o que sinto pela Capital e pelos próprios Jogos Vorazes. Leve como uma pluma.

― Não se deem ao trabalho. Eu acabei ― digo aos Pacificadores durante uma respiração ofegante, pois parece que acabei de correr por quilômetros em uma floresta íngreme e ardilosa. Obviamente, eles não saem do lugar, de prontidão para conter uma vitoriosa rebelde.

Um dos guardas dá a volta por mim com extrema cautela como se eu pegasse fogo e dirige-se para a mulher careca e tatuada. Ele se curva e pergunta, sua voz saindo abafada devido ao capacete, se eu a machuquei. Tundra choraminga mais um pouco e funga algumas vezes. Por fim, murmura que eu apenas feri seus frágeis sentimentos de celebridade.

Tenho vontade de surtar novamente, avançar, roubar um dos bastões de contenção dos Pacificadores e bater na estilista até que seu rosto fique irreconhecível. Como sei que minha vida não se tornaria mais fácil se eu fizesse isso, suspiro fundo uma, duas, três vezes, perguntando-me se ainda existe a Johanna Mason de um dia antes da colheita dentro de mim.

Lamentavelmente, sei que a resposta é não.


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Notas finais do capítulo

Bom, espero que tenham aprovado as atitudes da nossa temperamental Johanna Mason. E então, o que acham que irá acontecer nas cerimônias da retrospectiva e da entrevista? Altas tretas? Sim, com certeza ou claro?
Até quinta, cambada!



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