Os Jogos de Johanna Mason escrita por Tagliari


Capítulo 26
Capítulo 25 ― Sob o domínio da Capital


Notas iniciais do capítulo

Bom, tenho que agradecer a todos que comentaram no capítulo anterior, principalmente aqueles que me encheram de elogios (hahahaha zoas). Sei que é triste, que já estamos caminhando para o final definitivo de Os Jogos de Johanna Mason (sim, sim, até posso ouvir o choro de vocês daqui).
Então espero que aproveitem esse pós-Jogos.

REVISADO EM 29.04.2017



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A EUFORIA DA CAPITAL É transmitida ao vivo na arena, milhares de vozes gritando e dizendo coisas incoerentes em uma única explosão de ruídos e alegria. Enquanto a multidão delira, fico parada, apenas olhando para o céu ― as cinzas finalmente pararam de cair ― e esperando minha carona para casa. Não entendo como essas pessoas podem ficar tão felizes com isso. Não é natural, não é humano. Já tentei me colocar no lugar deles, mas é impossível porque não há sentido no que fazem, no que gostam e não gostam. São como bestantes ou até mesmo pior.

Em um piscar de olhos, um aerodeslizador se materializa acima de mim e descem uma escada. Não hesito em segurá-la e colocar ambos os pés no primeiro degrau, e logo após uma corrente elétrica prende-me ao objeto. Um homem vestido de branco estende a mão quando chego à entrada da nave, mas recuso a oferta e subo sozinha. Jogo-me no chão frio e metálico, de repente exausta, olhando para as luzes ofuscantes no teto, artificiais e brilhantes demais.

Eu venci.

Custo a acreditar nisso, que realmente superei os Jogos Vorazes, que sou a septuagésima primeira vitoriosa do evento. Entretanto assopro esses pensamentos para longe quando começo a pensar nos vinte e três tributos mortos em cada uma dessas setenta e uma edições. Nunca é bom pensar nos números. Sinto-me diferente, mas não satisfeita com tudo. Apenas vazia por dentro.

Foco minha mente em coisas mais alegres, como minha família. Finalmente irei revê-los. Meus pais, Aggie, Siena. Ah, a doce e amável Dahlia... Irei abraçá-la com certeza assim que colocar os olhos sobre ela. Não vejo a hora de mostrar para minha irmã como doces e açúcar podem ser gostosos, uma vez que nunca tivemos condições de comprar essas guloseimas. E também há Aggie. Aposto que ela vai surtar de tanto chorar ― se é que já não está fazendo isso nesse exato momento. Estarei a salvo no Distrito 7, finalmente, cercada por todos que amo. Nem mesmo os Jogos Vorazes podem tirar isso de mim.

― Parabéns ― uma mulher sorridente com cabelo azul aparece na minha frente. Em sua mão há uma elegante bandeja de prata. Na bandeja, um delicioso copo de suco de laranja. Gelado.

Não resisto. Sequer preocupo-me com as congratulações da serviçal dirigidas a mim. Tomo longos goles da bebida refrescante e acabo com o copo em dois segundos. Peço mais, mas a mulher nega com a cabeça, dizendo que preciso descansar para as cerimônias daqui sete dias. Ameaço-a, dizendo que se não trouxer outro copo cheio, vou arrancar a cabeça dela fora assim como fiz com Eros Redpath. Isso só faz com que ela se afaste ainda mais rápido para a proteção de uma parede de vidro que nos separa.

Um minuto depois, outra mulher aparece. Seus olhos estão saltados e esbugalhados ― possivelmente devidos a uma cirurgia que dera errado ―, uma máscara branca cobrindo-lhe parte do rosto. Ela segura uma seringa na mão.

― O que é isso? ― pergunto, receosa, quando a médica se aproxima.

― Um sedativo. Vai fazer você dormir para tomarmos as medidas necessárias com seu corpo. Você vai sentir apenas uma picadinha.

Lembro-me da sensação de inconsciência que me tomou quando minha equipe de preparação teve que sedar-me para preparar-me para o desfile dos tributos e logo dou um tapa na mão da mulher que segura a agulha quando chega perto, fazendo a seringa rodopiar e voar para o outro lado do compartimento. Eles não vão me sedar. De novo não.

― Toque em mim e juro que te mato, ouviu? ― rosno.

Infelizmente, minhas palavras são em vão, pois uma porta se abre e cinco homens de branco enchem o recinto. Sei que é uma batalha perdida, mas mesmo assim luto e resisto. Desfiro socos, pontapés e mordidas em quem estiver na minha frente, mas logo sou vencida e sinto a agulha perfurar meu pescoço.  

•••

Quando acordo, sei que não me encontro mais no aerodeslizador, que devo estar em alguma sala no subsolo do Centro dos Tributos. Uma débil luz amarelada inunda a sala, mas não fere minha visão. Gosto disso. Olho ao redor e percebo estar sozinha, apenas minha cama e eu. Tento erguer as mãos, mas uma espécie de tala restritiva ata-me à maca. Dezenas de tubos estão conectados a mim e plugados a uma máquina na parede que faz um som pausado que se repete de segundo em segundo.

Tento chamar alguém, mandar tirar essas coisas de mim, mas nenhum som sai da minha boca. Roço a língua nos lábios e sinto-os inchados e secos, cortados. O que fizeram com eles? Forço a memória para ver se me lembro de algum ferimento causado na boca durante a arena, mas nada me ocorre. Pensei que eles consertariam apenas o que estava quebrado e rasgado, e não que me machucariam mais.

Minha cabeça começa a doer e a frequência do som do aparelho aumenta. Um compartimento que eu não notara antes se abre e uma mulher passa por ele. Por um segundo penso se tratar de minha mãe, pois ela tem a mesma estatura baixa e as bochechas coradas, mas tenho certeza que minha mãe não tem argolas nas sobrancelhas ou uma estrela tatuada na testa como essa mulher.

― Você precisa descansar, querida ― ela diz e somente então percebo que há uma seringa em sua mão.

Tento debater-me, mas não tenho forças o suficiente para resistir. A agulha afunda em meu pescoço e durmo quase imediatamente. De novo.

•••

Na segunda vez que acordo, há alguém ao meu lado. Uma mulher extremamente bonita com o cabelo tão negro quanto as asas de um corvo está sentada ao meu lado em uma desconfortável cadeira metálica. É Aggie Mason, eu acho.

Sorrio para minha irmã. É reconfortante ver um rosto familiar e ter certeza que este não quer te matar.

― Você não devia ter acordado, Johanna. Eles ainda vão te colocar para dormir mais algumas vezes até chegar a hora certa. Sinto muito ― ela diz, mas tem algo de errado com sua voz. Melodiosa demais para alguém que passa a vida gritando para ser ouvida sobre as máquinas barulhentas da fábrica de papel. ― Johanna? Você está me ouvindo? Ou ao menos me enxergando? Sou eu, Blye Lockheart, sua mentora.

Blye? É você?, eu tento dizer, mas apenas um som inaudível sai de meus lábios.

Uma máquina começa a bipar mais alto do que antes e novamente a parede se abre em duas, revelando uma passagem. Um homem vestindo branco entra na sala, a seringa na mão. Sei o que vai acontecer e fecho os olhos.

•••

Isso se repete por diversas vezes e eu logo perco as contas. Acordar e dormir, dormir e acordar. Sempre a mesma coisa, nunca diferente. Então chega o dia em que, quando abro os olhos, encontro uma atraente bandeja sobre uma mesinha ao lado do leito. Dentro da bandeja está uma refeição pobre para os níveis da Capital: uma tigela com um caldo claro, uma pequena porção de purê de beterraba e um copo de água. Não tinha notado isso antes, mas estou faminta. Entretanto, a desconfiança é maior que a fome e mantenho distância da comida.

Entediada, durmo. Quando volto a abrir os olhos, encaro uma bandeja diferente ― dessa vez há uma porção ligeiramente maior de purê. E mais uma vez, recuso-me a comer. Afinal, os tubos conectados ao meu braço podem fazer isso por mim.

Então chega o dia em que quando acordo, não estou mais sozinha. Uma mulher jovem com cabelo louro e uma túnica lilás está ao meu lado. Uma Avox. A bandeja encontra-se em seu colo, uma colher na mão. Após mergulhar o talher no caldo claro, assopra algumas vezes e dirige a colher até meus lábios.

Ah, nem morta.

Dou uma cabeçada em sua mão, fazendo a sopa cair em meu peito. A Avox abre a boca no que deveria ser uma exclamação de medo e afasta-se. Eu gostaria de gritar e esbravejar, dizer que ninguém dará comida na minha boca enquanto eu respirar, mas logo me sinto cansada. Tão cansada... Fecho os olhos, convencendo a mim mesmo que será apenas uma piscadela, mas eu deveria saber que não ando muito confiável e durmo.

•••

Então, para a minha surpresa, quando volto a acordar, novamente há alguém ao meu lado. Fico ligeiramente aliviada, pois sei que essa pessoa não tentará me alimentar como se eu fosse um vegetal.

Encaro o rosto sereno de Blye Lockheart e seus sagazes olhos castanhos, dessa vez afundados em olheiras. Pensei que ela fosse me parabenizar ou ao menos dizer estar feliz por eu continuar viva, mas agora percebo que é uma ideia idiota. Porque ela já esteve em meu lugar, sabe como me sinto.

Blye franze os lábios em um claro sinal de descontentamento.

― Você tem que parar com isso ― minha mentora diz. ― A Capital não tolera vitoriosos rebeldes. Temos que dançar conforme a música.

Franzo o cenho, pois suas palavras estão desconexas em minha cabeça.

― Dançar conforme a música? ― indago, uma frase inteira após tanto tempo sem pronunciar uma palavra sequer. Minha voz soa rouca pela falta de uso, mas não falha. Faço uma pausa, de repente cansada. ― Ou o quê? Vão me matar? Eles já tentaram isso. Me jogaram na arena ― faço outra pausa, tomo fôlego e prossigo: ― E não funcionou.

Blye olha para os lados de modo hesitante como se esperasse a parede se abrir e surgir dali um esquadrão de Pacificadores ordenados a nos matar. Claro que ninguém vem.

― Não devemos falar sobre isso. Não aqui ― ela sussurra. ― Eu vou te dizer como as coisas funcionam, Johanna: os Jogos não é a pior parte. Você obedece a eles ou... coisas ruins acontecem. Isso nunca vai mudar.

― Coisas ruins? Eles já fizeram coisas ruins comigo suficiente para toda uma vida ― rebado, pois o discurso soa para mim como as palavras de uma vitoriosa paranoica. Os Jogos definitivamente acabaram, ao menos para mim.

Não ― ela ruge. ― Ainda não fizeram. Você só vai poder ter uma vida normal no Distrito Sete se souber obedecer, não importa o que te mandem fazer. Aí, quem sabe, você terá um bom futuro. Entendeu?

Inexplicavelmente, meu coração desata a bater mais forte, quase saltando de minha boca. Acontece que eu nunca fui boa em submeter-me a qualquer um. Eu não obedecerei a Capital, não serei seu cachorrinho de estimação. Porque essa não sou eu. Ganhar os Jogos Vorazes é como obter um bilhete que te levará para uma realidade ligeiramente mais segura. Foi isso que nos ensinaram na escola, isso que sempre disseram nas florestas enquanto erguíamos os machados.

― Eu não vou obedecer ninguém. Não tenho medo das consequências. Eu aguento ― digo, fechando as mãos em punho.

Blye novamente olha para os lados, preocupada, talvez esperando os Pacificadores vir nos buscar.

― Não se trata apenas de você, Johanna. Entenda isso. Os Jogos nunca acabam. E se você quer que sua família continue bem, é melhor aprender a aceitar o que lhe foi dito. Ou aqueles que você ama também entrarão no jogo.

Aqueles que amo? Não entendo o que Blye quer dizer, pois minha família não faz parte disso e nunca fará. Fui eu que ganhei os Jogos Vorazes, fui eu que resisti a tudo isso.  Então o que as pessoas que amo tem a ver com isso? Minha cabeça roda a milhares de quilômetros por hora, apenas tentando encontrar um significado para tudo isso. Blye está enganada. Tudo o que disse é mentira, simplesmente porque não pode ser verdade. Não pode ser. A Capital não faria mal a eles apenas para manipular-me, certo? Ou estou infinitamente errada?

Abro a boca, pois tenho centenas de perguntas para fazer, mas nenhum som sai. É como se eu estivesse perdida, submersa em um lago congelado, tentando abrir um buraco no gelo para emergir e encontrar ar.

Blye olha para mim e sorri como se tivesse me parabenizando por ganhar os Jogos, ignorando a existências de suas últimas palavras.

― Aqui ― ela estende a bandeja para mim. ― Coma tudo.


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Notas finais do capítulo

Sim, Blye tem uns conselhos muito úteis, não é? Bom, e então, vocês acham que a Johanna vai seguir (ou ao menos tentar) tudo o que lhe foi dito? Afinal, tentar dominar Mason é como tentar capturar uma sombra, impossível (caraca, tenho que colocar isso na fic).
Até quinta, cambada!



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