Os Jogos de Johanna Mason escrita por Tagliari


Capítulo 25
Capítulo 24 ― Sangue e glória


Notas iniciais do capítulo

Aeeeeee!!! 400 FUCKING REVIEWS!!!! Ok, ok, agora sinto que já zerei a vida. Galera, só tenho a agradecer a todos vocês por tudo isso. Sério. E também tenho que parabenizar a Talissa Alves pela recomendação super legal. Muito obrigado mesmo, cambada!

E nem acredito que já estou postando esse capítulo, que já é o tão esperado desfecho da arena (relaxa que ainda tem mais). Só posso torcer para que gostem das palavras aqui escritas porque o circo vai pegar fogo! Enfim eu vos apresento o último combate da septuagésima primeira edição dos Jogos Vorazes!

REVISADO EM 28.04.2017



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― TEM CERTEZA QUE É AQUI? ― questiono em tom cético, colocando a mão sobre os olhos para tentar enxergar melhor, pois o sol forte está contra nós. Não sei exatamente que horas são, mas tenho certeza que era para estarmos vendo uma noite estrelada no lugar de uma tarde ensolarada sem nuvens.

― Tenho sim. Não está vendo o tempo? Eles não querem que o último combate da septuagésima primeira edição seja no escuro ― Sapphire diz, referindo-se aos Idealizadores.

Suspiro fundo, de repente apavorada. Essa é uma sensação nova para mim aqui na arena. Lembro-me de ter ficado entediada, ansiosa, entorpecida, zangada e nervosa, mas nunca apavorada. Estou assustada assim como quando tive o nome sorteado na colheita. Tão fria de medo quanto as colunas de mármore do Edifício da Justiça.

― Você pode estar enganada. Tem muitos vales de piscinas termais parecidos aqui.

Encaro novamente o cânion abaixo de mim. O vapor sobe até meus joelhos e não tenho ideia do que esse vale abriga ou ao menos a real profundidade dele. Chuto uma pequena pedra que está na beirada, que logo é engolida pela névoa. Um piscar de olhos depois, ouço-a tocar o chão.

Ergo a cabeça bem a tempo de ver minha aliada revirar os olhos.

― Eu não estou enganada. Olhe lá, bem do outro lado. Está vendo aquela rocha? ― ela pergunta ao apontar para a imensidão enevoada. Demoro alguns instantes para encontrar o ponto ao qual Sapphire se refere, mas quando vejo, sei que estamos no lugar certo. Projetando-se ligeiramente acima da linha vaporosa há a ponta de uma rocha tão alta quanto o cânion. ― E ali ― ela aponta para as árvores no norte ―, a dois dias de caminhada, fica o que sobrou da Cornucópia depois do vulcão tê-la destruída. Satisfeita?

Aceno positivamente com a cabeça.

― Então vamos descer ― concluo e completo um segundo depois: ―, mas lembre-se que assim que matarmos a carreirista, a aliança estará desfeita.

Sapphire faz um muxoxo como se o que eu disse fosse a coisa mais óbvia do mundo.

― Sim, eu sei. Não sou burra.

Deixo a garota do chicote ir na frente. Nós circundamos o cânion por alguns metros até encontrar uma espécie de escada improvisada, esculpida por homens e não pela natureza. Após um instante de hesitação, Sapphire desce o primeiro degrau rochoso. Em um passo de cada vez, logo seu corpo é totalmente oculto pelo vapor.

― Pode vir ― uma voz diz na imensidão enevoada.

Cerro os dedos ao redor do cabo de meus machados. A sensação da madeira polida ao toque chega a ser reconfortante. Você vai embora hoje, digo para mim mesma ao seguir a garota manchada. De um jeito ou de outro.

É impossível enxergar qualquer coisa há um palmo de distância ― a única forma identificável é a débil silhueta de minha aliada à frente. Sou obrigada a usar a parede do cânion como guia, pois sei que a escada é estreita e um passo em falso pode ser o responsável para uma queda mortal. O esforço necessário para descer o vale junto com o ar abafado do vapor me dá a sensação de que estou caminhando para o centro da Terra.

Estou certa de que já descemos centenas e centenas de metros ― embora possa estar errada, pois a ansiedade faz coisas engraçadas com meus sentidos ― quando ouço um pequeno ruído, arrastado e contínuo. Um zumbido. Mas não é natural. São máquinas.

Dou um último passo e sei que cheguei ao fundo do vale.

― Bestantes? ― minha aliada indaga.

― Armadilhas? ― rebato.

― Não sei. Mas acho que vamos descobrir agora. Prepare-se ― Sapphire diz à minha frente. A um metro de distância, identifico o seu vulto desenrolar o chicote de couro da cintura, preparando-se para a batalha.

Meu coração começa a bater acelerado no peito, ribombando tão forte que chega a cobrir o zumbido ressoando em meus ouvidos. É agora. O fim. Sei disso. Todos nós sabemos. Corajosamente, avanço alguns metros às cegas para frente, pois a última coisa que quero é estar encurralada contra a uma parede. Sapphire, muito sabiamente, segue minha linha de raciocínio e prepara-se ao meu lado. Como se tivéssemos ensaiado, soltamos as mochilas das costas, fazendo as alças deslizar pelos ombros e caírem ao chão.

― Está sentindo isso? ― a garota do 10 pergunta.

Concordo com a cabeça, embora ela não consiga enxergar o ato. Claro que estou sentido isso. É o chão, vibrando. Olho para baixo esperando ver o solo pedregoso partindo-se sobre meus pés como um terremoto causado por uma máquina da Capital, mas a única coisa que enxergo é a densa cortina de névoa cobrindo meus dedos. Entretanto, algo estranho acontece com o vapor. Ele está se movendo, deslizando para baixo, sugado pelas rachaduras nas placas rochosas que é o chão.

Não é necessário muito tempo para que eu entenda o que está acontecendo. Claro que a Capital não quer que a transmissão da última luta seja atrapalhada por uma névoa inconveniente. O zumbido deve vir da máquina abaixo do chão que é a responsável para eliminar o vapor de vez. Enquanto o nevoeiro é drenado, olho atentamente para os lados enquanto percebo as formas tornando-se claras. Em questão de minutos, o vapor vira história.

Eu esperava encontrar dezenas de minúsculas piscinas termais espalhadas pela extensão do cânion, mas há apenas o chão rochosos sob meus pés. A única coisa que há no vale é um pequeno aglomerado de rochas pequenas e grandes apontando para cima, no outro lado da extensão, encostada ao paredão leste, cerca de uns duzentos metros de onde estamos.

― É ali ― Sapphire diz ao apontar para o aglomerado pedregoso.

Junto as sobrancelhas.

― O esconderijo? Só há pedras.

Minha aliada revira os olhos.

― Você está errada. De novo. Vamos. Temos que acabar logo com isso.

Suspiro fundo, de repente satisfeita. Sim. Vamos acabar com isso.

― Certo. Mas cuidado com os dardos perdidos ― digo em tom zombeteiro.

Sapphire franze o nariz, aparentemente não gostando da brincadeira.

Antes de partirmos, pergunto se devemos levar as mochilas, mas acabamos decidindo que não será necessário. Não são os suprimentos que nos manterão vivas nos próximos minutos.

É uma caminhada deprimente e silenciosa até o outro lado do cânion. Não importa para onde eu olhe, há apenas rochas, os paredões nos cercando e as cinzas familiares de um dos vulcões rodopiando no céu e cobrindo cada centímetro de chão. Concluo que essa deve ser uma arena notavelmente extensa e pergunto-me quanto a Capital gastou para equipá-la com suas armadilhas, câmeras e bestantes. O ato desesperado dos Idealizadores dos Jogos em nos reagrupar com a erupção do Vulcão Norte não me surpreende mais, pois consigo entender o sentido da coisa. Imaginei que eles já tivessem aprendido a lição sobre arenas absurdamente grandes após o fiasco que foi a sexagésima oitava edição, onde os tributos foram jogados em um labirinto gigantesco repleto de ciladas e bestas asquerosas.

Quanto mais perto do aglomerado de rochas chegamos, mais ansiosa fico. Falta pouco, tão pouco... Somente quando estamos a uns vinte metros é que consigo identificar o que há de diferente nessas rochas juntas ao paredão leste. As pedras são longas e estreitas, agrupadas em duas fileiras. Entre elas há um enorme buraco na parede maciça.

Uma caverna.

― Será se tem alguém em casa? ― Sapphire sussurra ao meu lado, com medo de provocar eco.

― Acho que vamos descobrir agora ― digo no mesmo tom ameno, estreitando os olhos para tentar enxergar algo no negrume que é o interior da caverna. ― Você primeiro.

Minha aliada desenrola o chicote, deixando a ponta cair ao chão como se fosse a cauda de uma serpente.

― Nada disso. Vamos juntas. Confio em você tanto quanto você confia em mim.

Engulo em seco, mas procuro manter um semblante neutro.

― Certo. Vamos.

Dito isso, entramos simultaneamente na caverna, a escuridão nos engolindo no mesmo instante. O ar está abafado, claustrofóbico. Nunca gostei muito de lugares escuros, portanto entrar em um para matar alguém que quer me eliminar junto com uma pessoa que também pretende cortar minha garganta a qualquer momento não ajuda em nada.

Os segundos que demoram para minha visão adaptar-se ao breu são agonizantes, porque não sei o que esperar. Assim que conseguimos identificar as formais mais rudimentares das paredes salientes e úmidas, damos os primeiros passos para explorar o local. Cada vez que piso no chão, o som é reverberado pelas paredes e multiplicado dezenas de vezes até ser extinto. Plaft, plaft, plaft, plaft, plaft...

Por sorte, a caverna não é funda e logo chegamos ao final. Aqui, encostado à parede, há alguns objetos que não pertencem ao local ― frascos vazios, três cantis, uma mochila aberta e ossos do que um dia já foi uma marmota. Entretanto, há nenhum tributo.

― Você acha que ela está nos caçando lá fora? ― Sapphire questiona em um murmurar, a frase sendo repetida diversas vezes pelas paredes.

Chuto um osso limpo, que repica no fundo da caverna com um ploc! ― ploc, ploc, ploc, ploc, ploc...

― Provavelmente. Vamos esperar no lado de fora. Uma hora ela vai voltar ― digo e no mesmo instante meus membros se retesam.

Foram os ecos que me alertaram. Não os produzidos pela minha fala, mas sim pelo plec! feito quando duas superfícies duras se chocam ― uma pedrinha sendo chutada e batendo no chão, por exemplo. Viro o corpo rapidamente bem a tempo de encontrar a carreirista do Distrito 1 na entrada de seu esconderijo, banhada pela luz do sol. Em um segundo, ela está parada e boquiaberta, no outro, levando um objeto delgado ligeiramente familiar aos lábios.

Ajo mais rápido que ela, porque enquanto a garota arruma o dardo na zarabatana, eu estou estendendo o braço para trás, o machado seguro firmemente na mão. Em um movimento de chicote, lanço a arma em direção a carreirista. Minha lâmina rodopia por um curto instante e crava-se no peito esquerdo do inimigo. A garota solta um arquejo de dor, mas continua em pé. Entorpecida e com os olhos arregalados, retira a cunha metálica do corpo e deixa-a cair ao chão. Bom, é por isso que tenho dois machados. Porque se um errar, sempre posso tentar a sorte no segundo lance. Atiro meu último machado e dessa vez acerto entre os seios, pouco abaixo do pescoço. Ela cai.

Aproximo-me sem cautela, tomada pela emoção do momento. Saio da caverna e sinto a pele sendo banhada pelo sol, as cinzas do vulcão cobrindo o chão em um tapete cinzento. Observo os últimos segundos de vida da carreirista enquanto ela se afoga com o próprio sangue. Ela abre a boca, acho que tentando dizer algo ― um último adeus para a família que a assiste? Nenhum som sai; apenas mais sangue. Espesso. Mais rápido do que veio, a adrenalina se vai por completo, deixando apenas o familiar torpor por ter matado alguém. Sinto-me cansada. Exausta.

Ouço o inconfundível tiro do canhão.

― É. Foi mais fácil do que eu imaginava ― uma voz diz atrás de mim.

Não há tempo para recuperar os machados do corpo da garota do 1, sequer consigo fazer meus músculos obedecerem. Estive tão concentrada na atual ameaça que acabei esquecendo-me da que realmente pode acabar comigo.

Tento virar-me nos calcanhares quando sinto o chicote envolver-se em meu pescoço. Com um puxão vigoroso, Sapphire derruba-me de costas. Procuro ver-me livre da cauda de couro, mas parece que o chicote enrolou-se de tal maneira que torna a tentativa infrutífera. Não consigo respirar, meus pulmões trabalhando inutilmente. Quase consigo rolar no chão quando um peso é comprimido contra meu corpo.

Sapphire está em cima de mim, os dedos segurando fortemente o cabo do chicote, inalcançável. Com a outra mão tenta aprisionar meus braços para que eu pare de debater-me, mas ela não é tão forte assim.

― Fique quietinha, Mason. Não queremos tornar as coisas mais difíceis, certo? ― ela sibila rispidamente, mas suas palavras apenas embaralham-se em minha mente debilitada pela súbita falta de oxigênio.

Abro a boca, talvez para buscar ar ou apenas para xingar minha ex-aliada, mas obtenho insucesso em ambas as tentativas. A mancha branco-leitosa sobre a ponte de seu nariz parece hipnotizar-me. Pontinhos pretos dançam em minha visão.

Lutar parece inútil, mas não sou do tipo que entrega os pontos com facilidade. Debato-me com mais brutalidade, certa de que é questão de segundos para que a inconsciência leve a melhor sobre mim. Sapphire parece saber disso, pois um sorriso vitorioso surge em seus lábios. Isso me deixa com raiva, louca de ódio.

A garota do Distrito 10 consegue pressionar minha mão esquerda entre o chão e seu joelho, inutilizando esse braço. Paro de debater-me, pois isso apenas gasta minhas energias e meu escasso suprimento de ar ― que já está no fim. Com a mão livre, tateio cegamente o solo rochoso, pois me lembro das rochas que circundam a entrada da caverna. E onde há rochas grandes, há pedras pequenas.

Fecho os dedos ao redor de uma forma sólida mais ou menos do tamanho de um pão. Não penso duas vezes e desfiro um golpe certeiro na têmpora da oponente, pegando-a desprevenida e fazendo-a oscilar antes de tombar para o lado, soltando um arquejo de dor. Esse é o tempo que uso para encontrar a ponta do chicote e afrouxar o aperto. As primeiras lufadas de ar que sugo são como fogo, mas logo é substituído por uma deliciosa sensação de refrescamento. Não demora muito para que o mundo pare de girar e meus pensamentos entrarem em foco.

Encaro uma Sapphire atordoada pelo golpe, lutando para levantar-se. Sei que devo fazer o mesmo e obrigo meus membros a colaborarem, dando ordens diretas nos primeiros instantes. Mão, apoiem-se no chão. Joelhos, flexionem-se. Pernas, ergam-se.

Cambaleio em direção ao corpo da carreirista do Distrito 1, ligeiramente tonta pelo sufocamento. A garota de cabelo louro-avermelhado está empapada de sangue, principalmente onde as lâminas enterraram-se. Uma fina linha escarlate desliza por seus lábios entreabertos.

Fecho os dedos ao redor do primeiro machado que lancei ― o que o tributo feminino conseguiu retirar antes de ser apunhalado pela segunda vez. Quase caio quando tento erguer a arma, pois ela parece pesar cinquenta quilos. Tenho que me lembrar de que estou sofrendo os efeitos do estrangulamento, que meu machado ainda tem o mesmo peso de antes.

Quando viro nos calcanhares, vejo que Sapphire já se levantou. Um filete de sangue escorre de um talho na têmpora causado pela pedrada. A última vítima. Por fim, o último obstáculo a ser vencido para voltar para casa, para obter mais dinheiro do que já sonhei na vida, para receber a glória na Capital. Porque essa é a realidade dos Jogos Vorazes. O sangue e a glória sempre andam de mãos dadas, juntos e inseparáveis. Para conquistar a glória, é necessário pagar com sangue.

O sangue pela vitória ― é justo, acho. Não o tipo de vitória que me fará ser idolatrada na Capital, mas o tipo que me trará de volta para casa, meu lar, minha família. Afinal, foi um longo caminho até aqui. Tantas mortes, tantos assassinatos. Transformei pessoas em cadáveres mutilados, desmembrados e decapitados. Assassina. Sim, é isso que sou. Mas a culpa não é minha. Não me deram escolhas. Apenas sangue e glória. E o preço, é claro.

E eu aceito pagar por isso.

― Você é uma putinha desgraçada, sabia? ― Sapphire cospe as palavras com repulsa, ódio faiscando nos olhos, enquanto retira do cinto uma pequena faca serrada de um lado e lisa do outro. Acena para mim com a mão livre como se me convidasse para dançar. ― Venha. Vamos acabar com isso, sua vadiazinha mentirosa.

Suspiro fundo.

― Você aprendeu nada, não é? ― digo, de repente a raiva esvaindo-se de mim, deixando apenas uma casca oca conhecida como Johanna Mason. Para acrescentar dramaticidade à situação, solto um pequeno sorrisinho contido.

Os olhos de Sapphire saltam quando finalmente entende minhas palavras. É uma pena que essa será a última vez que compreenderá algo. Ela abre a boca em um pequeno “O”, mas é tarde demais, pois a próxima coisa que acontece é eu arremessar meu machado em sua direção. Para minha satisfação, acerto bem entre os olhos e em cima do nariz, no centro da mancha branco-leitosa da garota do Distrito 10.

Dessa vez não há tiro de canhão, embora eu tenha certeza que Sapphire está morta. A próxima coisa que ouço é o som inconfundível das trombetas da vitória ecoando por toda a arena.

― Senhoras e senhores, tenho o prazer de anunciar a vitoriosa da septuagésima primeira edição dos Jogos Vorazes, Johanna Mason! Eu apresento... o tributo feminino do Distrito Sete!


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam desse capítulo? Crível? E o último duelo, supri suas expectativas ou não? Galera, fiquem à vontade para aparecerem e dizerem o que acharam de tudo até aqui. Sério. Juro que não mordo. E muito obrigado por terem lido.
Até quinta!