Our Games escrita por Magicath


Capítulo 6
Capítulo 6 — Autômatos


Notas iniciais do capítulo

Olá!

Desculpem postar tarde, esse clima de natal + uma família enorme é dureza!

Enfim, Feliz Natal a todos ♥



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VI

Autômatos

O que eu observo no espelho não é diferente do que eu imaginava: uma roupa prateada. Trata-se de apenas um corset com um collant por cima, o que me deixa desconfortavelmente exposta, a não ser por alguns detalhes metálicos nos ombros e nas laterais. Há uma bota que encontra a roupa apenas em minha perna esquerda; no outro pé, apenas um salto. A roupa e a pintura em meu corpo tem um tom enferrujado, porém a sobreposição da mesma cor chega a me deixar enjoada. Forço um sorriso educadamente, fingindo gostar, pois não é nada diferente das outras edições ou algo inovador como Stanley sugeriu. 

Apesar disso, parece haver algo a mais. Em meus braços e pernas, micro plaquinhas foram coladas, assim como as enxergo na roupa. Atrás do corset, há uma pequena caixinha onde fios quase transparente conectam-se. Acho que sei o que são.

— Isso não é perigoso? — pergunto a Stanley.

— Oh querida, claro que não — ele faz um gesto com a mão como se não fosse nada, pomposo. — Agora vamos. Está na hora de dar um show. 

A equipe me empurra para fora da sala, sem me dar chance de perguntar mais nada. É difícil andar com esse tipo de sapato, o que me faz quase tropeçar ao longo do caminho todo e atrasar a equipe, mas quando vejo, já estamos dentro do grande evento. 

Todas as carruagens estão dispostas atrás de um grande portão. É possível ouvir a multidão por de trás das portas, que soa como um eco de burburinhos. O ambiente todo está agitado, com pessoas indo de um lado para o outro, arranjando todos os detalhes no lugar. 

A medida que nos aproximamos da nossa carruagem, consigo ver Chris. Ele está praticamente igual a mim. Ele também veste um corset, porém mais semelhante a uma armadura, sem cintura, e que esconde mais coisas. Há também a bota, na perna oposta a que eu visto a minha, e sem salto. O que quer que os estilistas tenham pensado, é claramente um erro. Estamos ridículos.

Chris parece pensativo quando me aproximo, mas ele levanta. Ele fica em silêncio enquanto relembro a cena no trem. Sinto-me extremamente culpada por ter gritado com ele, mas eu não sei o que dizer. Meus olhos lacrimejam um pouco, pois o nervosismo traz tudo à tona. Repentinamente, eu o abraço sem hesitação. Não fico surpresa quando Chris retribui o abraço.

— Desculpa — eu digo. Tenho que fazer força para segurar as lágrimas, se não Stanley me mata se eu estragar a maquiagem. 

É estranho eu me sentir feliz por ele estar aqui. A presença de Chris me traz segurança e conforto no meio de tudo, mas ao mesmo tempo sei que eu o perderei em poucos dias, isso se eu não morrer primeiro. Não sei se estaria aguentando tão bem sem Chris comigo, nós sempre fomos a força um do outro. Mas parece injusto querer ele aqui comigo, como se eu estivesse o matando ao afirmar isso.

— Tudo bem, Lara — ele diz apenas, quebrando a corrente de mágoa e desconforto que foi gerada no trem.

Não consigo decidir qual seria o melhor cenário. Bom, nos Jogos Vorazes não há melhor cenário, a não ser aquele em que eu venço e volto para casa, com Chris sã e salvo no distrito, mas isso é impossível. Mas se esses são realmente nossos últimos dias de vida, preciso aproveitá-los o máximo possível com ele.

— Você está ridículo — eu zombo quando nos desfazemos do abraço. Sua cara pintada é um fato que é impossível de ser levado a sério, ainda mais vestindo essa roupa e a bota horrenda.

— Caramba, eu sei — concorda ele, colocando as mãos em seu rosto para esconde-lo. — Isso é extremamente vergonhoso. É um crime contra a moda e contra a ciência. 

Eu rio, mas não sou a única que ri junto. Percebo olhares de todos os lados e risadinhas também. Olhando ao redor, as outras pessoas parecem estar bem melhores vestidas do que nós, com exceção dos distritos menores. Todos os outros parecem zombar de nós com os olhares quando passam pela nossa carruagem, mas o que mais me incomoda são os do Distrito 2. Eles não fazem questão de esconder a zombaria. Eles riem entre si e imitam robôs, mas tem algo a mais. Percebo que Chris fica um tanto abalado, pois sabe que os dedos apontados são direcionados a eles.

— Por favor, não ligue para o que eles estão fazendo — aconselho, colocando uma mão em seu ombro e o levando para trás da carruagem, onde eles não podem nos ver. Chris não diz mais nada, mas assente.

Acontece que por Chris ser pequeno e magro, a roupa não lhe cai bem, deixando-o com uma silhueta mais feminina do que masculina, e a execução dos estilistas também não ajuda. O jeito diferente de Chris sempre chamou a atenção das pessoas, e para elas, isso sempre foi motivo de ridicularização. Ele não costuma ligar para isso, mas aqui é outra coisa. Impressões aqui são tudo que nos resta. Eu conheço o segredo de Chris, e entendo o que ele sente. 

Dou novamente uma olhada discreta nos tributos do 2 para avaliá-los, pois é a primeira vez que eu os vejo ao vivo. Essa é nossa primeira chance de traçar um perfil dos oponentes. O tributo masculino é o que chama mais atenção, pois tem o dobro do meu tamanho e dos meus músculos. Olhos profundos e desafiadores, as sobrancelhas quase cobrindo as pálpebras. O cabelo é todo penteado para cima de forma rebelde. A roupa que vestem não é nada menos que uma armadura de cor sangrenta. Isso é horrível, principalmente pelo que representa, mas é impossível não olhar. As lanças falsas que carregam também são ameaçadoras. Só isso é o suficiente para me fazer teme-los. 

Os carreiristas, independente do que vestem, sempre são aclamados. Ademais, seus estilistas não medem esforços ao vesti-los. Os do Distrito 1, por exemplo, trajam roupas que criam a ilusão de serem feitas de pedras brilhantes, e usam as joias mais extravagantes do desfile. 

Começo a me sentir pressionada de novo. O evento está prestes a começar e não decidimos o que iremos fazer. A ideia do desfile e das notas das apresentações é conseguir patrocinadores. Porém, esse jogo exige diversas estratégias. Os carreiristas não precisam se esforçar para atrair atenção a são fortes por natureza — ou melhor, anos de treinamento. Porém nós dos outros distritos precisamos decidir qual é nossa melhor maneira de jogar. Conseguir atenção pode ser perigoso, mas crucial para a sobrevivência na arena.

— Chris, o que faremos? — pergunto a ele baixinho, mesmo que todo o barulho abafe nossas vozes. Nunca se sabe. — Qual vai ser nossa estratégia? Não conversamos com Hector ainda.

Com essa pergunta, uma luz parece se acender em Chris novamente, trazendo-o de volta ao normal. Posso ver as engrenagens do seu cérebro empolgadas em poder trabalhar em uma ideia de novo.

— O distrito 3 vem logo após os carreiristas, portanto a atenção vai estar voltada a nós. Mas o Distrito 4 vem logo atrás de nós, então temos pouco tempo. Essa roupa já nos confere alguma vantagem, não sei se você percebeu — afirma ele, apontando para a caixinha atrás do corset. Assinto, concordando com ele.

— Além do mais, você se voluntariou — eu o lembro. — Eles podem estar interessados em você.

— Você tem razão — ele concorda. — Só que o ponto chave aqui é o carisma. O povo deve estar no mínimo curioso, já que eu não represento muito ameaça. Eles devem ter mais pena de mim por ser mais fofo do que um lutador de verdade.

— Certo. Mas nós podemos usar isso em nosso favor, não? Em questão de carisma, não vamos ser espalhafatosos, mas podemos vender a imagem dos coitados amigos que estão nos jogos juntos. Você é o herói aqui, e a coragem se sobrepõe a força física. Eles amam uma história trágica. 

— Sim. Mas pelo amor de toda a ciência, — ressalta Chris, — não vamos de forma bater de frente com os carreiristas. Não podemos chamar mais atenção que eles. Isso é morte certa.

— Bom... Isso vai depender da repercussão — digo. 

Engolindo em seco, nossos olhares se encontram e assentimos ao mesmo tempo. Temos um plano. Bem na hora.

Tambores ressoam pelo ambiente. Os tributos se ajeitam, agitados, subindo em seus respectivos veículos puxadas a cavalo. A cerimônia começou.

É possível ouvir o coro de vozes do lado de fora do grande portão, agora cada vez mais alto. A plateia vibra, cansada de aguardar o tão esperado desfile. 

Stanley e a estilista de Chris vem fazer os últimos ajustes em nossas roupas, checar se tudo está OK. Meu coração bate acelerado, pois nunca fiquei de frente a uma plateia tão grande assim. É assustador o momento, mas ao mesmo tempo um pouco eletrizante. 

A sinfonia acompanha os grandes portões se abrindo, dando o início a cerimônia, e meu queixo quase cai. O lugar é enorme, mais do que eu possa imaginar. As luzes dos edifícios da Capital se juntam a luz dos holofotes e às cores das pessoas na arquibancada. Infelizmente, é uma das coisas mais lindas que já vi na vida, ofuscando o ódio que sinto desse lugar. 

A primeira carruagem dispara na avenida e os carreiristas do Distrito 1 são recebidos aos gritos. Quando as apontam as luzes para eles, suas roupas refletem os raios, formando vários reflexos no chão. É lindo. 

Em seguida vão os do Distrito 2. O povo grita ainda mais alto quando eles aparecem. Eles estão sérios, em posição de sentido, mas na metade do caminho, levantam suas lanças pra cima, pedindo para a multidão falar mais alto. Eles obedecem, entrando em euforia.

Então chega nossa vez. Os cavalos se agitam, preparados para partir. Agarro a mão de Chris, sentindo que vou cair, mas logo recobro a estabilidade. 

— Sorriso no rosto e não se esqueçam de brilhar! — Stan grita antes de sairmos.

Luzes me ofuscam quando entramos na avenida. Nas arquibancadas há milhares de pessoas sentadas, todas gritando e delirando, mas as torcidas parecem ter se aquietado. Por um minuto não sei o que fazer, mas vejo que Chris está acenando e sorrindo formalmente, sem soltar minha mão, então faço o mesmo. Algumas pessoas mais próximas parecem achar bonitinho. 

De repente o público solta um suspiro coletivo de surpresa e aplausos mais estrondosos fazem. Penso que os tributos do Distrito 4 acabaram de sair, pois as luzes dos holofotes saem do nosso foco, mas ainda não alcançamos a metade da avenida. Percebo então que eu estou brilhando como um letreiro iluminado.

Luzes caminham pela minha roupa e pelos meus braços; verdes, roxas, amarelas, azuis e então vermelhas. Elas mudam de cor o tempo todo, mas seguem padrões como se dançassem, as vezes percorrendo meus braços como se estivessem sendo bombeadas para o meu coração, como se fosse a própria energia fluindo dentro dos meus circuitos. É divertido olhar, e imagino que seja ainda mais para o público, portanto estendo meus braços e os mexo para formar mais padrões no escuro. 

Até o momento, eu apenas imaginava o que Stanley planejou fazer, mas o trabalho por trás disso é muito maior do que imaginei. Conseguir esse efeito com esse tipo de LED sem prejudicar nossa pele é surpreendente, e me admira os conhecimentos que Stanley teve para tornar isso possível.

— São micro placas de LED conectadas por fio — Chris grita para mim. — Devem estar protegidas com alguma película, mas nem consigo enxergar. Elas devem ter sido ligadas com algum dispositivo de infravermelho. Muito legal, não é? 

Chris solta uma risada contagiante. Ele adora papo de tecnologia. 

A multidão continua a vibrar e suspirar até que o Distrito 4 rouba nossos aplausos. Paramos então de acenar e prosseguimos parados em nossa carruagem. Quando atingimos o final, pego na mão de Chris e juntamente fazemos uma reverência. Por um breve momento, ouço-os berrando o nome de alguns distritos, e o nosso está entre eles.

As carruagens se posicionam no Círculo da Cidade depois de mais cinco minutos de cerimonia e então, sobre um grande palco, a presidente prepara o discurso de boas-vindas. Os gritos e a música cessam para ouvir as palavras da autoridade. 

A presidente diz palavras fajutas de sempre, sobre coragem e determinação, mas há um quê de indireta em sua voz. Que sempre devemos obedecer a ordem e a paz se estabelecerá. Olho para Chris e bufo. A ordem, na verdade é a ascensão deles, enquanto eles usam nossas costas para subir ao poder e a riqueza. Nosso sangue é a tinta que usam para pintar suas paredes. Os Jogos Vorazes foram a pior coisa inventada e não sei como ainda sustentam isso.

O discurso se encerra com um desejo de boa sorte. Após isso, o hino começa a tocar. As pessoas da Capital colocam a mão fechada no peito enquanto a sinfonia rola, mas Chris e eu permanecemos com as mãos coladas ao lado do corpo. Os carreiristas e alguns outros tributos repetem o ato da plateia, mas a maioria permanece como eu e Chris. Não é um ato de protesto, mas a mão no peito representa o amor pela nação, o que a Capital geralmente faz, mas nos distritos apenas seguramos nossa pose, como sinal de submissão, mas também de resistência. Quando isso acaba, dando abertura oficial dos Jogos, as carruagens começam a andar, dessa vez para o Centro de Treinamento. Hector, Ayla e os estilistas nos esperam do outro lado. Parecem felizes.

— Eu disse que eu faria vocês brilharem — Stan diz enquanto saímos da carruagem para nos congratular. Nossas roupas ainda emitem luz.

— Nós sabíamos que seria algo do tipo — diz Chris um tanto confiante.

— Mas não deixou de ser uma surpresa quando você os acendeu — completo, dando uma cotovelada nele.

— Foi um espetáculo! — Ayla exclama, se intrometendo na conversa.

— Uma bela estratégia a que vocês escolheram — Hector menciona sério. — Só teria deixado a reverência de lado. Talvez tenha sido um pouco demais. 

— Hector, por favor, não quebre o clima — Ayla o repreende. 

Ouvimos risadas de desdém ao nosso lado. Os carreiristas do 2 passam pomposos ao nosso lado. Seus mentores os seguem, como se fossem seus guarda-costas. 

— Eu não sabia que o Distrito 3 teria duas garotas no time — a garota profere, fazendo questão de ouvirmos. 

Toda a nossa equipe congela no lugar. Hector parece tenso, e os da Capital ofendidos. Foco em Chris, pois o ataque foi direcionado a ele. Ele parece vermelho de raiva, mas controlando-se para manter a postura. Os carreiristas sempre foram afrontosos e provocadores, mas por motivo nenhum eles resolveram implicar conosco. Só depende de nós não rebater. Mas pelo amor de toda a ciência não vamos de forma bater de frente com os carreiristas

Felizmente, é Stanley quem se prontifica e defende Chris.

— Eu roupa foi desenhada para superar os padrões de gênero e derrubar a barreira entre feminino e masculino. Por favor, controlem seus tributos — Stanley pede educadamente. 

— Stanley — Hector o adverte. 

Os mentores do outro distrito se olham e dão de ombros.

— Venha Matt, não arrume confusão ainda — diz o homem.

Assim que eles se viram, não me seguro. 

— Também não sabia que Distrito 2 teria dois homens — comento. — Parece que fizeram isso para equilibrar. 

O brutamontes para no meio do caminho e vira. É óbvio que ele escutou.

— Como é? 

Todos os meus pelos do corpo se eriçam. Claro que não controlei minha boca, mas não achei que ele iria escutar. A ofensa nem para ele foi. Naquele momento, sinto um alvo sendo colocado na minha cabeça. Não queria criar rivalidade, mas ele não tem o direito de falar assim com Chris. Não deveríamos nos intimidar... mesmo que ele possa quebrar minha cabeça só com uma mão. 

 O carreirista Matt ri.

— Cuidado com o que fala — ele ameaça. — Pode se arrepender depois.

Seguido por sua sombra loira, eles seguem seu caminho e some pelo elevador. Chris, antes estático e tenso, relaxa aliviado.

— Parabéns — Hector diz, batendo palmas de maneira sarcástica. — Vocês acabaram de ganhar seus primeiros inimigos.


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Notas finais do capítulo

Por favor, me deixem ciente dos erros. Revisei correndo porque a bateria tá acabando e o carregador sumiu.

Então, o que acharam do Capítulo, da roupa, do Desfile deles e dessa confusão no final?

Atenciosamente,
Magicath