Our Games escrita por Magicath


Capítulo 5
Capítulo 5 — Superficialidades


Notas iniciais do capítulo

Oi gente!

Esse capítulo é mais uma formalidade e, na minha opinião, não tem muita coisa, mas eu gosto dele.

Enfim, espero que gostem também.



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V

Superficialidades

 

Cerro os punhos quando a mulher branca como a neve e com desenhos florais pelo corpo, Victoria, tira mais um pelo da minha sobrancelha. Podia jurar que ela parecia uma criatura dos contos populares que ouvíamos quando criança cujo nome não lembro. Suas orelhas eram alongadas na hélice, formando uma ponta triangular. Ela não era albina, não aparentava ser, mas a pele era branca demais para alguém humano. Se é que ela ainda era humana.

Os caras são intolerantes quanto às minhas reclamações. Toda vez que eu mordo os lábios ou faço cara feia para a incompetência deles em zelar pelo meu bem-estar eles dizem que minhas ações eram depreciativas. A branquela faz um monólogo incessante sobre o quanto os tributos nunca valorizavam o trabalho deles enquanto arrumava meu rosto.

— Se eles tivessem o bom senso de entender o quanto eu dedico meu suor e meu sangue para fazer o meu melhor! — ela verbaliza de forma dramática com aquele sotaque sibilando de forma suave na pronuncia das palavras. Esperei que ela virasse para não ver meu revirar de olhos.

— Essa gente não sabe o que é estética — murmura o homem que trabalha na esfoliação do meu pé, seja lá o que for isso. Narciso era seu nome, pelo que me lembro. — E não entendem nada de moda.

Fico me perguntando o que se passava dentro da cabeça dessas pessoas. Será que eles conheciam a realidade da vida fora da Capital? Será que pensavam em mim como uma pessoa como eles? Provavelmente não. Eles me tratam como um animal selvagem, um ser anormal e não pensante — sendo que eles eram os verdadeiros ignorantes ali. Sinto-me uma carne sendo salgada para ser exibida na vitrine de um açougue. É atordoante. Eu mal consigo olhar para mim ao lembrar que eu estou somente de roupa íntima diante de três estranhos completamente malucos.

Nas últimas horas, os lacaios da Capital lavaram meu corpo, arrancaram todos os meus pelos e possivelmente retalharam metade da minha pele. Fizeram minhas unhas e retiraram cada centímetro das minhas imperfeições corporais. Estou diferente, não estou carregando toda a imundice de antes, mas isso não é bom. Não me sinto bem, minha pele coça e os produtos que passaram em mim ardem. Para mim, parece mais uma sessão de tortura do que de embelezamento.

Minha barriga ronca pela décima primeira vez desde que comecei a contar. Pela proximidade, a viagem do meu distrito até a Capital vai de meia a uma hora com auxílio da extrema velocidade que os trens atingem. Sendo assim, não comi nada durante a viagem (por opção) e agora estou aqui, morrendo de fome. Logo que cheguei, a agitação e correria acompanhou meus passos pela cidade. Fui trazida até o Centro de Tratamento e apresentada à minha equipe, Victória, Cícero e Narciso.

— Terminando... — a branquela diz arrancando-me de meus pensamentos. Fico aliviada quando termina o trabalho tortuoso e então sai da minha frente. Minha cara deve estar toda vermelha e sinto meu rosto pinicando, mas não tenho permissão para me mexer e tocar nele.

Finalizando os últimos detalhes, eles passam um creme pegajoso por toda a extensão de minha pele, não deixando faltar um cantinho. Victória pede para eu fechar os olhos e então passa um spray sobre meu rosto. Cícero então me entrega um roupão e finalmente posso desfrutar de uma vestimenta adequada para me cobrir.

— Está tudo perfeito — comemora Narciso, penteando o topete amarelo e mostrando a fileira de dentes brancos e falsos. — Vamos chamar seu estilista.

Aguardo a chegada do meu estilista sentada na maca, brincando com o cordão do roupão. Muitos deles são grandes artistas famosos conhecidos por toda Panem. Só espero que ele não me deixe como os loucos que vi e convivi nas últimas horas.

Imaginando todo tipo de visual estranho e desproporcional, surpreendo-me ao ver alguém ao menos 60% normal entrar pela porta. É um homem alto e bem jovem, aparentando ter de 25 a 32 anos. Ele usa uma capa ou uma casaca roxa — não sei identificar o que é, mas é bonito — que cobre toda as costas dele sobre um colete preto junto de uma camisa social verde. Luvas e botas de couro preto enfeitam os pés e as mãos. Seu cabelo preto é raspado nas laterais e uma enorme franja rosa cobre grande parte do lado esquerdo do rosto. Usa uma maquiagem verde, roxa e amarela um tanto chamativa e tem vários brincos pequenos nas orelhas. Ao lado do olho direito, vejo várias estrelinhas desenhadas em sua pele brilhante e bem cuidada. As pernas finas e ossudas são realçadas por uma calça preta tão colada que me pergunto como ele consegue andar.

— Olá Querida, Sou Stanley, mas você pode me chamar de Stan. Sou seu estilista e estou aqui para te deixar maravilhosa! — Ele sorri e pega minha mão para beijá-la.

De perto vejo que o rosto é meio quadrado e as bochechas cavas, mas isso até que deixa seu contorno bonito. E ainda, no meio de toda aquela maquiagem, consigo ver que seus olhos parecem azul piscina. Percebo que não são aqueles olhos falsos e tonalizados que a maioria tem. Talvez seja lente.

— É... Lara Watterson, a seu dispor... — digo, tentando parecer gentil.

— Oh querida, eu sei! — Ele exclama fazendo pouco caso. — E pelo jeito tive sorte de ficar com seu distrito esse ano, esse rostinho fofinho vai encantar toda a população.

Olho um tanto estranha para ele. Fofinho é o último adjetivo que eu usaria para descrever minhas feições.

— Estou te assustando? É normal no começo, você se acostuma. Venha Lara, vou levar você até nosso camarim.

Sigo ele pelo corredor enorme cheio de salas onde os outros tributos devem estar se preparando. Stanley abre uma delas — toda coberta de tinta dourada — e indicada para que eu entre. O recinto é da mesma cor que a porta e tem um sofá gigante e vermelho no meio dele. Há vários utensílios de beleza, acessórios e maquiagens sobre mesas e prateleiras. Há um carrinho com várias roupas penduradas, tesouras, agulhas e instrumentos desconhecidos por mim. Fico parada no meio do cômodo sem saber o que fazer.

— Certo, vamos dar uma olhada em você — ele faz um gesto com as mãos para eu retirar o roupão. O homem percebe minha hesitação e constrangimento. — Não precisa ficar envergonhada, é completamente normal.

Obedeço então, deixando ele me analisar. Ele contorna meu corpo, com um olhar pensativo, balançando a cabeça. Pega uma fita métrica e tira minhas medidas. Não sou uma das crianças raquíticas que moram na rua dos distritos e conto com alguns quilinhos, pelo menos.

— Que contornos esplêndidos... — comenta ele, baixinho. — O.K., você tem medidas boas e busto grande o suficiente para caber no vestido — ele conclui. — Estão terminando de costurar a sua roupa, então vamos trabalhar na aparência. Já cortou o cabelo alguma vez?

Faço que sim. Mas nunca um corte profissional, não aparo nada além das pontas e minha franja com minha própria tesoura.

— Bom, nós vamos deixa-lo solto então, para poder esvoaçar. Posso reparar essa franja mal repicada... — ele diz, calmo e pensativo. Ele pede para eu sentar na cadeira vermelha em frente ao espelho. Com a mão na boca, ele observa-me como se eu fosse uma equação muito difícil de resolver. Por fim, parece achar a solução. Em seguida abre uma maleta e retira vários potinhos dali de dentro.

— Quem sabe alguns brilhos... — Stanley sorri para mim e chacoalha um pote com pó prata dentro. Purpurina.

Quando ele diz brilhos, são brilhos mesmo. O topo do meu cabelo foi enfeitado com uma tiara de purpurina e gel e mais algumas presilhas brilhantes coladas pelo cabelo. Minhas bochechas estão cobertas por pó iluminador (seja lá o que for isso) e minha maquiagem, a qual ele mesmo fez, também é cinza cintilante. Com um sorriso ambicioso no rosto, ele admira seu próprio trabalho, satisfeito.

— Vamos ver o que você acha disso — Stan declara e vira minha cadeira me deixando de frente para o espelho. Meus olhos se arregalam de espanto.

Nunca vi a menina boquiaberta do espelho. Não consigo acreditar que os olhos pintados de prata e contornados de preto são realmente meus, que os lábios delicados e a pele límpida e macia pertencem a mim. Presencio uma coisa nova dentro de mim. Pela primeira vez eu me sinto... Bonita.

Cresce dentro de meu peito um nó apertado que não consigo desatar. É uma sensação estranha. A maioria de nós, moradores dos distritos, odeia a Capital. Contudo, olhando para a minha imagem espelhada tenho uma vontade estranha. Desejo que minha vida fosse normal como a deles, que minha única preocupação fosse minhas roupas e minha maquiagem. Sim, é algo fútil, mas talvez seja melhor do que a maioria esmagadora vive. Por um momento, invejo a vida cotidiana e feliz deles.

Stanley parece perceber minha indignação e se abaixa na altura do meu ouvido.

— Seu rosto está belíssimo, mas sabe o que falta? — pergunta.

— O que? — indago sem saber a resposta. O que pode faltar no meio de tanta maquiagem?

— Um sorriso. — Suas mãos apertam meus ombros carinhosamente.

— Não sei se consigo fazer isso tanto quanto você... — comento.

— Claro que consegue — ele incentiva. — Um rosto lindo como o seu só precisa de um sorriso para ficar ainda melhor.

Abaixo os olhos, corando. Não tenho muitos motivos para sorrir no momento. Então penso em algo que me deixaria feliz. Volto ao distrito 3 e vejo minha mãe me abraçando, olhando para mim com orgulho. Imaginar isso é o bastante para arrancar de mim um pequeno movimentar dos meus lábios.

— Magnífico! — Stan comemora. — Mantenha assim. Vou trazer sua roupa.

Em menos de cinco segundos ele sai e entra na sala com um cabide nas mãos que segura uma capa preta e retangular. Não há modelagem no tecido, apenas um peno reto e feio. Espero que eu não vá vestir isso.

— Vamos ao que interessa — ele dá início à palestra. — Como você sabe, o desfile deve refletir na personalidade de cada Distrito. Como o 3 trabalha com tecnologia, nós decidimos fazer algo a ver com a eletrônica, mais especificamente a robótica, uma das formas mais populares e bem conhecida das tecnologias futurísticas.

Não sei se ele foi estilista das edições passadas e realmente espero que não, pois a última foi um desastre. Os dois tributos da edição quase foram humilhados pelas placas de metais coladas no tecido de suas roupas. Qualquer que tenha sido a ideia da roupa, não funcionou. Começo a pensar naquele vexame e me imagino como antena parabólica ou algo muito pior.

— E é nosso dever fazer você brilhar nesse desfile, então demos alguns toques especiais... — Stanley continua dando uma pausa dramática.

Rufem os tambores!

Ele retira o plástico e fico olhando para aquilo sem saber o que pensar.

— E então, gostou?


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Notas finais do capítulo

Narciso, a paixão por si mesmo. Era jovem, bonito e arrogante e menosprezava as ninfas que se apaixonavam por ele. A deusa Nêmesis o condenou a apaixonar-se pelo seu próprio reflexo na lagoa de Eco (uma das ninfas). Encantado pela sua própria beleza, Narciso deitou-se no banco do rio e definhou, olhando-se na água e se embelezando. Depois da sua morte, Afrodite o transformou numa flor, narciso.
É uma história da Mitologia Grega que abre pretexto para o narcisismo.

A pergunta de Stanley aí no final também vale para vocês.
Opinião, críticas, dicas e avisos sobre erros são bem vindos. Elogios também.

Meus leitores mágicos e lindos que estão sumidos, apareçam! Fantasma só existe em filme de terror.

Acham que a roupa dela vai ser legal? Stanley parece bater bem da cabeça? Cenas do próximo capítulo (prometo que terá mais que 2000 palavras).

Atenciosamente,
Magicath.