Serena escrita por Maria Lua


Capítulo 4
Um diálogo esclarecedor




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Passo uma noite inteira dirigindo para chegar bem cedo ao colégio, e quando chego e pretendo descansar já encontro um motivo que me mantém aceso durante a noite e com olheiras durante o dia. É o meu segundo dia de aulas e já estou cheio de preocupações.

Após me arrumar para a aula e tomar o café da manhã me encaminhei para a primeira classe. Ensinei sobre arcadismo de uma maneira tranquila, ignorando os comentários das adolescentes sobre a noite anterior. “Serena isso, Serena aquilo”. Ignorei. Por mais que aquele mundo de fofocas femininas e adolescentes estivesse bem próximo da minha afinidade, eu não tinha mais dezesseis anos. Meu rosto pode ter mudado apenas a quantidade de espinhas, mas eu tinha amadurecido com a faculdade, influenciado pela literatura, por meus professores, colegas e, principalmente, pela minha profissão.

No período vespertino já havia inclusive esquecido os problemas que tanto me angustiaram na noite anterior, até que a turma do primeiro A entrou na sala. Os murmúrios não me incomodavam mais, tanto que as garotas que entravam não recebiam mais de mim que um sorriso e um “bom dia” meramente educado. E logo Serena entrou. Cada dia vestia um casaco diferente por cima da farda, mesmo estando em um ambiente quente de um verão rigoroso. Novamente ela sorria. Vivia sorrindo dessa maneira, como se vencesse um campeonato por dia, como se estivesse completamente realizada em vida.

Comecei a minha aula. Expliquei sobre o movimento literário do arcadismo, as suas partes e bases e conseguia uma boa quantidade de ouvintes, apesar das garotas do fundo estarem brincando e conversando muito, mesmo após serem chamadas a atenção. Serena, por sua vez, estava com um comportamento diferente da última aula. Estava sentada no banco da frente escrevendo ferozmente. Escrevia finitas páginas enquanto eu falava, sem sequer dar ouvidos à aula. No fim, quando o sinal bateu e todas as meninas estavam se levantando eu a sinalizei.

– Srta. Doolitle, por favor. Fique uns minutos, precisamos conversar. – pedi. Ela obedeceu e veio para a frente da minha mesa. Esperamos todas saírem para começamos a conversar. Como ela era linda... – Então, como se sente?

Ela pareceu surpresa e franziu a testa. Foi algo que eu disse?

– Estou maravilhosamente bem. E o senhor? Causou um grande impacto aqui no Marie Curie. – perguntou, largando sua mochila em minha mesa.

– Impacto? – eu ri, olhando para baixo. – Como assim?

– Ora, vamos lá! Você sabe. “O novo professor bonitão do colégio”. Não estamos acostumadas com uma presença masculina tão... Interessante. Antes de você chegar eu ouvi especulações: cabelo castanho, olhos pequenos e puxados, lábios bonitos, alto, ombros largos, forte, e um sorriso encantador. Esse é você. – ela sorria mexendo na ponta dos cabelos. Pus as mãos nos bolsos e sorri, balançando-me sobre meus pés.

– Um pouco exagerado, mas não é sobre isso que a chamei para conversar.

– E sobre o que quer falar? – ela aproximava-se, repousando a sua perna por cima da mesa. Esse movimento levantou a sua saia, mostrando o início de sua coxa. Detesto admitir, mas era como eu imaginava. Firme, nem grossa nem fina. Lisa e livre de muitos pelos. Era perfeita.

– Sobre... Que tal sobre você ter fingido ser uma professora? – falei, desviando rápida e envergonhadamente os olhos de suas pernas. Novamente aquele efeito: sentir seu calor, ouvir sua respiração, me entorpecer por seu cheiro.

– Jamais disse ser professora. – deu de ombros.

– Mas fez parecer com que fosse. Algum motivo para isso?

– Nenhum. Estávamos em uma aula vaga, fui para frente para bater papo com o pessoal e você deduziu tudo errado. Meio burrinho, não acha? Eu tenho catorze anos, tenho cara de ser professora? Se bem que... Você também não tem. Quantos anos têm, aliás? – perguntou. Catorze! Que loucura. Como posso ter me interessado por uma garota tão nova? Quando eu tinha catorze anos nem olhava para as meninas direito.

– Alguns. – eu sorri. – Me senti um idiota quanto a vi sentar na minha classe ontem, sabia disso?

– Sabia. Você me achou atraente. – ela falou.

Eu travei totalmente. Engasguei com qualquer palavra que ousasse tentar sair de mim. Ela era direta inversamente proporcional a mim. Ela estava certa, eu a achei atraente, mas era um erro até mesmo a memória disso. Era só uma menininha que, ainda por cima, é minha aluna. Antiético de maneira dupla, absurda.

– Você está corado? – ela perguntou e riu, aproximando-se para tocar em minha bochecha. – Está sim! – continuou rindo. – Está com vergonha. Isso é muito bonitinho! Você me acha bonita, pensou em como seria o nosso beijo e agora está com vergonha de admitir isso. Não precisa mentir. O seu segredo e emprego estão a salvo comigo.

Eu não sabia o que responder! Tudo que poderia dizer seria comprometedor. Serena mexia comigo de uma maneira que nunca vi antes. Nem mesmo a Violet em nossos momentos mais quentes me fez sentir essa excitação física e psicológica. O rosto de Serena era um convite tanto para seu intelecto quanto para o seu corpo. Corpo este que permanecia um mistério para mim. As suas roupas cobriam cada centímetro de seu corpo do joelho para cima, o que rendia um mistério instigante para mim. Eu desejava conhecê-la por baixo daquela máscara de aluna e de feliz. Eu a desejava mais do que gostaria de poder admitir.

Olhei para a mochila dela, em busca de um assunto que quebrasse esse silêncio constrangedor para mim. Vi, então as suas folhas de papel saindo do caderno.

– O que estava escrevendo? – perguntei apontando para suas anotações. Ela pareceu nervosa com isso, e fechou sua bolsa totalmente, para nada aparecer.

– Não era nada. Só algumas cartas. – falou de uma maneira apreensiva.

– Cartas mais interessantes que a história literária? – ela riu forçada após meu comentário.

– Desculpe. Agora que te conheci talvez me interesse um pouco mais pela aula. Não garanto, mas milagres acontecem. Agora preciso ir. Até depois. – ela falou, indo até a porta com a mochila pendurada em um dos ombros. Ao chegar lá, ela parou e olhou para mim. – Ah, e sempre sento na primeira cadeira. Posso colaborar com você e sentar de maneira que você possa olhar bem para as minhas pernas do mesmo jeito que olhou hoje. – falou, saindo.

Meu queixo caiu. Cada mínima palavra que saia de sua boca era sedutora e proibida. Ela transbordava sensualidade, carisma, humor. Ela parecia uma criatura muito superior à raça humana. Sorria como uma deusa, andava como uma modelo, falava com um grande pensador e me dominava como a própria vida. Serena me colocou em campo de batalha. Estou em guerra. Luto contra o desejo, contra o impuro, o errado e ilegal. Luto contra meus próprios desejos.


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