Shikashi!! escrita por Uma Qualquer


Capítulo 14
Hotel California pt. III




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Len estava parado do lado de fora da porta, olhando abismado pra nós dois.

— Vocês... Dormiram juntos?

Consegui soltar a minha mão da do Kaito e me levantei, o humor tão bom como sempre que eu acordava nas manhãs de domingo.

— Longa história – respondi, puxando as marias-chiquinhas. O cabelo estava um horror, todo embaraçado. Se o Gakupo me visse daquele jeito...

Não que fizesse diferença. Mas eu ainda tinha um pouco de orgulho, né.

— Ok... – ele me encarou desconfiado enquanto saíamos do quarto.

Encontramos com o Gakupo no corredor. Ele já estava vestido, usando jeans e uma suéter escura, e estava indo acordar o Kaito.

— Oh, ohayo Miku-chan – ele sorriu ao me ver e eu acenei, jogando os cabelos pra trás disfarçadamente. – Rin-chan e a imouto estavam procurando por você!

— Nós quatro dormimos juntos no nosso quarto – Len contou.

— Ah – assenti outra vez, meio nervosa. –  É que... Eu dormi no quarto das meninas, mas acabei acordando antes da Yukari-senpai.

Enquanto nos afastávamos eu cochichei pra Len:

— Não fale nada pra Rin, ou ela vai achar que eu tô de olho no crush dela ou algo do tipo.

— Bom, vocês dois dormiram juntos – ele deu de ombros e me olhou mais desconfiado que nunca. – Eu não culparia a Rin se ela pensasse que vocês...

— Então, ela não precisa saber, ok?

— Mas vocês estavam de mãos dadas— ele insistiu. – E eu achando que você nem ia com a cara dele.

— E eu não vou!

— Então...

A conversa morreu quando as meninas se aproximaram. Rin estava radiante, mas havia um brilho apagado nos olhos da Gumi.

— O que houve? – perguntei alarmada, imaginando umas mil coisas ruins que a Yukari podia ter feito a ela.

— Encontramos o fantasma – ela contou desanimada.

— Sério? – Len e eu exclamamos.

— Sim – Rin nos puxou pelas mãos. – Está tomando café com os outros. Venham dar um oi!

Fomos correndo à sala de refeições da pousada, morrendo de curiosidade. Quando cheguei na porta, logo vi entre os vários hóspedes uma figurinha de longos cabelos escuros, sentada numa das almofadas com os outros, diante da mesa baixa que ocupava toda a sala. Lembrei da noite anterior e estremeci, mas a Rin me puxou pra dentro.

— Você conhece ela – disse. – Vem!

A pessoa pareceu nos ouvir, pois ficou de pé. Tive certeza que ela ia mostrar seu rosto pra nós e me matar de medo... Mas então ela voltou-se pra nós, e um rostinho adorável e conhecido nos sorriu.

— Luo... Tianyi-chan...?

Era a própria, em carne e osso. Seus cabelos estavam soltos do penteado chinês de costume, caindo pelas costas do vestido azul-claro que usava.

— Gomen, Hatsune-san – ela curvou-se diante de mim, enquanto eu tentava processar a informação aos poucos. – Eu te vi na noite passada, mas acho que acabei te assustando!

— Espera, era você...? Na casa de banhos, e no quarto também?

— Sim–  ela sacudiu a cabeça, pesarosa. – A mamãe e eu chegamos na sexta-feira à noite. Quando soube que o pessoal da minha sala estava aqui eu fiquei tão feliz... Mas, acho que não me aproximei do jeito certo... Desculpa por ter assustado vocês!

Eu não tinha palavras, de tão sem pé nem cabeça que a história me soava. Mas Len parecia fascinado.

— Como você sumiu tão rápido da casa de banhos? – perguntou a Tianyi.

—  Ah, isso... É que eu sou muito rápida. Ontem, quando a Hatsune-san me encontrou também, acabei fugindo do quarto onde eu estava.

— Bem, foi um jeito bem original de chamar nossa atenção – Len sorriu pra ela, fazendo a garota corar absurdamente.

Enquanto isso o Gakupo e o Kaito chegavam para o café. Kaito tinha afundado o rosto meio sonolento na echarpe, e não esboçou nenhuma reação quando me viu.

— Oh, vejo que já conheceram a Sadako-chan – Gakupo brincou ao nos ver. – A imouto não ficou muito feliz, não é?

— Não é culpa sua– Gumi se apressou em dizer a Tianyi. – Só achei que poderia estar numa casa assombrada de verdade esse fim de semana. Estava fazendo uma pesquisa pra usar no Cannonball...

— Ah –  os olhinhos da Luo-chan brilharam. –  Você pode falar com a mamãe! Ela é escritora e também estava pesquisando sobre casas assombradas. Já estivemos algumas vezes aqui desde que nos mudamos pra Tóquio.

Ela mostrou uma mulher jovem que tomava café à mesa, mais adiante. Lembrei de ter visto ela na casa de banhos na noite anterior; não foi à tôa que a achei tão familiar...

— Sério? –  Gumi pareceu recuperar o ânimo em questão de segundos. – Você me apresenta a ela?

— Claro!

Nos sentamos pra tomar o café. Gumi trocava ideias animadamente com a mãe da Tianyi, que era bem gentil e simpática. Gakupo estava sentado ao meu lado e só isso já seria o bastante pra tirar um compasso de meus batimentos cardíacos, e pra completar ainda estava me servindo chá. Ok, pra Rin também, que estava ao meu lado...

De qualquer forma, por algum motivo a proximidade dele não me deixava tão nervosa agora quanto deixaria, sei lá, um dia atrás.

Esquisito.

— Acabou que os irmãos dormiram juntos essa noite – Rin dizia, dando um tapa na mão do Len quando ele tentava roubar as torradas de seu prato. – Eu não quis ficar sozinha no quarto, e a Gumi... O que foi mesmo?

— Não sei direito – Gakupo respondeu. – Vai ver estava com medo de algum pesadelo, eu não perguntei. Ela parece tão animada hoje de manhã, que acho que não foi nada demais.

Notei que Len me encarava incisivo, então apenas dei de ombros e tomei meu chá.

Nem a pau eu ia dizer o que tinha visto noite passada pra ele. Não até que a Gumi resolvesse falar comigo a respeito, é claro.

Depois do café todos se separaram para fazer as malas. Íamos pegar o ônibus que partia de volta pra cidade, e provavelmente íamos chegar antes do almoço. O céu estava de um cinza pesado, o ar tão frio que todos usávamos pelo menos dois casacos.

Yukari tinha ido tomar o café depois que saímos da sala de refeições. Mais uma vez ela parecia estava evitando se juntar a nós. Mas enquanto estávamos no quarto arrumando a bagagem para partir, ela continuou agindo como se nada tivesse acontecido. E a Gumi também.

Tá, eu pensei. Óbvio que elas não iam dar bandeira na minha frente ou da Rin agora. Mas eu mal podia esperar o momento em que a Gumi viesse conversar sobre a noite passada. Ela parecia tranquila agora, mas eu tinha certeza que por baixo daquela fachada ela devia estar cheia de incertezas e preocupações... Só esperava que eu pudesse dar todo o apoio que minha amiga precisava!

Deixei elas e a Rin arrumando as coisas e tirando as dezenas de pôsteres das paredes e fui dar uma volta pelo interior da pousada. Já tinha estado em outros locais que tinham aquela arquitetura antiga, mas era sempre bom estar em contato com esses locais. Me ajudavam a manter a imagem deles viva na mente, caso precisasse desenhar algo assim no futuro. Peguei o celular e fui tirando fotos dos corredores, das passagens, das lamparinas e detalhes dos jardins.

Estava entretida com o desenho de uma montanha numa das paredes, quando vi o Kaito abrir a porta do quarto dele, alguns metros adiante.

— Tá fazendo o que aí? – Tinha sua bolsa de viagem a tiracolo, já arrumada.

— Tirando umas fotos de referência. – Olhei pra ele e tive uma ideia. – Ei, vem aqui.

— Hein? – ele murmurou confuso, mas se aproximou mesmo assim.

— Fica perto dessa parede. Vou te usar como escala humana em relação ao tamanho da pintura da montanha.

— Ah, certo.

Ele ficou parado ao lado da pintura, meio desconfortável. Mas consegui tirar a foto e mostrei a ele satisfeita.

— Dá pra ver que é uma pintura grande... Apesar de que você nem é um cara muito alto.

Ele estreitou o olhar, uma veia pulsando discretamente na testa. – Obrigado. Posso ir agora?

— Ah, Kaito, sobre ontem...

— O quê? – ele perguntou, ficando tenso de repente.

Parei indecisa. Ele não parecia lembrar sobre o que houve, mas ainda assim...

— Nada não – respondi. – Só queria te agradecer, você tomou conta de mim e tudo mais... Valeu mesmo.

—  Hm, certo – ele assentiu, mais desconfortável que antes. Tive a impressão de ver o pescoço dele se avermelhar sob a echarpe. – Eu não fiz... Nada estranho ontem à noite, fiz?

— Não – menti. – Só me deu uns pontapés enquanto dormia. E acho que estava sonhando com seus mangás de novo.

— Ah – ele murmurou sem graça, mas parecendo meio aliviado. – Sinto muito por isso.

— Tudo bem.

Depois que me vi sozinha de novo, pensei se não seria melhor ter dito o que aconteceu. Mas não ia fazer diferença nenhuma. Até porque o Kaito era do tipo que não se abria com ninguém.

Quando eu ia saindo percebi que tinha algo caído na porta do quarto dele. O lenço que ele me emprestou na noite passada. Quase fui embora sem ligar, mas por algum motivo voltei lá e guardei o lenço no bolso.

 

 

 

Às nove da manhã já tínhamos arrumado tudo e deixávamos a pousada. Tianyi, que ainda ia ficar mais um pouco, veio se despedir de nós e só ficou tranquila quando garanti a ela que estava tudo bem. Ela me lembrava um filhotinho de poodle nervoso.

— Foi um fim de semana ótimo, gente – Gumi dizia para todos nós, que estávamos sentados perto dela no ônibus. – Sério, muito obrigada por terem vindo!

— Realmente – eu respondi toda afetada. – Foi um grande sacrifício trocar um fim de semana enfurnada em casa por uma estadia gratuita naquela hospedaria bacana, mas o que é que a gente não faz pelas amigas né?

— Até a Tianyi-Sadako compensou – Rin concordou rindo.

A chuva esperou até que descêssemos na estacão central pra cair com força. Lanchamos num café e tiramos mais algumas fotos juntos, antes de finalmente pegarmos o trem e nos despedirmos uns dos outros a cada estação. Primeiro o Kaito desceu, e vi alguém bem parecido com o mordomo dele esperando-o na plataforma. Depois foram os Kamui e a Yukari-senpai. Gumi ainda parecia tão tranquila como sempre, mas eu tinha certeza de que ela devia estar guardando toda a angústia que sentia só pra ela.

— Até que você se comportou bem – os Kagamine comentaram, assim que nos vimos sozinhos no trem.

— Como assim?

— Geralmente você surta só de saber que o Gakupo-san vai estar por perto– Rin explicou. – Acho que você tá conseguindo ficar mais no controle agora.

— É, mas não é disso que ela precisa – Len disse. – Dezembro vai chegar logo, hein!

Preferi não contar a eles que eu estava planejando deixar aquilo pra última hora, ou eles iam acabar me assassinando. Ou pior, iam contar tudo pra Gumi agora mesmo.

— Eu sei –  dei um peteleco na cabeça do Len. – Mas é verdade, um pouco de controle não faz mal... Olha como você se comportou bem Rin, mesmo com o Kaito tomando banho a uma parede de distância de nós.

Ela corou até a raiz dos cabelos, enquanto Len ria. – Aquele tapado não ia entender nem se a Rin tatuasse na testa. Engraçado, alguém escrever mangás shoujo e não saber quando tem alguém por perto a fim dele.

Ou talvez ele saiba, mas prefira se fazer de desentendido, pensei. No caso do Kaito, era difícil entender como a cabeça dele funcionava...

Depois que me despedi dos Kagamine, acabei pensando nas palavras que o Kaito tinha dito ontem à noite. Sobre estar com amigos e viver coisas novas. Por mais que eu tentasse não me importar, não conseguia deixar de me sentir um pouco feliz pelas mudanças na vida do Kaito. Além do mais... Depois da noite passada, eu não podia dizer que não me preocupava nem um pouquinho com ele.

Vendo a chuva pesada cair sobre a cidade e fustigar a vidraça do trem, lembrei de como acordei naquela noite, ouvindo ruídos estranhos e achando que a Sadako havia voltado pra me assombrar. Mas o quarto estava totalmente vazio, nenhum sinal de assombrações.

Vi a garrafa termica sobre a mesa e logo senti sede. Quando estiquei o braço para pegá-la, ouvi outra vez. Um murmúrio baixo, angustiado. Vindo do Kaito.

— Ei... – me aproximei dele hesitante. – Tudo bem?

Ele tinha a testa franzida como se sentisse dor, os olhos úmidos, lágrimas correndo pelas faces. Apanhei o lenço e sequei o rosto dele, confusa. Era algum pesadelo ou algo do tipo?

— Kaito – eu o chamei em voz baixa – tá tudo bem, é só um sonho...

— ...mãe...

Olhei pra ele estarrecida.

— Mãe... não...

— Kaito, tá tudo bem – repeti, agarrando a mão dele num impulso.

Ele estremeceu e respirou fundo, a testa relaxando devagar. Segurou minha mão de volta e pareceu se acalmar aos poucos, caindo no sono outra vez. E foi assim que dormimos, lado a lado, de mãos dadas.

Como se aquilo não fosse a coisa mais estranha do mundo.

 

 

Omake!

 

Na parte masculina da casa de banhos, cada rapaz aproveita a água do jeito que pode: Len, emburrado e com o braço pra fora da banheira, porque não pode molhar o gesso; Kaito, relaxado e cochilando feliz da vida com o vapor quentinho do banho, ainda usando a echarpe no pescoço; e Gakupo, com uma expressão meio melancólica enquanto ouve músicas no mp3. 

Se houvesse uma assombração na casa de banhos, provavelmente ia preferir pra um lugar mais animado. Como o banheiro das meninas!


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Notas finais do capítulo

OLAR! Nem demorei, mas quis adiantar logo esse final pra passarmos pra segunda parte logo. Afinal o prazo da Miku tá acabando, e algumas coisas precisam ser aceleradas mesmo que ela não queira (ou nem saiba, hehe)
A você que leu, o apelo de sempre: comente, diga o que achou, o que acha que tá por vir! Me dá esse incentivo e os hiatos não vao ser longos como antes. Não, eu não vou deixar de escrever por falta de reviews, mas saber que alguém está acompanhando é uma força pr acreditar que vale a pena. Então, empreste-me sua força!!
O próximo antes do que você pensa. Beijas e té maisinho :****