Shikashi!! escrita por Uma Qualquer


Capítulo 15
Dieta alienígena


Notas iniciais do capítulo

Onde colocamos nossos uniformes de inverno, descobrimos alimentos azuis e marcamos um encontro com a rival.



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A neve tinha começado a cair na altura em que a corrida sobrenatural apareceu em Cannonball. Foi um sucesso e a Gumi ficou muito feliz com a recepção dos fãs, e eu fiquei ainda mais feliz por ela. Ainda bem que a noite na pousada de semanas atrás tinha realmente ajudado ela, em vez de deixá-la confusa ou sei lá...

Não tinha como saber. Afinal, ao contrário do que eu esperava, a Gumi não falou nada a respeito comigo.

No começo achei que ela só precisava de um tempo, então respeitei por uns dias. Depois comecei a procurá-la e arrumar momentos em que ficassêmos sozinhas, entre os intervalos das aulas, e até fui à casa dela algumas vezes. Mas a Gumi parecia tão normal como sempre, e na única vez em que perguntei se ela não queria desabafar alguma coisa, ela de repente pareceu muito preocupada... Comigo.

— Eu não tenho nada, não... Mas e você, Miku-chan? Tá tudo bem mesmo?

Claro, eu não ia dizer, 'tudo bem, eu só queria saber o que rolou depois que a Yukari-senpai beijou você'. Não queria dar a impressão que tinha espionado ela naquela noite ou algo assim. Mas poxa... Esse tipo de coisa não devia ser compartilhada entre amigas? Me senti deixada de lado, ainda mais porque a Gumi continuou a ir ao clube de pintura ver a Yukari, mesmo quando não havia trabalhos a fazer por lá.

Só que até a Yukari parecia a de sempre. Os Kagamine não tinham notado nada estranho entre ela e a Gumi, era como se a noite na pousada nem tivesse acontecido... Exceto que eu sabia que tinha acontecido.

Então resolvi desencanar, já que não fazia diferença. Se a Gumi estava bem, eu estava bem, e se ela precisasse de mim eu a ajudaria.

Mas que eu fiquei, assim, um pouquinho decepcionada, isso eu fiquei.

 

 

Com a neve caindo lá fora, pusemos nossos uniformes de inverno e passamos a fazer atividades físicas no ginásio coberto. O aquecedor da quadra  parecia funcionar melhor que os das nossas próprias salas, de modo que ficávamos bastante tempo por lá, inclusive fazendo nossas refeições nos bancos. Não havia problema, desde que não fizéssemos sujeira lá.

Os Kagamine apresentavam mais um ato da sua obra "Sinto muito porque você não pode jogar". Len lançava olhares desolados à equipe de vôlei que treinava na quadra, enquanto Rin ao seu lado insistia docemente pra que ele comesse alguma coisa.

— Seus ossos não vão se curar se você não ingerir proteínas!

— Eu sei – Ele jogou a franja pra trás com a mão, num gesto dramático. – Mesmo sem poder jogar, eu continuo vindo aqui... Só assim esqueço o frio fazendo meus ossos doerem.

— Oh Len... Quando chegarmos em casa eu vou aquecer bem você.

Um bando de garotas do fã-clube Kagamine dava gritinhos frenéticos, algumas inclusive filmavam a cena com seus celulares. Eu revirava os olhos, enquanto Gumi e Kaito ao meu lado assistiam embasbacados.

— Como eles conseguem...? – Kaito murmurava. – Sei que é só atuação, mas eles estão ficando muito bons nisso.

— Acho que o fato de eles serem mais jovens que nós deixa tudo mais fofo – Gumi opinou. – Se não for isso, não sei o que é.

— São só duas pestes sem um pingo de vergonha na cara – afirmei convicta.

Pelo que eu podia perceber, Gumi e Kaito já tinham voltado a amizade de antes, se não fossem ainda mais amigos agora. O tempo cura mesmo as mágoas, e mesmo sabendo que eles nunca ficariam juntos, ao menos eu estava feliz porque eles até que se entendiam bem. Eram mangakás, eram adolescentes e sofriam uma pressão absurda por parte da editora, então nada melhor do que terem um ao outro com quem contar.

E depois, até que era bom ver o Kaito agir como gente normal pra variar. Ele já não cochilava tanto quanto antes, fazia as atividades, conversava com o pessoal, sentava com a gente no intervalo pra comer aquele...

O que era aquilo?

— Kaito – a Gumi olhou também, parecendo meio confusa. – Desculpa perguntar, mas... Por que o seu obentou é azul?

— Ah, é minha cor preferida – ele sorriu, como se estivesse contando uma grande novidade.

— Mas... isso aí é comestível pelo menos?

O arroz da marmita dele tinha um tom azulado e pedacinhos de coisas azuis e brancas, e a salada era composta de folhinhas azul-escuras. Eram cores lindas, mas que ficavam horrorosas em qualquer alimento.

— É arroz com mirtilo e queijo Roquefort – ele nos explicou, apontando com os hashis. – E salada de alface roxa.

— Você é doente. – Tirei dois polvinhos de salsicha da minha vasilha e coloquei na dele. – Me ajuda aqui, Gumi!

Ela tirou estrelinhas de cenoura da vasilha dela e pôs sobre o sobre o arroz azul. De repente, a refeição do Kaito parecia até bonitinha demais pra ser comestível.

— ...Obrigado–  ele murmurou incerto. Acho que o TOC dele estava seriamente abalado.

— Vai, come logo – incentivei. – Não vai querer essas coisas laranjas quebrando a harmonia do seu obentou, vai?

Ficamos almoçando juntos até pouco antes do sinal tocar. A Yukari-senpai apareceu na entrada do ginásio, olhando para nós. Na mesma hora, a Gumi disse que nos veria na aula, apanhou as coisas e saiu ao encontro dela.

Sem falar nada, tomei meu suco enquanto observava as duas indo embora juntas. Então o Kaito disse:

— Você e a Gumi-chan são mesmo bastante amigas.

— Pois é.

— E a Yukari-senpai é bastante amiga da Gumi-chan.

— E daí – resmunguei aborrecida. – Você andou analisando a Yukari também?

— Certamente.

"Certamente", eu arremedei ele em pensamento.

— Ela é bem sensata e gentil, e está sempre cuidando pra que todos estejam bem, especialmente a Gumi-chan. Mas quando quer alguma coisa é bastante persistente.

— ...Mesmo? – Olhei pra ele em dúvida. Será que ele tinha percebido...?

— É, nunca vou me esquecer dela me obrigando a fazer todas aquelas pinturas para o festival! Yukari-senpai é assustadora às vezes.

Respirei aliviada. Então, era disso que ele tava falando...

— Você não está com ciúmes delas duas, está? – Kaito insistiu.

— Claro que não – respondi meio azeda. – Que história é essa agora?

— Nada, é só que eu lembrei daquela noite na pousada, quando você não quis dormir no quarto das meninas. Até hoje não entendi o motivo...

— Nossa, aquilo já tem um século. – Tá Hatsune, foi só um capítulo atrás. – Como você ainda lembra?

— Não posso esquecer – ele balançou a cabeça. – Afinal, foi a primeira vez que dormi com uma garot...

Gesticulei desesperada pra ele fazer silêncio.

— Você tá doido? Se alguém te ouve falando assim vão pensar o quê?

— Nada, ué – ele deu de ombros. – Nós dois nem fizemos-

Quer calar essa boca?

A Rin e o Len vinham chegando na mesma hora. Rin trazia um monte de guloseimas dadas pelo fã-clube Kagamine.

— E aí, tão falando de quê? – ela sentou-se junto a nós, muito interessada.

Lancei um olhar desesperado pro Kaito, morrendo de medo de ele falar alguma besteira. Mas ele me retribuiu com um sorrisinho inocente e distraído. Quem visse até diria que ele puxou aquele assunto de propósito...

Alien desgraçado.

 

 

As coisas seguiram nesse tempo frio e sem muitas novidades. As folgas estavam ficando mais raras, já que eu aproveitava até os intervalos pra ir desenhar alguns cenários. Em casa eu varava a noite estudando textos, fórmulas e cálculos, e desenhava mais um pouco. Eu nem me assustava mais quando via o tamanho das olheiras no espelho do banheiro. Todo mundo na escola parecia tão ou mais estressado; quando eu achava que estava mal, bastava olhar os rostos dos dois mangakás da minha turma e perceber que tinha gente ainda pior. Acho que se o Kaito ainda estivesse fazendo os dois mangás sozinho, já teria colapsado!

Certa noite eu desabei sobre os cadernos em cima do kotatsu. Acho que já tinha começado a cochilar antes mesmo de fechar os olhos. Então o celular fez a mesa estremecer e me acordou. Era o Kaito.

— Aconteceu alguma coisa com o serviço de entregas para amanhã, então eu vou passar na sua casa para recolher os cenários, certo?

— Ok..

— Você não me deu os dados de sua conta bancária. Como vou pagar o seu salário?

— Hmm – balbuciei, provavelmente começando a sonhar. – Em barras de ouro, que valem mais que dinheiro...

— Miku-chan, se queria trabalhar de graça era só ter me avisado.

— Quê? Espera–  sacudi a cabeça tentando despertar. – Pode trazer quando vier, então... Eu não tenho conta bancária.

— Combinado.

Desliguei o telefone e desabei outra vez, mas antes de fechar os olhos, o celular vibrou novamente. Dessa vez era a Gumi.

— Miku-chan! Tá livre pra fazer alguma coisa amanhã à tarde?

Olhei pras páginas de mangá sobre a escrivaninha e os livros da escola que eu tinha largado em cima da cama. Nah, eu só tinha planejado estudar e trabalhar até cair dormindo nos papeis.

— Eu não queria mentir pro nii-san, então disse a ele que eu ia sair contigo... Mas você é minha melhor amiga, então podemos ir nós três.

Sua melhor amiga... Pra quem você conta 'quase' tudo .

Uma vozinha rancorosa soou em minha mente. Sacudi a cabeça pra afastá-la.

— Nós três, quem?

— Eu, você e a Luka-san.

— Hein?!

Por essa eu não esperava.

— Bem, é que nós duas sempre saíamos juntas, antes de o nii-san e eu nos mudarmos pra cá – ela contou. – Só nós duas, 'programas de meninas'. Mas ela arranjou um emprego e nós nos mudamos, e agora eles dois terminaram... Acho que ela só quer relembrar os velhos tempos. Não é como se tivêssemos deixado de ser amigas afinal.

Fazia sentido, mas ainda assim... Eu, num 'programa de meninas' com a Luka?

­– Por favor, Miku-chan...

— Tá, tá, eu vou, não precisa chorar - respondi impaciente.

— Ah Miku-chan! Você é a melhor pessoa. Vai ser ótimo amanhã, a gente tá precisando mesmo sair e se divertir um pouco.

Não quis lembrar a ela que esse divertimento ia nos custar horas estudando e trabalhando. Eu sou chata, mas não uma estraga-prazeres. Então combinamos de onde e a que horas nos encontraríamos, ela agradeceu mais uma vez e eu desliguei, suspirando.

O que a gente não faz pelas amigas, né.  



Omake!

Alguns dos ingredientes usados na cozinha da mansão Shion:
— batatas vitelotte
— cogumelo indigo
— milho azul
Nos outros alimentos que não são azuis, algumas gotas de anilina costumam ser adicionadas. A comida azul da mansão Shion é consumida apenas pelo proprietário. Seus empregados preferem refeições mais convencionais, e com aspecto menos desagradável.



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Notas finais do capítulo

Olar pessoas! Obrigada por chegarem comigo até aqui. Está sendo um pouco, pra não dizer completamente difícil atualizar as fics, mas Shikashi é a que mais tenho animação em continuar. O feedback de vocês que leem e comentam me ajuda muito, então só tenho a agradecer seus lindos :***
Se é sua primeira vez aqui, que tal sair do anonimato? Deixe sua opinião, dúvida, sugestão, drops de Mentos, estou aceitando todas as interações possíveis =D Mais uma vez, valeu por lerem! Beijas e té maisinho :******