Shikashi!! escrita por Uma Qualquer


Capítulo 11
Esticando o prazo


Notas iniciais do capítulo

Em que conhecemos uma jovem fangirl chinesa, temos nosso prazo estendido e arranjamos um emprego!



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O domingo passou se arrastando. A Rin até mandou mensagem perguntando como foi o dia anterior, mas eu não quis dar detalhes.
Ia ter que contar a minha derrota ao Len pessoalmente. Tentar uma negociação talvez, implorar se fosse preciso. Eu não tinha conseguido agora, mas poderia tentar de novo, certo?
As aulas seguiram no ritmo corrido de sempre. Len não parecia estar com a mesma aparência endiabrada de sempre desde que quebrou o braço, mas naquele dia ele estava particularmente sombrio. Pedi pra conversar com ele no intervalo, e ele achou ótimo, porque tinha uma coisa pra falar comigo também.
Aquilo não parecia nada bom.
Enquanto o professor de inglês ia atender a um chamado na coordenação, a gente aproveitou pra respirar e logo se viam alunos saindo dos lugares, esticando as pernas no corredor e conversando livremente.
— Gumi-san – uma aluna se aproximou de nós duas timidamente, com uma revista de mangás nas mãos.
— Sim? – ela respondeu curiosa.
A garota era uma menina chinesa, aluna de intercâmbio da nossa sala, chamada Luo Tiyani. Era magra e bem pequenininha, com os cabelos longos e escuros presos ao estilo chinês. Era tão calada e tímida que ninguém reparava muito nela. Eu mesma nem lembrava que ela tava na nossa turma até aquele dia ,em que ela nos mostrou a edição semanal de Cannonball na revista.
— Desculpa incomodar... É que eu gosto muito desse mangá, e ouvi dizer que você é a autora dele... É verdade?
Gumi olhou pra mim e eu sorri. Seria Tiyani a primeira fã dela? Por causa do pseudônimo, ficava difícil acreditar que uma simples colegial fosse a autora de um mangá shounen popular. Mas ao que parecia, a aluna de intercâmbio não ligava muito pro senso comum.
— Sim, é verdade – Gumi voltou-se pra ela. – Tiyani-san, não é?
— Sim – ela respondeu, os olhinhos escuros brilhando. – É... É um prazer te conhecer! Eu adoro mesmo Cannonball e... Eu sei que a escola é difícil, mas por favor, nunca deixe de desenhar. Quero muito ler essa história até o final!
Gumi sorriu para a menina, sem saber o que dizer por um momento. Então pegou o caderno e começou a rabiscar algo cuidadosamente. Eu cheguei perto e percebi que era o Pochipochi, o passarinho mascote do protagonista de Cannonball. Ela pôs uma assinatura e uma dedicatória, e então destacou a folha e entregou a Tiyani.
— Kyah~! – ela pareceu soltar brilhinhos pelos olhos quando viu o desenho. Curvou-se para Gumi, toda feliz. – Muito obrigada, Gumi-sensei!
— Por nada – ela respondeu sem graça, curvando-se também. Era a primeira vez que alguém a chamava de sensei, ela parecia tão feliz que mal disfarçava. – Eu que agradeço!
Alguém avisou que o professor estava voltando, fazendo a sala entrar num rebuliço até estarem todos quietos quando ele chegou. De longe dava pra ver a Tiyani admirando o desenho sorridente. Então a Rin atrás de mim cutucou meu ombro, entregando um bilhetinho que eu devia passar pra Gumi. Ela abriu e nós espiamos o conteúdo.
“Parabéns! (Kaito)”
Ela se virou para o alien e sorriu em resposta. É, acho que as coisas estavam melhorando entre eles.
Mas o problema era outro, pensei, olhando pro meu outro lado, onde um braço engessado jazia na mesa enquanto Len escrevia com a outra mão. Sorte que ele era destro, ou eu estaria copiando os deveres do quadro em dobro agora...


Com o período de chuvas, estava impossível ficar um minutinho que fosse no terraço. A gente fazia nossas refeições por ali pela sala mesmo, no refeitório ou no corredor. Com o fã-clube dos Kagamine assediando os irmãos ainda mais por causa do braço do Len, ele quase não conseguiu se livrar delas. Então a gente desceu as escadas e foi até um corredor que ligava os prédios da escola.
A chuva caía forte dos lados da cobertura, mais pesada que o nosso silêncio. Mesmo assim, eu ainda não tinha certeza do que falar ou fazer. Pedir mais desculpas? Implorar por um pouco mais de tempo?
— Então Miku-chan – ele repousou a mão sobre o quadril. – Pelo jeito as coisas não deram muito certo, não é?
— Tá... Tão na cara assim? - perguntei sem graça.
— Tá.
Bom, ele sabia que não tinha dado certo, o que era ótimo porque eu não precisava falar da chance perdida do sábado. Suspirei fundo. Hora de implorar.
— Len-kun – me curvei até as pontas das marias-chiquinhas encostarem no chão. – Por favor, se você me der mais um tempo...
— Claro que eu dou.
Levantei a cabeça na mesma hora, surpresa.
— Na verdade, se você puder me dar uma informação, eu estico o seu prazo até a noite de Natal.
Aquilo me dava uns três meses de sobra! Eu não podia pedir mais nada...
Mas claro, não viria de graça.
— Que informação você quer?
Ele desviou o olhar, encarando a chuva por um momento.
— Ouvi dizer que alguém mais se declarou pra Gumi, e que você provavelmente sabia quem era.
Espera aí.
— Então, você pode me dizer?
Espera aí!
— Mas... Achei que a Gumi tivesse dito não a você – eu falei, com cuidado pra não abrir alguma ferida que aquele ‘não’ tivesse deixado.
— Sim, ela disse– ele deu de ombros. – Mas eu fiquei curioso. Acho que depois de tudo, eu posso ao menos saber quem é a outra pessoa que gosta dela. Não é como se eu fosse competir com essa pessoa nem nada, já que nós dois fomos recusados.
Bom... Ele não ia usar aquela informação pra nada de mais além de saber quem era, certo?
— ...Foi a Yukari-senpai – contei.
Ele baixou a cabeça loura, sacudindo-a devagar. – Tudo bem. Você tem seu prazo, Miku.
Já ia voltando para o prédio quando algo passou pela minha cabeça.
— Len-kun, quem te disse que outra pessoa se declarou pra Gumi?
Não tinha sido a Gumi, ou ela teria me dito. Ela também não era do tipo que daria o fora em alguém dizendo que outra pessoa já tinha tentado antes. E claro, não fui eu quem contei. Então...
— A Yukari-senpai – ele disse.
— Quê?!
Eu me aproximei dele de novo, chocada.
— Como assim?
— Foi logo que voltei a estudar. A Yukari-senpai perguntou se eu sabia onde estavam os pinceis que eu usei na época do festival. Eu fui no clube ajudar ela a procurar e nisso meu celular acabou caindo no chão. Ela viu que minha tela de bloqueio era uma foto da Gumi. - Ele corou um pouco. - E bem... Na hora ela não falou nada, mas viu a foto. E à noite, ela me mandou umas mensagens estranhas. Dizendo que alguém já tinha se declarado pra Gumi, e que você devia saber quem era. Que não era pra eu ter muitas esperanças. Coisas desse tipo.
— A senpai fez isso? – exclamei, sem acreditar.
— Talvez ela só quisesse fazer uma brincadeira, foi o que eu pensei. Então fui em frente e me declarei pra Gumi... Mas aí lembrei daquelas mensagens e fiquei curioso. Agora tudo faz sentido.
— Como assim?
— Eu sou um cara, entende? – Len riu, com um ar cansado. – A Yukari-senpai devia achar que eu tinha mais chances com a Gumi só por ser homem, e tentou me deixar tenso pra que eu não desse em cima dela. Ou algo assim... Enfim, não adiantou nada. A Yukari-senpai foi besta de ter pensado isso. A Gumi só pode gostar de quem ela quiser.
— É mesmo...
Que história maluca, eu pensava. Como uma pessoa tão madura e racional podia agir daquele jeito? Por ciúmes, sério?!
— Ei, Len-kun... Você acha que a Gumi devia saber dessa história?
Ele pensou por um momento, e então sacudiu a cabeça.
— Não tem por quê – disse. – Elas são amigas também, e a amizade delas deve tá balançada por causa do lance da declaração. Não tem por que eu ficar fazendo picuinha entre elas, é besteira.
— Mas a Gumi não vai saber o jeito que a Yukari agiu contigo.
— E daí? Foi comigo, e se eu não to ligando, ninguém precisa. Se eu tivesse no lugar da Yukari-senpai, quem sabe eu não ia fazer a mesma coisa?
Fiquei admirada. Não sabia que o Len podia ser tão altruísta assim. Ele podia muito bem ir lá e manchar o nome da Yukari com a Gumi, mas preferia ficar na dele. Quando foi que aquele moleque cresceu tanto?
— O que você tá olhando? – ele perguntou.
— Nada– eu sorri, apertando as bochechas dele. – É que você é bem mais maduro do que eu pensava.
— Sai pra lá – ele me empurrou mal humorado. – Não se aproveita de mim porque só tenho um braço funcionando agora. E vê se pensa num jeito de se declarar praquele cara. Eu consegui em um dia, se você não conseguir em três meses pode se considerar uma retardada.


O plano era simples.
Dizer ao Gakupo que era apaixonada por ele.
Ouvir ele dizer que apreciava meus sentimentos, mas que ele já amava a Luka. E além do mais, eu era muito nova e logo iria encontrar alguém que eu amaria de verdade. Ou algo assim. Passaria a mão na minha cabeça, me desejaria boa sorte e iria embora antes que eu começasse a chorar.
Claro, eu não choraria na frente dele. Faria isso em casa, por horas, ouvindo as baladas mais tristes da Utada Hikaru que eu tivesse no player. Com um pote de sorvete do lado, pra celebrar o fim do namoro que nunca existiu.
Depois torceria pro Gakupo não ter contado tudo pra irmã, ou eu acabaria perdendo minha melhor amiga mais rápido do que imaginava. Então iria até a casa dela, contaria tudo pessoalmente e torceria pra ela não interpretar nada errado. Com sorte eu levaria um tapa no rosto e uma porta na cara, mas depois de conversar com o Gakupo a Gumi podia pôr as ideias no lugar, e a gente poderia fazer as pazes e voltar a ser amigas como antes.
Certo?
Não. Talvez.
Era essa incerteza toda que me impedia de tomar uma atitude. Eu devia falar primeiro com a Gumi ou o Gakupo? Como nossas vidas seguiriam depois de eles saberem tudo? Será que eu podia adiar esse momento o máximo que eu pudesse?
A única resposta que eu tinha era pra essa última pergunta. Sim. Podia adiar por três meses. Eu era uma covarde? Era. Uma chorona sem atitude? Com certeza.
E ia esperar até a noite de Natal pra destruir minha vida?
Sem dúvidas.


Era um fim de tarde úmido, mas de céus limpos pela chuva que caiu de manhã. Eu ia saindo da escola com a Gumi e os Kagamine, quando o Kaito me chamou de lado.
— Podemos conversar?
Olhei pra fora da escola. Do outro lado da rua tinha um Audi azul-escuro estacionado, o novo veículo de transporte do alien enquanto estivesse em nosso planeta.
— Hoje é meu dia de fazer a janta – respondi desconfiada. – É bom que seja rápido, ainda tenho que pegar o metrô e...
— Eu posso te deixar em casa dessa vez se quiser. Um carro como aquele parece mais comum, eu suponho?
— Sim, também suponho – eu dei de ombros.
Me despedi do pessoal e entrei no carro, deixando eles certamente embasbacados. Claro, porque a mina que vive tirando onda do riquinho não pode pegar carona com ele uma vez na vida. O próprio Kaito abriu a porta do carro pra eu entrar, e o mordomo me saudou assim que me viu. Perguntou o meu endereço e então partimos.
— Vou ser rápido, como prometido – Kaito disse, tirando algumas páginas de uma maleta. – São fotos do interior da nossa escola, e imagens de outras também. Preciso saber se você pode usar como referência pra desenhar cenários em mangá.
— Hah– eu ri em desprezo, olhando para as linhas retas das paredes e as perspectivas óbvias dos corredores. – Cara, eu desenho pistas de corrida de três planetas diferentes. Acha mesmo que não dou conta de um punhado de mesas e cadeiras e um quadro-negro?
— Ótimo– ele suspirou aliviado. – Preciso de alguém pra desenhar os cenários de meus mangás. Um... Assistente, como vocês chamam. Gostaria de contratá-la.
— Não, obrigada.
Ele me olhou pasmo.
— Não – frisei bem a palavra. – Eu já trabalho pra minha amiga, a Gumi.
— Não é trabalho se você não recebe por ele.
— E daí? Você tem um monte de dinheiro pelo qual não trabalhou pra receber. Aliás, por que não contrata outra pessoa? Por que eu?
Ele baixou o olhar para as fotos. – Achei que fosse uma boa forma de te compensar pelo modo como agi naquele dia na estação. Fui rude com você, e é imperdoável tratar uma senhorita desse modo vulgar.
Aquela mania de agir feito um velho me dava nos nervos.
— Vai com calma, vovô – revirei os olhos impaciente.
— Estou dentro da velocidade limite, senhorita – o mordomo me informo lá do banco de motorista.
— Não o senhor... Olha, Kaito-kun, tá tudo bem. Você não me deve desculpas, e se deve, eu já aceitei. Tá tudo certo entre nós. Agora, arranja um assistente que possa se dedicar só a você. Eu já tenho o mangá da Gumi, e mesmo ele sendo quinzenal, leva tempo desenhar os cenários, ainda mais com as referências que ela me dá.
— Sei... Mas eu preferia que fosse alguém que já conheço. Como você disse, os cenários são fáceis, e meus mangás são mensais. Você também seria paga pelo seu trabalho.
— Tá, mas por que essa súbita necessidade de um assistente? Se a escola tá tão difícil, por que não larga e volta a estudar em casa? Ou só vai servir se a Megurine-san for a sua professora?
Ops... Eu e minha boca enorme. Não precisava pegar tão pesado... Pelo menos não agora.
Ele limpou a garganta e guardou as imagens dentro da pasta onde as trazia.
— ...Foi mal – murmurei.
— Você não entende – ele respondeu, voltando o olhar para a cidade que passava pela janela, banhada pelo por do sol. – Não quero deixar a escola. Acho que, se a Megurine-san voltasse, talvez eu pedisse pra ela trabalhar na nossa escola ou algo assim, mas...
Ele voltou-se pra mim, e fiquei aliviada de ver um ar mais leve em seu semblante.
— Desde que comecei essa rotina de sair de casa, encontrar tantas pessoas todos os dias, ver tantas coisas diferentes, participar das atividades de vocês... É estranho, mas é a primeira vez que me sinto parte de alguma coisa, e não só um pontinho vivo dentro de uma mansão. Sei que entrei na escola pelos motivos errados, mas agora não quero mais sair.
— Pelos motivos certos – eu sorri.
— Exato! Até as histórias são mais fáceis de escrever e desenhar agora, e eu sinto que os personagens que criei estão mais vivos que nunca. O problema é que... Essa nova vida que escolhi...
Eu entendia. Tínhamos acabado de sair de uma prova surpresa de química na última aula, e ninguém tinha cérebro pra mais nada naquele dia.
— Pois é – comentei. – Tudo tem seu preço.
Nos recostamos no banco, vendo o tom magnifico de laranja banhando os arranha-céus. Eu considerava a proposta teimosamente – se aceitasse, tinha que dar adeus a qualquer tempo livre que possuísse. Mas ganharia um pouco mais de experiência como assistente, além de uma grana extra, o que nunca era mau.
Mas como a Gumi reagiria ao saber daquilo?
— Ainda não sei por que tinha que ser eu– comentei. –Existem vários assistentes bem mais experientes por aí.
— Mas a Gumi me recomendou você.
Me voltei pra ele, surpresa.
— É, uma vez comentei com ela que a rotina dos trabalhos e provas atrapalhava meu rendimento nos mangás – ele contou. – Aí ela disse que não conhecia outros assistentes disponíveis, mas que eu podia conversar contigo e ver o que você achava.
Em vez de dar um esporro nele por ter usado ela pra conseguir informações sobre o irmão, a Gumi simplesmente recomenda sua melhor amiga, que por sinal é a única assistente de cenários que ela tem...
Dá pra entender agora quando eu digo que ela é a melhor pessoa do mundo?
— Vou pensar no seu caso – digo a ele. – Por via das dúvidas, se você tiver algum storyboard pronto pra eu dar uma olhada nos seus enquadramentos, seria bom.
— Claro!
Claro que ele tinha. Abriu a maleta e me entregou um maço de folhas rabiscadas com os projetos de páginas de mangá. Enquanto o mordomo seguia para o endereço que eu informei mais cedo, eu examinava as páginas, vendo os prós vencendo os contras de lavada. E assim, quando desci em casa, apertei a mão de Kaito num acordo.
— Serei sua assistente a partir de amanhã – declarei.
Mas o que aquilo significava, na verdade, era “não tenho mais vida a partir de amanhã pois você e a Gumi vão sugá-la como dois vampiros mangakás.”


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Notas finais do capítulo

Olarrrrr! A você que leu até aqui, meu muito obrigada! Caso esteja a fim de deixar o seu olarrrr, vai na caixa dos comments e deixa lá. Posso demorar mas te respondo hein! Beijas e té maisinho :*****



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