Ecos escrita por Laís


Capítulo 2
Coisas quebradas


Notas iniciais do capítulo

Queria deixar um recadinho de boas-vindas repleto de carinho para a srta. Juliana aka Rainha do Norte. Bem-vinda, Ju!
Queria muito postar logo esse capítulo então talvez eu tenha deixado algum erro escapar, se esse for o caso, peço desculpas.
Vou falar de umas coisinhas importantes lá no finalzinho.



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"Não somos abençoados. Não somos mágicos. Somos superficial ou profundamente quebrados."

C.R. Kiernan

Quantico – Virginia

2014

Assim que Spencer fez menção de entregar o pagamento ao funcionário, o rapaz que provavelmente ainda deveria estar no ensino médio agitou as mãos em um gesto negativo.

–Não, não, senhor. Já está pago – explicou.

–Você deve estar enganado... – começou a contradizê-lo sem ter a chance de terminar seu argumento.

–Uma moça que sempre senta ali naquela mesa passou aqui mais cedo e pagou o seu pedido – Spencer, confuso, permaneceu imóvel, atrapalhando a fila de clientes apressados – O senhor ainda vai querer mais alguma coisa? – perguntou em um tom áspero que pedia implicitamente para Spencer sair do caminho.

Bemidji – Minnesota

2016

Os policiais que recolheram os pertences da vítima e, logo em seguida, mandaram para a perícia, não perceberam a mensagem de texto salva em seu celular. Somente apanharam o aparelho próximo ao cadáver, enfiaram no saco plástico de evidências e simples assim começava-se uma investigação. Ronald Novak, veterano na Homicídios, trabalhava em parceria com um novato – Peter Coulson e, naquele momento, ouviam o que a médica legista tinha a dizer sobre a moça encontrada em uma viela lúgubre.

–A causa mortis é a que está bem na frente dos nossos olhos. Um único tiro na testa. Não há sinais de luta ou abuso sexual. O sistema a identificou como Melinda Jacobs; presa várias vezes por posse de drogas e prostituição – concluiu.

Enquanto fitava o corpo sem vida, Peter não pôde deixar de pensar no que aquela garota sonhava em ser quando criança. Era uma ideia que ele se esforçava para afastar, entretanto, todos sempre acham que são destinados a grandes feitos e é quase impossível imaginar que alguns acabavam daquela maneira. A tragédia parece impossível para aqueles fadados a missões importantes e futuros promissores. Não, essas coisas sempre aconteciam com os outros.

–Provavelmente foi um acerto de contas. Algum traficante que não recebeu o pagamento – arriscou Peter. – Achou algum familiar?

–Não, ela passou a infância pulando de lar adotivo em lar adotivo.

–Alguma coisa foi encontrada junto com um corpo? – Ronald nem ao menos titubeava ao olhar a vítima e Peter se perguntou quanto tempo levaria para que isso acontecesse com ele.

–Só um celular velho e barato. Agenda telefônica vazia, sem foto ou qualquer outra coisa. Exceto... Um rascunho nas mensagens de texto e aqui a coisa fica um pouco estranha. Vejam vocês mesmos. Não precisa pegar a luva, detetive. O aparelho já foi analisado, havia somente as impressões digitais da vítima. Nada mais.

Ronald tomou o celular e foi até as mensagens.

“Todas as noites eu desligo a luz

Esperando pela noiva de veludo

Irá o escamoso tatu

Encontrar-me onde estou escondido?”

–O que diabos isso significa? – Ronald ergueu a sobrancelha e admirou-se quando Peter deixou escapar um riso baixo. – Posso saber o que é engraçado?

–Senhor, isso é a letra de uma música do Pink Floyd – esclareceu, com divertimento na voz.

–Você tem certeza?

–Eu fui cantor de bares por muitos anos. Tenho absoluta certeza – confirmou.

–Então o que isso quer dizer? Uma assinatura? Uma mensagem?

–Ou talvez a vítima gostasse de uma boa música – Peter deu de ombros.

Ronald acenou para a legista, agradeceu e os detetives deixaram o necrotério.

Quantico – Virginia

2014

Julia agora passava mais cedo pela cafeteria do que o de costume; comprava seu café e ia para uma praça que ficava nas redondezas. Na verdade, fazia isso desde o dia anterior e duvidava que fosse se tornar um hábito, aliás, amanhã seria seu dia D, um momento de passagem e escolhas. Ela estava apavorada. Não poderia voltar para sua cidade natal, com sua mãe, muito menos para sua antiga casa. Sabia que havia um caminho certo para tomar, porém não conseguia enxergar qual.

–Ei! Olá!

Não precisou nem ao menos virar de costas para reconhecer a voz.

–Quem está seguindo quem agora, hein? – provocou enquanto parava de andar e girava os calcanhares para encará-lo. Com os braços cruzados, esperou que ele dissesse alguma coisa.

–Como você sabia o meu nome? – a direção dos seus olhares intercalava entre o chão e, fugazmente, Julia. Segurava duas embalagens de café e tinha os olhos apertados graças ao sol, enquanto isso, seu cabelo insistia em travar uma batalha silenciosa contra o vento.

–Como assim? – franziu o semblante e aproximou-se mais ainda, como quem acaba de perceber que aquilo era o princípio de uma conversa e não uma troca de “bom dia”.

–Você deixou minha conta paga ontem, mas como sabia meu nome para deixar registrado?

–Eu não sabia – deu de ombros – e ainda não sei. Só disse que se aquele cara estranho com roupas estranhas aparecesse, tudo estava por minha conta. O atendente soube na hora de quem eu estava falando. E não seria muito difícil descobrir seu nome, caso eu quisesse. Você sabe que eles escrevem isso na embalagem do pedido, não sabe? Não é como se fosse uma identidade super secreta.

–De qualquer forma, eu queria retribuir a gentileza – ofereceu um dos copos e esperou que ela o apanhasse.

O desconhecido sorriu timidamente e Julia – tão experiente em inventar histórias cotidianas para desconhecidos que via no metrô – detectou certo esforço para manter aquela conversa amistosa. E, olhando por alto, ele realmente não parecia alguém que saía falando com todos que esbarrava na rua. Aquela era a típica situação em que as pessoas que se sentiram fora de lugar a vida inteira – os esquisitos – se obrigavam a passar: um diálogo ensaiado sobre o clima, um evento social estúpido, uma festa. Tudo na tentativa de pertencer a algo porque é muito difícil se sentir como uma folha que é facilmente carregada pelo vento. Todos querem pertencer a algum lugar e fazer falta a alguém.

–Julia – decidindo que seria mais simpática, ergueu a mão vazia em um gesto cordial.

–Você sabia que em um aperto de mão milhões de bact...

Não deixou que terminasse a sentença, simplesmente bufou impaciente e agarrou a mão dele, repetindo a apresentação com uma carga de repreensão na voz:

–Julia.

Alguns segundos se passaram antes que ele desviasse o olhar e, fitando o aperto de mão que deveria deixá-lo desconfortável, respondesse:

–Spencer.

Bemidji – Minnesota

2016

Peter olhou o nome da tela do seu celular e atendeu a ligação prontamente.

–E aí, cara. Checando para ver como estou me saindo agora que entrei para o clube dos distintivos? – esperou a outra pessoa na linha responder e deu uma gargalhada sonora – Ah, tudo correu muito bem. Meu parceiro é um cara bacana, um bom detetive, mas não conhece Pink Floyd, acredita nisso?

Peter contou então sobre o cadáver e a mensagem nos rascunhos do celular. Esse tipo de informação era confidencial e não deveria ser dita a qualquer um, mas Spencer Reid não era qualquer um. Ele era o motivo de Peter ter ingressado na Força. A vida de músico foi maravilhosa enquanto durou, porém sentia que era a hora de galgar algo a mais.

–Julia Dream, hein? Ah, que música, meu deus... – estava se preparando para falar sobre os acordes e a letra da canção quando percebeu que Reid já havia desligado.

Quantico – Virginia

2014

–Então, Spencer, você tem algum lugar para estar agora?

Julia era – no sentido mais literal da palavra – normal. Não era alguém que faria você torcer o pescoço para olhar uma segunda vez se a visse na rua. Os cabelos escuros terminavam abruptamente em uma confusão de pontas repicadas logo acima do ombro. Durante os últimos dois anos, cortara os fios com uma tesoura meio enferrujada a cada três meses em um ritual quase sagrado.

Ela sempre se incomodou com pessoas que usufruíam de aparências impecáveis demais, faziam-na se sentir maculada por imperfeições, como era o caso da sua marca de catapora no canto superior da testa. Ficar tão próxima de Spencer fez com que ela se recordasse disso e, repentinamente, sentiu-se desconfortável, cônscia demais da sua fisionomia medíocre. Puxou uma mecha de cabelo para esconder a cicatriz e deu alguns passos para trás.

–Na verdade... Sim – confessou um pouco embaraçado ou talvez aquele fosse somente seu jeito, sempre meio desajustado – Meu trabalho.

–Ah, desculpa. Às vezes eu esqueço que nem todo mundo é um bote salva-vidas furado que nem eu.

Ele não sorriu, contrariando a intenção de Julia.

–Por que você diz isso? – seu semblante transmutou-se em algo sério e soturno rapidamente.

Julia deu de ombros.

–Algumas pessoas chegam da fábrica com defeito. Coisas quebradas. Só isso – ela estava agarrando as alças da mochila enquanto falava, o que a fez sentir-se como uma colegial. Largou-as rapidamente e por um segundo lembrou o quanto toda sua existência era patética. E, mesmo com toda a bagagem que possuía, estava realmente quase convidando aquele cara para sair? Sua estupidez não conhecia limites. Repreendeu-se por esquecer que não tinha valor nenhum, que alguém roubara aquilo dela e tentou remediar a situação da forma mais eficiente que conhecia. – Eu tenho que ir. Foi bom conhecer você, Spencer.

Virou as costas sem deixar espaço para que ele respondesse. Ela aprendera a ser eficiente em fugas. Na dúvida, sempre vá embora sem olhar para trás.

Spencer Reid assistiu enquanto ela dobrava uma rua e sumia de sua vista.

–Tchau, Julia.

~x~

Julia procurou pelas chaves na mochila, abriu a porta do prédio e seguiu pela escadaria apertada até o terceiro andar, onde ficava o apartamento que dividia com Jessica. Assim que entrou na sala repleta de telas pintadas pela estudante, jogou a mochila e o casaco no sofá. Estranhou o barulho de talheres, em geral sua colega de quarto dormia a manhã inteira e nada, nem a fome, era capaz de acordá-la tão cedo. Direcionou-se à cozinha pequena separada da saleta somente por uma mesa de jantar americana.

–Jessica? O que você está...

A pergunta congelou na sua garganta, seus pés fincaram no chão e os músculos enrijeceram, em um estado familiar de pânico.

–Senti sua falta, querida.


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Notas finais do capítulo

-Peter Coulson é inspirado em um personagem que realmente apareceu na segunda temporada de CM, ele é amigo de infância do Spencer que decidiu seguir carreira de música e tudo o mais. Na série, o nome dele não é esse, porém eu não achei a identidade desse indivíduo em canto nenhum e to com o tempo um pouco apertado para fazer rewatch :(
—Eu realmente gosto de "quebrar capítulo" com mudança de tempo-espaço, acho que fica meio chato repetir ano/cidade o tempo todo, mas não queria que ninguém se sentisse perdido enquanto lia.
—Não queria citar Caitlin R. Kiernan dois capítulos seguidos, mas bati o olho nessa frase na minha agenda e não resisti.
Acho que é isso. Beijos de luz e até o próximo.



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