A Raposa escrita por Miss Weirdo


Capítulo 16
Capítulo 16


Notas iniciais do capítulo

ADIVINHA QUEM VOLTOU DEPOIS DE ANOSSSSS
ISSO MESMO
EU :D
Agora, meus jovens leitores, vou dizer algo: eu não gostei desse capítulo.
Sério, não curti. Mas de qualquer maneira, eu tinha que posta-lo. O anterior saiu no carnaval, faz mais de 20 dias (eu imagino) que eu não atualizava, me desculpem por a única coisa que vocês estão recebendo agora é esse projeto de história.
Mas, oh well, é o que temos.
Hoje não tem mapa porque os Sailors estão no castelo :)



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A carruagem tremia a cada pedra que a roda passava, e acredite ou não, eram várias.

— Vocês também tem a sensação de que o mundo todo está virando de ponta cabeça? - Tubarão gesticulou, uma expressão de ânsia em seu rosto.

Eu queria muito manda-lo calar a boca, pois qualquer som fazia-me ter vontade de vomitar. 

— Estamos mareados, gracinha - Sombra riu, mas sua própria cabeça balançava de um lado para o outro.

— Ou talvez o fato de quase termos sido decapitados? - Tobias ironizou, o que resultou em eu rolar meus olhos.

Abracei meu estômago. Coisas demais haviam ocorrido em pouco tempo. Só de imaginar a lâmina cortando meu pescoço… Um formigamento percorria o local, como se pressentindo minhas sensações, e eu contive o ímpeto de massagear ali, apenas para garantir que minha cabeça estava mesmo no lugar.

É claro que ela está, seu estúpido. 

Bem diferente do transporte que usaram para nos levar até a cadeia, aquele era completamente acetinado de um verde claro que dava-me náuseas. Era tudo tão… Bonitinho. Dadas as nossas condições de quase mortos, eu estava surpreso por toda a população ter trocado de opinião a nosso respeito. Passamos de ladrões assassinos para amigos do regente de maneira bem rápida.

O regente. Grier, ele havia se apresentado. Bem, depois de criar aquela cena ao rever Fox.

Quando ela assentiu rapidamente, afirmando o que ele duvidava, correu até ela e jogou-se de joelhos, abandonando todo o ar nobre para transformar-se em uma criança. Olhou para ela sem reação, os olhos arregalados. Tocou seu rosto com cuidado, e eu tive vontade de cuspir em sua cara. Estava ordenando sua morte a apenas um minuto e já se encontrava no direito de colocar a mão nela?

De qualquer maneira, Fox não vacilou. Ela permitiu, o que me deixou ainda mais nervoso com Grier.

Depois daquilo, eles trocaram alguns sussurros, ele passou os dedos por uma das mechas de seu cabelo e começou a assentir rapidamente, e com isso foi apenas uma questão de tempo até que fôssemos soltos e encaminhados até algumas carruagens. Fox, apesar de tentar recusar, foi na principal, a com os adornos dourados, acompanhada de Grier e seu comitê de nobres, exatamente o avesso de sua personalidade humilde.

E, bem, naquele momento estávamos todos indo para o palácio, contornando as ruelas pelas casinhas de pedra. Mesmo na capital de Tiga as construções eram iguais às de minha vila.

— Acho que vou começar a dar ouvidos às suas baboseiras sobre o Destino, Tom - Tobias disse, ao meu lado - estava certo todas as vezes. 

E, para ser franco, eu realmente estava. Eu ainda não havia morrido - obviamente -, e não sabia compreender o porquê. Está certo, eu estava sempre tagarelando sobre como o Destino tinha planos para mim, mas, na verdade, era apenas pura sorte. Eu tinha de admitir, o futuro era tão incerto quanto qualquer outra possibilidade, a única diferença era que eu me agarrava nele como se fosse um bote salva vidas e torcia para que ele não furasse e afundasse na vastidão do oceano.

— O que vocês acharam do regente? - vi-me perguntando.

— Estou com vontade de lhe acertar um soco - murmurou Sombra - nós quase morremos.

— O que Tomeh fez para merecer um soco? - Tubarão questionou, horrorizado.

— Não, idiota, no regente - Bat sibilou, cruzando os braços.

— Ele estava apenas seguindo as ordens do país - Cabeça pronunciou - não é justo da nossa parte achar que ele estava errado. Aqui ele cria as regras da mesma maneira que Fox criava no Metal Curse. Ou vão me dizer que se esqueceram das incontáveis pessoas que matamos apenas por se aproximarem de nós?

— Bem, não há honra no mar - Sombra utilizou como desculpa.

— Não estamos no mar - respondi, relutante. Eu não havia gostado de Grier, algo nele não parecia certo, mas provavelmente era aquele último resquício de pânico de quase ter morrido em suas mãos. Eu precisava de tempo para me acalmar.

Não muito depois de nossa conversa ter se encerrado, a carruagem parou. Trompetes começaram a soar enquanto barulhos sutis de passos ecoaram em madeira. Afirmei que, naquele segundo, os nobres da primeira carruagem deveriam estar descendo, e que logo em seguida seria nossa vez.

Realmente, eu estava certo. Quando a porta se abriu eu tive que cerrar os olhos, pois o sol iluminou exatamente meu rosto. Ficamos todos parados lá dentro, como que esperando um sinal, mas eu me recordei que Fox não estava conosco para nos mandar invadir um navio para roubar comida. Não, daquela vez éramos apenas nós seis e um castelo cheio de pessoas feitas de joias e ego.

Tomei a iniciativa de me levantar primeiro. Passei pela porta de madeira olhando para o chão com o intuito de não tropeçar na frente de ninguém, o que deu certo. Ao levantar o olhar, prendi a respiração.

Era como estar de volta no Metal Curse pela primeira vez.

Meus olhos foram em questão de segundos do chão até a torre mais alta do palácio. Ele era feito de pedras escuras, e diversas bandeiras amarelas com pássaros bordados enfeitavam as janelas, portas e torres, igual a roupa e ao broche de Grier. Era gigante, majestoso, imponente e repleto de guardas, o que me deu certo calafrio. Balancei a cabeça mais uma vez, apenas para espantar a sensação estranha.

Fox sorriu e olhou para cima, cobrindo a parte de cima do rosto com a mão para evitar o sol de atrapalhar a visão:

— É igual eu me lembro - falou.

— Realmente, precisamos fazer uma mudança - Grier colocou as mãos na cintura, analisando, o que apenas causou risadas na ruiva.

Antes que ela pudesse responder, virei-me assustado com um barulho alto, mas era apenas Tubarão que tinha tropeçado ao sair da carruagem. Alegrei-me por não ter sido eu.

— Cavalheiros - disse o regente, aproximando-se, e torci o nariz com o termo. Nós éramos qualquer coisa, menos cavalheiros - nós temos aposentos o suficiente para todos vocês se acomodarem pelo tempo que for necessário. Agora vocês serão encaminhados aos quartos para um bom banho e roupas serão entregues.

— Não temos dinheiro para pagar por isso - Mohra falou, de braços cruzados. Ele tinha vindo numa carruagem diferente junto de outros marujos que não couberam conosco.

— Não se preocupem com isso - ele sorriu - considerem isso como um presente por trazerem Belena de volta para mim.

Todos eles sorriram animados, e pelo visto eu fui o único que estranhou aquela frase. Bem, eu e Ello, postado ao lado de Mohra, parecendo mais confuso do que nunca. 

Naquele momento Grier virou-se e pegou Fox pelo braço, a levando para dentro dos portões. A visão dos dois juntos era estranha, uma vez que um estava quase que brilhando de tão limpo e bem vestido, e a outra estava com as roupas amassadas e caindo, e o cabelo bagunçado e armado por causa do banho de chuva do dia anterior. Mesmo assim, ele parecia não se importar.

Antes que pudéssemos segui-los, o pequeno grupo de ricos que seguia Grier nos impediu.

— Lady Evanna achou que seria adequado se nos apresentássemos - disse o garoto de cabelo preto - eu não faço questão, mas de qualquer maneira…

— Ah, fique quieto - a garota de madeixas negras sorriu, o empurrando gentilmente, e logo em seguida fazendo uma reverência - eu sou Evanna, e este é meu irmão, Sir Fredrik. Eu já fui dama de companhia de Belena, quando éramos crianças. Bem, isso até… Até seu palácio ser saqueado - ela vacilou, fazendo feição de dor. Percebi logo que se tratava de uma garota emotiva.

— Tudo bem, Eve, não precisa reviver esse momento - um outro menino, este de cabelos tão loiros que quase pareciam brancos, segurou seu ombro gentilmente - eu sou Sir Hyn, e esta é minha esposa, Lady Jia, que também foi dama de companhia de Belena - apontou com a cabeça para uma figura silenciosa logo atrás dele. Sua pele era pálida, os lábios rosados e o cabelo castanho escuro liso corria até sua cintura. A menina fez uma reverência, e eu não tive certeza se estava delirando, mas seus olhos estavam focados nos meus.

— Nós somos… Deixe-me ver - Tubarão falou, procurando um lugar por onde começar, e logo em seguida apontando de um em um - Tobias, Mohra, Ello, Bat, Sombra, Cabeça, Jaguar, Tomeh e eu, Tubarão. Ah! - exclamou - ainda temos outros Sailors, Garra, Batata, Magma e Sequela, mas eles ficaram desmaiados no navio.

Ela definitivamente estava me encarando.

— Mas vocês não têm nomes? - Hyn questionou, pendendo a cabeça.

— Esses são os nossos nomes - Bat sorriu - pelo menos os que escolhemos ter.

— O que é isso nos seus olhos? - Evanna indagou, se aproximando com o dedo esticado dos olhos de metal - posso tocar?

— Não? - ele respondeu , confuso, e a garota apenas se contraiu em vergonha.

— Mas tudo bem, pode tocar no meu braço, se quiser - Tobias tentou consertar a situação.

Por que Jia não parava de me encarar?

E o mais importante, por que eu não conseguia parar de encara-la?

— Evanna, vamos leva-los para dentro, sim? - disse Fredrik, a puxando antes que ela encostasse no braço mecânico de Tobias, como se esse fosse contagioso.

Ela então entrou numa discussão com o irmão enquanto eles rumavam o castelo. Hyn estendeu o braço para sua esposa, e antes de virar para seguir seu rumo, parou para me olhar uma última vez discretamente. Nós os seguimos, e eu me perguntei se mais alguém tinha notado que ela estava me encarando.

Já dentro do castelo, não fiquei surpreso ao ver o grande hall de paredes reluzentes e os estandartes amarelos com os pássaros distribuídos. Guardas esperavam em todas as portas, prontos para receberem ordens, e logo moças uniformizadas e silenciosas nos puxaram para um corredor naquele mesmo andar, onde fomos encaminhados para os nossos quartos.

A cama era grande e ficava no centro, a colcha azul escura e dourada, e pesadas cortinas amarelas pendiam das duas janelas na parede oposta a porta. Um armário marrom escuro em outra parede, junto a uma mesa. Uma outra porta na parede a minha direita me levou a um banheiro, e eu me questionei a quanto tempo em não tomava banho. 

Fiquei um tempo mergulhado na água da banheira. Eu realmente precisava daquilo, e o dia tinha sido cheio de emoções. Eu continuava me questionando onde estariam os outros marujos, o que teria ocorrido. Fox com certeza deveria ter pedido a Grier para mandar homens até o local, quem sabe assim acha-los. 

Apenas pensar em Grier já revirou meu estômago, algo realmente não me soava bem, e aquilo martelava em minha mente. O que ele queria com Fox? O que ele já tivera com ela? O que ele quis dizer com “trazerem Belena de volta para mim”?

Tentei espantar os pensamentos de minha cabeça. O que me preocupava era o que quase aconteceu entre Fox e eu no calabouço. De onde eu havia tirado a ideia de beija-la? Foi ridículo, impulsivo, ela poderia ter gritado, me impedido… Mas não o fez. Ela ia me beijar também. E eu não tinha me arrependido.

Tudo aquilo soava muito bizarro, e meu coração acelerou-se só de imaginar o que teria acontecido. Fiquei ansioso momentaneamente, então decidi que já era hora de me vestir.

Assim como Grier havia dito, roupas esperavam por mim, em cima de minha cama. Três conjuntos, cada um com uma cor diferente. Optei pelo verde escuro, mas senti-me completamente incomodado. Aquelas roupas eram terríveis, eu mal podia me mexer dentro delas. Bufei, nervoso. Eu não estava gostando daquele lugar.

Quando deixei o quarto, encontrei Bat caminhando para o hall principal.

— Desconfortáveis, não? - ele disse, arrumando a manga da blusa.

— A sua também pinica? - eu sussurrei, o que fez ele rir.

— Ser nobre deve ser uma droga - ele falou, e eu confirmei.

Quando chegamos no hall, os outros marujos estavam lá, todos em suas vestes bonitas e brilhantes, e ao mesmo tempo que eles pareciam tão certos, também estavam muito errados. Os olhares perdidos, não sabíamos o que estávamos fazendo ali. Inclusive já deveríamos ter começado os preparativos para partir, não podíamos nos esquecer de que o único motivo para estarmos tão ao norte eram os ataques frequentes e repentinos dos demônios.

Coloquei os cachos de meu cabelo para fora do rosto. Sombra mexia-se desconfortavelmente, e eu soube que ele passava pelo mesmo que eu. Aquelas roupas, aquele lugar, eu não pertencia àquele mundo. Eu cresci na lama, eu morreria na lama. 

Trompetes soaram, eu virei-me relutante, esperando ver o regente descer as escadas acompanhado de seus amigos ricos, mas senti meu queixo cair quando, de braços dados com o garoto de cabelo castanho, uma ruiva bem familiar o acompanhava.

Mas eu não estava surpreso por ela simplesmente estar descendo as escadas, e sim porque ela estava muito bonita. E diferente.

Trajava um vestido roxo e dourado, nem era possível ver seus pés, e algo me dizia que ela não estava usando as botas de todos os dias. Seu cabelo estava solto, mas ao mesmo tempo mais curto. Teriam as damas o cortado? Um enfeite vermelho que quase desaparecia no meio das madeixas ruivas imitava uma flor, e aquilo com certeza era mais caro que qualquer outra coisa que eu já tivesse possuído durante toda minha vida.

Jaguar pigarreou atrás de mim, e aquilo tirou-me de meu transe. Balancei a cabeça suavemente para prestar atenção no que estava acontecendo. Olhei de relance para os Sailors, e todos eles pareciam tão surpresos quando eu. Pois bem, eu realmente estava chocado.

— Seu regente, Grier, acompanhado de Lady Evanna, Lady Jia, Lady Belena, Sir Hyn e Sir Fredrik - anunciou um homem ao pé da escadaria.

Belena.

Aquilo estava errado.

Eles se aproximaram de nós com sorrisos em seus rostos, menos Fox. Ela parecia desconsertada. Seu rosto estava corado, e algo me dizia que não era por estar bonita na nossa frente. O detalhe que mais me incomodava eram seus olhos tristes e inchados. Meu estômago se embrulhou, eu procurei ignorar o sentimento.

— Lady Belena, hm? - disse Mohra, um sorriso suave em seu rosto enquanto ele se aproximava dela para estender um braço - está linda.

Será que ele não podia ver que aqueles olhos vermelhos só podiam significar que ela esteve chorando?

— Você também não está nada mal - ela sussurrou, o que fez com que ele desse uma risada. Ela esticou a mão para poder acompanhar o marujo, mas Grier a puxou de volta em um movimento tão imperceptível que eu duvidei que alguém mais tivesse notado. Aquilo acabou por tirar olhares de dúvida de meu rosto, e percebi que Mohra encarava curiosamente.

— Eu e Belena temos muitas coisas para fazer nessa tarde. Ela está ansiosa por rever as terras onde tanto passeava quando criança. Temos de cavalgar, apresenta-la a outros nobres e passar rapidamente pela feira na parte Sul da cidade - Grier sorriu, animado.

Tentei olhar para Fox, tentar entender o que estava passando em sua cabeça, mas seus olhos nunca pareciam encontrar os meus. Encarava fixamente o chão e tinha a respiração pesada, e eu não consegui entender se o jeito que segurava o braço do regente era para tê-lo mais perto ou se para empurra-lo.

— Certo, mas e quanto a comida? Não comemos desde o almoço de ontem - Tubarão disse, abraçando o estômago.

— Eu não vou cozinhar para ninguém enquanto estivermos aqui - Cabeça ergueu os braços para mostrar que não queria responsabilidades.

Eu até seguiria as risadas dos marujos se não estivesse tão preocupado com Fox naquele segundo. Ela estava a beira das lágrimas, como eu já tinha visto tantas vezes antes. Sua proximidade com Grier estava me deixando inquieto.

— Oh, sem problemas - o regente riu - temos muitos cozinheiros aqui. Hoje vocês serão servidos, e servidos bem, como eu imagino que sintam falta.

— Nunca fomos servidos, para ser franco - Ello cruzou os braços.

— Somos pobres, esqueceu? - Tobias completou, o que deixou Grier completamente sem graça, coçando a nuca.

— De qualquer forma, aqui nós não damos completa importância para o almoço - ele interrompeu, antes que qualquer outra pessoa pudesse impedi-lo de prosseguir - temos um café da manhã farto, assim como o banquete da noite. E, hoje, agradeço por terem trazido esta joia de volta para mim, portanto teremos um jantar comemorativo! - ele sorriu, tentando colocar a mão no rosto da capitã, que apenas se esquivou.

Aquilo foi demais.

— Você está bem, Fox? - eu dei um passo para a frente, me abaixando um pouco para tentar estimula-la a levantar o rosto.

Assim que seus olhos encontraram os meus após respirar fundo, ela deu um sorriso suave. Assentiu levemente com a cabeça, apesar de que todo o seu ser berrava que não.

— Bem, estamos atrasados - Grier desculpou-se - eu adoraria que vocês nos acompanhassem, porém sinto em lhes dizer que existem atividades mais apropriadas para… Como posso dizer… Suas condições físicas.

— Você quer dizer que não podemos acompanhar vocês porque não temos braços? - questionou Tobias, visivelmente ofendido. Naquele segundo eu agradeci por Garra ter ficado no navio, ele já iria para cima do regente com todo seu discurso de “nós batalhamos para estar aqui” e…

Foi quando eu me toquei.

— Regente, o senhor mandou alguém checar os marujos que ficaram no barco?

Grier olhou para o chão, sem graça. Fox piscou os olhos já inchados com força, e vi seus punhos se fecharem. Naquele momento eu baqueei, dando um passo sem equilíbrio para traz. 

— Não… - eu murmurei. Uma sensação de vazio subiu por dentro de meu corpo, e eu pude afirmar que apesar de todas as lutas que tivemos contra demônios, aquele momento foi a pior sensação que eu já tive. 

— Eles estão… - Cabeça sibilou, nervoso, incapaz de completar a frase. Ninguém sabia exatamente como reagir, eu queria apenas sair correndo daquele lugar. Mesmo as grandes paredes do hall pareciam estar se fechando, prestes a cair sobre minha cabeça. Não podia ser real.

Mas era.

Fox soluçou e mordeu o próprio lábio, como se mesmo naquela situação julgasse que derramar lágrimas na frente de seus homens fosse proibido.

— Como podem ter certeza? - Jaguar questionou, a voz falhando.

— Mandei meus homens há uma hora para checar seu navio - Grier disse - eles encontraram quatro corpos jogados, marcas de ferimento. Infelizmente, frios.

— Vocês não pretendiam nos contar, cretinos - a voz de Mohra soou grossa como um trovão, e me arrepiei ao sentir sua raiva. Eu nunca tinha visto seu rosto tão bagunçado. Ele estava exatamente igual a todos os dias, mas ainda assim, havia um quê diferente. Algo a mais. Algo que tinha o deixado transtornado. Seus olhos nunca foram tão confusos e claros ao mesmo tempo - iam sair para cavalgar seus preciosos cavalos  de sangue puro e nos deixar sem saber de nada.

— Foi uma decisão minha - Fox sussurrou - eu não queria vocês irritados logo no começo do dia.

— Irritados? - Sombra riu, irônico - eu não estou irritado, eu estou possesso! Conheço estes homens há anos, capitã, o mínimo que eu deveria saber era como eles estavam!

— Não aumente sua voz - Grier sibilou.

— Ou o quê? - o marujo rebateu. Mesmo não estando com sua espada naquele momento, eu sabia que apenas um soco derrubaria o regente. 

— Grier, nós não tínhamos atividades para fazer? - Jia o cutucou. Ela deu uma olhadela para mim, e eu estreitei os olhos, confuso.

Ainda relutante, o regente assentiu com a cabeça e saiu da sala, acompanhado de seus guardas. E de Fox, o que me deixou ainda mais perplexo.

— E agora? - eu questionei, ao notar que estávamos completamente sozinhos.

— Eu quero jogar fogo nesse castelo - Tubarão cruzou os braços - se mais alguém estiver comigo, vou até a cozinha buscar lenha para tornar isso a maior fogueira já vista.

— Ei, vamos fazer algo que não envolva destruição em massa - Tobias sussurrou, mas seus olhos estavam perdidos. Assim como todos nós.

Comecei a andar sem rumo. Pelo que eu me lembrava de quando havia chegado, alguma porta naquele lugar levava até o jardim. Eu precisava de ar puro, não aguentava mais ser sufocado por toda aquela melancolia. Na verdade, meu maior desejo naquele segundo era sair correndo, chutar alguma árvore, gritar uns palavrões e depois me encolher e sofrer em silêncio.

O vazio em meu peito crescia a cada segundo que passava. Náuseas… A única sensação de perda que eu já havia tido era meu pai, quando ele saiu de casa. Agora foram quatro de uma vez, e infelizmente, eu sabia que de maneira permanente.

Quando a porta se abriu para o céu azul, eu instantaneamente fiquei com raiva. Era para estar nublado, gotas de chuva, sem ninguém nos jardins. Mas muito pelo contrário, o céu estava irritantemente bonito, a grama bem verde e crianças correndo e rindo. 

Andei com pressa até qualquer uma das árvores, pronto para chuta-la da maneira que eu queria… Mas não tive forças. Eu apenas caí de joelhos, respirando pesado.

Eu conhecia aqueles homens a muito pouco tempo se comparado com os outros marujos, que eram amigos a anos. Eu tinha quanto tempo de convivência com eles, um mês e meio? De qualquer maneira, ainda assim os conhecia. Ainda assim era amigo deles. 

Eu tinha uma dívida com Sequela. Aquele que lutara comigo no primeiro dia, onde a ansiedade e o medo me consumiram e quase me fizeram cometer uma loucura. Suas risadas irônicas e piadas sem graça eram as únicas coisas que ecoavam em minha mente, sua cara de idiota e personalidade engraçada. Eu não me esqueceria.

Então tinha Magma. Sua face queimada era a única coisa que meus olhos podiam ver naquele momento, as besteiras que ele dizia quando se juntava a Sequela, ou as loucuras que cometia ao tomar rum. Sua paixão um pouco psicótica por fogo e explosivos ainda ecoavam em meus ouvidos. Eu também não me esqueceria.

Garra, aquele estúpido loiro arrogante, que apesar de ser um idiota ainda tinha o senso mais justo de todos. Sacrificaria qualquer um por seus ideais, e da mesma maneira que eu temia aquela qualidade, também admirava. Eu perdi tanto um inimigo quanto um amigo naquela manhã. Eu não esqueceria.

E Batata, por fim. Batata era quase da mesma altura que eu e impressionantemente inofensivo. Só um pouco idiota de vez em quando, e mesmo assim foi um dos primeiros que pude confiar no navio. Ele, que fazia piadas inconvenientes e era irritante na maioria das vezes, sempre foi leal. Eu nunca me esqueceria.

Mas é disso que a vida é feita. De esquecimentos.

.

— Tomeh - Jaguar chamou mais uma vez, sentado ao meu lado na grande mesa.

Balancei a cabeça. Eu havia me perdido em devaneios mais uma vez, mas não estávamos todos? Ninguém ali estava completamente presente, então qualquer pessoa que começasse uma conversa tinha em mente que teria de repetir prováveis quatro vezes até que todos pudessem entender em parte.

— O que quer? - indaguei, levantando as sobrancelhas.

— A comida chegou, apenas isso - respondeu, dando de ombros. 

Realmente, os pratos tinham chegado. Eu até teria me surpreendido em não ter notado os serviçais trazendo os pratos, mas isso apenas prova meu ponto de que eu estava bem perdido em meus pensamentos.

Durante a tarde eu caminhei pela propriedade do regente. Era um castelo cercado de mata, igual minha vila, que por sinal não ficava longe dali. O terreno era basicamente plano, não havia o que ver. O luto, sim, este era evidente. E doía, eu podia afirmar. Doía bastante. 

Fitei as grandes paredes daquele lugar que cercavam a mesa e me deixavam sufocado. Os pratos dourados refletiam as várias velas espalhadas em seus candelabros magníficos, os marujos e nobres pipocavam os assentos e coloriam o ambiente com seus trajes desconfortáveis, mas os rostos traziam toda a escuridão e descontentamento que tentávamos esconder. Ou nem tentávamos.

O local estava absorto em um silêncio desconfortável, uns burburinhos ecoavam vez ou outra, mas logo afogavam-se no meio da melancolia. Grier tentara vez ou outra iniciar uma conversa, mas os olhares de repreensão de seus amigos nobres mandando-o calar a boca o fizeram concordar.

Foi então que Fox se ergueu. Todos se viraram para ela, que estava na minha diagonal. Seu vestido roxo já não parecia tão bonito, seus olhos castanhos não tinha mais brilho e seu cabelo, sempre tão vivo, parecia estar morrendo junto a nós naquele momento.

— Sailors - ela começou, olhando para cada um de nós.

— O que você está fazendo? - Grier questionou, mas a capitã o ignorou.

— Eu passei a tarde longe de vocês, quando o que eu mais queria era que pudéssemos nos unir para a cerimônia do fim - disse, colocando uma mecha atrás da orelha. O que era a cerimônia do fim? - Hoje, como sabem, perdemos quatro marujos.  Quatro de uma única vez, e nem pudemos estar perto para… Para… -  ela parou, respirou fundo, e então prosseguiu - para dizer adeus. 

Engoli em seco, a tristeza que nunca havia chegado a partir acertando-me mais uma vez no rosto. Prendi na garganta aquela sensação ruim de quem quer chorar, mas não consegue. 

— Para todas as batalhas que travamos, os navios que saqueamos, o rum que bebemos e as músicas dançadas. Os palavrões ditos, as brigas passadas e os momentos de paz… Magma, que já explodiu tantas coisas por nós, Sequela, que já bateu em tantas coisas por nós, Batata, sempre foi leal a nós, e Garra, sempre ao meu lado, sempre ao nosso lado. Vocês nunca serão esquecidos. 

— Um brinde a Garra! - gritou Mohra, se levantando e erguendo seu copo. Todos demos um gole.

— E um a Batata! - eu gritei, já de pé. Todos demos um gole.

— Um a Sequela! - berrou Sombra, empurrando sua cadeira para trás. Todos demos um gole.

Por fim, todos os marujos ficaram de pé.

— E a Magma! - Cabeça ergueu seu copo, e todos viramos o resto do líquido de uma vez em nossas bocas.

E quando começamos a bater nossos copos na mesa, Tobias fez a garra em seus olhos. Todos o imitamos, e eu senti, por um momento, que estávamos de volta ao navio, o lugar de onde nunca deveríamos ter saído.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado do capítulo mais do que eu :/
Vejo vocês no próximo!



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