Entropia escrita por Reyna Voronova


Capítulo 9
VIII - Dormir


Notas iniciais do capítulo

https://www.youtube.com/watch?v=vTU2iSdsU8Q
Tame Impala - Endors Toi



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VIII

Dormir


“It’s a hypnotist’s arm

And it works like a charm…”¹

— Tame Impala; Endors Toi.


— Adam… — a voz chamou. Era uma voz feminina, sussurrante, sensual. Era familiar.

Então despertou a visão e fez-se a luz.

Ouviu um tilintar cintilante de pedrinhas amarelas cor do sol e depois as viu, como um adorno preso ao teto do quarto. Estava num quarto, aliás. Mas o retinir mágico captou mais sua atenção que o aposento em si.

Ele andava, mas o sentido do tato e o controle não haviam despertado, se é que eles iriam, em algum momento. Estava indo em direção a uma mulher sentada num banquinho de madeira. A propósito, o quarto era madeira; teto, piso e móveis. Mas a mulher lhe chamou mais atenção.

Ele leu seu nome nos seus olhos atentos, que o perscrutavam, liam-no, estavam interessados nele e em seus pensamentos. Seu kayrn parecia escrito em letras garrafais de tão simples que foi lê-lo: Jenny.

Espere.

Não podia ser Jenny. Alguma coisa em seus olhos dizia que era Jenny, mas ao mesmo tempo não era. Era muito confuso e novo. Estaria ela invadindo seus sonhos? Ele lembrava-se de que Annik podia fazer aquilo. Ela tinha habilidades muito mais densas além de matar. Sua percepção onírica era igualmente excepcional, assim como sua sensibilidade com as palavras.

Ela e Adam eram prodígios quando chegaram à Universidade. Ela, na época, incrível com as palavras e sonhos. Ele, com a música e a hipnose. Então, por serem os mais dotados da Universidade, se conheceram. Entretanto, a vida acadêmica não os interessava. O deserto tinha muito mais conhecimento perdido ou nunca explorado para se descobrir. E então Adam descobriu-se um viajante excepcional, e Annik, uma assassina de sangue frio. Ela era uma excelente viajante, mas Adam sentia o deserto mais do que qualquer um devido à sua música, e por isso conseguia transitar por ele sem maiores problemas.

Mas aquela voz, aquela mulher não podia ser Annik. Mesmo ele tendo sentido a dog tag pegar fogo, ela jamais saberia que ele estava vivo e jamais poderia entrar em seus sonhos ou pensamentos. Aquela era… outra pessoa. Que sabia de sua existência e que sabia que vagava, tão vivo quanto o calor abrasante do saar.

— Adam… — ela pronunciou novamente. Sua voz era irreal. Soava como se ecoasse dentro de seu cérebro, para então entrar como um veio de água gelada dentro de seus ouvidos, refrescando e, ao mesmo tempo, fazendo-o sentir aquela sensação de dor de cabeça quando se toma raspadinhas bem geladas.

— Annik? É você? — ele perguntou.

— Nir, Adam — disse a mulher de nome incongruente. – Você leu meu nome, já sabe quem sou.

— Seu nome… está errado — ele disse, timidamente. As palavras não eram o forte de Adam nem em sonho.

— Como sabe?

— Eu… não sei. Eu o li, mas ele não parece certo. É como se você tivesse criado um nome falso. Isso não é possível, é?

— Adam, o que é ou não possível é apenas uma questão de tempo. No entanto, eu não vim aqui para discutir isso, sobre o que é possível ou não ou sobre meu kayrn. Eu vim aqui para discutir sobre a minha proposta.

— Diga.

— Encontre-me na Fortaleza de Areia. Lá, terei outra proposta a lhe fazer. Uma irrecusável, mas que só pode ser feita pessoalmente. Preciso olhar em seus olhos para saber se você estará disposto a aceitá-la. Além disso, tenho medo de que outros invadam seus pensamentos e descubram suas memórias e seus sonhos. Por enquanto, estamos seguros, mas eu espero que eles não tenham a mesma ideia tão cedo.

— Que outras pessoas?

— Eles.

Adam, mesmo em sonho, sentiu o coração tropeçar numa batida. Os olhos arregalaram-se de espanto.

— Você quer dizer… o Faraó?

— Sim, Adam. E ele não está sozinho desta vez.

— A Organização.

— Juntos, eles têm outro nome. Preferem se chamar de Aliança.

— Como você sabe disso?

— Eles mal se juntaram, mas já estão difundindo suas ideias pelo Mundo. Eles são movidos pelo ódio e querem vingança.

— Era de se esperar. Isso tem a ver com…

— Com Annik, sim. Mas não vai demorar muito tempo e logo terá a ver com você. Eles ainda não sabem que você está vivo, mas Annik foi vista pelo corvo da Organização no deserto, e ela não estava sozinha.

— Quem a acompanhava?

— Boa pergunta… Eles não disseram nada sobre seu nome nem sobre seu kayrn, apenas que é uma garota e que querem ambas mortas. Na verdade, não apenas elas, mas todos aqueles que sobraram da Legião, caso ainda estejam vivos.

— Eu não posso deixar que a matem! Ela é forte, mas desta vez… Desta vez ela não tem nenhuma chance… — Adam parecia perdido. Completamente perdido no meio deserto. Algo que para ele parecia impossível. Mas o impossível era, também, apenas questão de tempo.

— É nessa parte que você entra, Adam. É onde entra também a minha proposta. E tudo isso só vai se conectar quando você vier até mim e ouvir o que eu lhe pedir. E juntos, talvez, vamos impedir que o plano da Aliança se concretize. — Ela se calou. — A partir daqui, não posso falar mais nada. Você deve vir até mim para que eu lhe conte o resto. Não se esqueça; estarei aguardando-o na Fortaleza de Areia. Por agora, vou deixá-lo com seu sono.

A casa de madeira, Jenny e sua voz fria e sussurrante se dissiparam como uma fumaça úmida, como brumas numa tarde cinzenta, fria e chuvosa. Pôde sentir a voz gélida de Jenny como um hálito fresco e molhado no seu rosto, um sopro de letargia.

E Adam voltou para seu sono sem sonhos, um sono escuro e profundo como a eterna queda de um abismo sem fim.


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Notas finais do capítulo

¹Na epígrafe: "É o braço de um hipnotizador / E funciona como um encanto".



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