Entropia escrita por Reyna Voronova


Capítulo 28
XXV - Os Corvos




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XXV

Os Corvos


Cheiro de sangue ecoava e se dissipava por todos os lados como uma histeria coletiva — literalmente. Era viciante e prazerosa como uma droga ilícita ou um medicamento tarja preta.

Eles se embebedavam no cheiro e na carne, indo ao êxtase e repetindo a dose infindavelmente.

A comida era desnecessária a eles, mas o faziam por prazer. Dizia-se que, quando se comia a carne de um morto, os seus kra’vstanva tomavam mais forma, cresciam. As palavras tornavam-se mais compreensíveis e mais fáceis de serem sentidas. E é claro, havia toda aquela sensação de se estar no Paraíso, nos mais altos céus, celebrando como divindades soberbas e luxuosas.

— Comam, meus Corvos! Banqueteiem-se, meus Guias! — disse o Grão-Mestre. — Deliciem-se com a carne do inimigo!

Seus Guias, todos reunidos, o ouviram e o obedeceram cegamente. Mais cegamente do que o usual. Porque naquele dia, não havia ordens difíceis a serem cumpridas nem ordens maçantes.

As mãos, todas vermelhas, segurando um naco de carne e o enfiando cru na boca. Mastigavam com a boca aberta. A cada vez que os dentes pressionavam a carne crua dentro da boca, um caldo vermelho escorria como se fosse um molho.

Comiam com tanta selvageria que estavam longe de serem animais. Comiam como se fossem monstros desajeitados, ávidos e famintos. No caso, famintos por prazer carnal — literalmente —, não por comida.

Aquilo que comiam era mais que comida, era ambrosia. Outros seguravam copos de madeira, ferro, ouro; não importava. O que importava era o conteúdo: o vinho da safra mais ambicionada, um elixir, um néctar. Comiam o manjar dos deuses, celebravam como deuses, mas deliciavam-se, sentiam prazer como mortais.

O cheiro do ambiente era pútrido e aquilo os deixava num estado alterado, como se tivessem bebido além da conta ou injetado quaisquer combinações de drogas nas veias. Qualquer ser normal se afastaria correndo ao ver, cheirar, tocar, ouvir aquela cena, mas não eles. Porque eles eram os Corvos.

Naquele dia, não mais havia sinal de Organização. Aquele nome fora abolido, e era por isso que banqueteavam. Aquele nome era perigoso demais para se falar em voz alta. Um nome sem graça e que também não combinava com eles. A Organização não era lá tão organizada quanto a [maldita] Legião fora. Uma parte deles ainda sucumbia ao hedonismo, à crueldade que eles tanto amavam e os deixavam vivos.

Não, agora era uma nova era. Agora, deixariam de reprimir seus instintos como faziam quando ainda eram Organização. Deixariam de ser brandos como foram e seriam mais fortes — em todos os sentidos. Seus Corvos não mais seriam moscas-mortas covardes e que só sabiam acatar ordens como antes. Todos deveriam se encaixar na nova proposta d’Os Corvos: pessoas que seguiam seus instintos de dor e masoquismo¹ sempre que possível. Pessoas que mantinham o controle sobre si mesmas e perseguiam suas ambições.

E a ambição d’Os Corvos era o controle sobre o Mundo para que todos tivessem o controle sobre suas próprias vidinhas miseráveis para que pudessem correr atrás do que queriam. Eles queriam liberdade. O controle que pregavam não era um totalitarismo hediondo como o do Faraó, que castigava e punia. Era a liberdade para perseguir seus desejos, e punir aqueles que lutavam contra isso. Não era uma coisa tão ruim, era? Então por que eram vistos como demônios? Aquele renascimento iria levar ao Mundo uma perspectiva menos cruel da antiga Organização, um ponto de vista em que cada um poderia se sentir representado ali.

Pensando nisso… Vaerteyn teria dado uma ótima Corvo. Não havia pessoa mais cruel que ela. Infelizmente, o que faltava-lhe era o instinto. Ela não perseguia suas ambições como os Corvos. Pelo contrário. Tentava reprimi-las. O caso dela era algo… estranho. Seu kra’vstan era mais forte que o de qualquer um ali, inclusive o do próprio Grão, mas mesmo assim… ela ainda lutava contra sua própria natureza.

De qualquer forma, não importava. Ali, ele reunira um exército de pessoas tão cruéis quanto ela, e ela, sozinha, não daria conta de derrotá-los. Poderia ter um kra’vstan mais forte que o de qualquer um ali, mas juntos, eles eram mais fortes que ela.

Então, assistindo o prazer de seus Corvos, o Grão-Mestre bebeu do seu próprio copo e comeu do seu próprio prato.

Um churrasco de carne humana pelo festim e um drinque de sangue pela renascença.


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