Antes que novembro acabe... escrita por OmegaKim


Capítulo 10
Dez - Aproximação.


Notas iniciais do capítulo

Oi, galera!
Todo mundo deu uma surtada no ultimo capitulo, ne kkk...
Surtem com esse capitulo!
Em comemoração aos Mil acessos, 8 favoritações, 39 leitores e aos 31 comentários e ao fato de novembro ter acabado rsrsrs, aqui está o capítulo 10, o mais esperado por mim!! rsrs
boa leitura!



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Dez – Aproximação.

“Esse é o nosso segredinho.”- Erica disse baixinho no meu ouvido. “Está escutando, Noah? Não pode dizer a ninguém”.

“Nem ao papai?” – meu eu de cinco anos perguntou.

“Nem ao papai”. – respondeu sorrindo segurando a navalha entre os dedos.

...

Abri os olhos, me pus sentado num rompante e hiperventilando me encolhi. Segurei meus joelhos e escondi meu rosto. Eu ainda era capaz de sentir o cheiro de sangue, salgado e me trazendo calafrios. Meu corpo começou a tremer na medida que a lembrança do sangue manchando meus dedos me vinha. Fechei os olhos com força numa tentativa de impedir essa lembrança. Comecei a balançar o meu corpo e a sussurrar números, na esperança de que isso me acalmasse. Mas eu sentia que já era tarde para mim, eu podia sentir o frio tomando conta do meu corpo mais uma vez e o enjoo subindo pela minha garganta. E a lembrança de todo aquele sangue na minha mão, brilhando sobre meus dedos.

– Não é real. Não é real. Não é real. – comecei a dizer a mim mesmo quando a imagem de Erica voltou a piscar por trás das minhas pálpebras.

– Noah. – alguém me chamou e na minha paranoia me encolhi mais onde estava, com medo de que fosse mais uma das ilusões.

Continuei sussurrando coisas sem sentido e balançando meu corpo, não levantei o rosto para ver quem tinha me chamado. Se eu ignorasse, a ilusão ia se desfazer. Não é real. Apertei mais meus olhos, eu não vou olhar. Não vou olhar. Não vou olhar.

– Noah. – a pessoa disse mais uma vez e tocou meu ombro, foi o gatilho para que eu surtasse de vez.

– Não toque em mim! - Gritei, meu coração estava acelerado e eu sentia que ia ter um enfarto a qualquer momento. Em minha defesa, achando que estava no meio de uma ilusão, empurrei a pessoa e me afastei dela. Voltei a me encolher e a sussurrar formulas de matemática como se fossem uma oração.

– Noah. – a pessoa tentou mais uma vez, mas eu me limitei a balançar a cabeça.

Não não não não.

– Olhe para mim, Noah. – falou e tinha alguma coisa de muito familiar naquele tom de voz. Fiquei bem parado onde estava, respirando pela boca porque eu sabia que se respirasse pelo nariz, ia sentir o cheiro salgado de ferro. Não abri os olhos, pois eu sabia que se abrisse ia ver todo aquele sangue de novo. – Sou eu, filho.

Mas me forcei a abrir os olhos devagar e levantei meu rosto para encarar a pessoa na minha frente. Tinha o cabelo castanho como o meu e olhos castanhos muito tristes e preocupados, cheios de dor. Eu o reconheci apesar de o olhar desolado em seu rosto.

– Pai? – sussurrei.

Ele assentiu, os olhos brilhantes demais. Ele piscou algumas vezes e só então percebi que papai estava fazendo um esforço enorme para não chorar, ele queria parecer forte. Eu soltei meus joelhos e me empertiguei em sua direção e meio incerto, o abracei. Papai me abraçou de volta e só então me dei conta de que estava chorando. Escondi meu rosto no peito dele e chorei. Chorei de medo, porque era o que eu estava sentindo: um enorme e puro medo. Eu realmente achei que ia morrer, que aquele sangue todo ia cobrir meu corpo, que ia preencher meus pulmões, que ninguém nunca mais ia me achar.

– E-eu achei que ninguém apareceria. – solucei. Papai me abraçou mais forte.

– Estou aqui. – ele me sussurrou, mas mesmo com essa certeza o medo ainda estava presente em mim, ainda podia sentir calafrios no meu corpo e ainda podia escutar a voz de Erica na minha mente.

– Eu a vi... e tinha todo aquele sangue...

– Noah. – Mike se afastou e me obrigou a olhar pra ele. – Não era real. Nada daquilo era real. Está me escutando?

– M-mas tinha todo aquele sangue... – chorei. – e eu estava com tanto medo.

E todo aquele sangue estava vindo em minha direção.

– Já passou. – ele voltou a me abraçar e eu me encolhi contra o seu corpo. E na medida que escutava as batidas do seu coração, eu sentia que o meu estava voltando a bater no ritmo normal.

Fechei os olhos e me deixei relaxar. Meu corpo saiu do modo sobrevivência e toda a adrenalina foi se esvaindo, de repente eu me senti tão cansado e com tanta vontade de fumar um cigarro que quase falei isso para Mike, mas me segurei no último segundo. Em vez disso me deixei levar pelo cansaço emocional, acabei dormindo nos braços do meu pai, onde eu me sentia seguro. Ali, eu sabia, Erica não podia me assombrar.

Tive sonhos conturbados, cheios de lembranças difusas que tinham como cenário lugares sangrentos e que me faziam acordar tremendo e com falta de ar. Mas assim que eu abria os olhos a imagem do meu pai ao lado da minha cama me trazia conforto e segurança, porque eu sabia que se alguma coisa desse errado meu pai estaria ali para me ajudar. Era com esse pensamento que eu me forçava a dormir, mas o meu corpo ainda estava aterrorizado demais para dá ouvidos ao meu cansaço. Então ficava horas em claro até que acabava derrotado pelo sono.

Eu tinha quase seis anos quando tive minha primeira crise. Lembro de estar na casa dos meus avós quando vovô deixou molho de tomate cair no chão e fiquei com medo daquela mancha vermelha. Lembro de chorar e gritar e chamar por Mike, lembro de todo o medo que senti em cada parte de mim, de ficar assustado quando Erica tentou me acalmar. Foi aí que vovó e vovô perceberam que havia algo de errado comigo, porque ninguém em sã consciência agiria do jeito que eu agi por causa de uma mancha de tomate. No começo eles achavam que eu tinha herdado os genes da loucura da minha mãe, pois veja bem, Erica era louca. Não existe modo mais ameno de dizer isso. Ela era louca. E a loucura dela acabou sendo a intermediária para o começo dela com Mike. Foi assim que ele a conheceu, afinal. Uma relação de paciente e médico que terminou de um jeito triste. Vovó costuma dizer que Erica ainda estaria viva se não tivesse conhecido meu pai. Talvez seja verdade, talvez não. O fato é que eles dois tiveram uma história bem dramática, que começou do jeito errado e que terminou do jeito errado: Ela se suicidando numa clínica psiquiátrica deixando dois filhos e um marido.

O amor é uma coisa engraçada. Às vezes doce e inocente, ás vezes sombrio e avassalador. Às vezes protetor e obsessivo. E no caso de Erica: bipolar. Os humores dela sempre estavam subindo e despencando no segundo seguinte, era como uma montanha russa. O problema era que ela me arrastava nesse passeio maluco.

Ela me odiou no momento que nasci. Primeiro porque ela nunca me quis e segundo porque fui um acidente. Maya tinha cinco anos quando Erica ficou grávida outra vez. Minha irmã me contou algumas coisas sobre os meses antes de eu vir ao mundo. Ela me disse que Erica não era tão louca, apesar do transtorno bipolar, nossa mãe tomava os remédios direitinho e tudo parecia bem no casamento dela com meu pai. Mas então ela engravidou e todo o psicológico dela desabou. Mamãe foi diagnosticada com depressão pós-parto e nos meses seguintes ao meu nascimento, ela não foi capaz de me pegar no colo ou ter qualquer outra ligação comigo. Mike foi quem cuidou de mim junto de Maya e meus avós. Vivi com a rejeição dela até meus dois anos de idade, que foi quando Erica começou a se recuperar e a reparar na minha existência. E foi então que os problemas começaram.

Até o episódio do “molho de tomate” na casa da minha avó, foram três anos convivendo com ela. Era Erica que ficava comigo quando papai ia trabalhar e quando Maya estava na escola, coisa que nos deixava com muito tempo para nos conhecer. Tenho lembranças confusas dessa época, são detalhes borrados que guardei sem querer como o cheiro de lavanda que o cabelo dela tinha, os olhos dela muito azuis e muito grandes sobre mim enquanto eu a seguia pela casa, o som da voz dela me pedindo para ficar quieto, o gelado da lâmina de navalha que ela usava para se “aliviar” no banheiro quando ninguém estava perto.

Erica era alguém cheia de emoções, cheia de vida dentro de si e acho que por não saber como canalizar essa vida toda, ela acabava se cortando. Fazia pequenos cortes verticais no pulso, barriga, coxas e deixava o sangue descer por sua pele como um ritual. E acho que de fato era um ritual, um ritual que resultava no alivio momentâneo de tudo. A vi fazer isso várias vezes. Eu ficava parado, muito quieto na porta do banheiro vendo ela segurar a navalha e cortar sua pele. No começo eu não tinha a menor ideia do que era aquilo, mas uma coisa dentro de mim dizia que aquilo era bom já que Erica nunca demonstrava dor alguma. Na verdade, lembro do sorriso dela enquanto fazia aquilo. Mas é claro, ela era louca. E ficou mais louca com o passar do tempo. Na medida que eu crescia, ela enlouquecia mais um pouco.

Erica brigava frequentemente com papai e grande parte das brigas era por que ela já não estava tomando os remédios.

Entretanto, quando gritei e chorei na casa da minha avó naquele dia por causa de uma maldita mancha de tomate e me recusava a ir com Erica ou qualquer pessoa que não fosse meu pai... Bom, eles iam ter que descobrir em algum momento, não é? Erica não andava apenas se cortando no banheiro, não era só o sangue dela que descia por aquele maldito ralo.

“Esse é o nosso segredinho.” – ela costumava dizer para mim.

Mas eu era só uma criança, não deveria guardar segredos como esse. Não quando eles eram dolorosos e perturbadores.

E enquanto ela terminou seus dias numa clínica psiquiátrica e eu comecei os meus num consultório psiquiátrico. Desenvolvi uma fobia por sangue, já que o sangue está diretamente associado com o que Erica fazia comigo e consigo. Foram malditos anos de tratamento, que me deram uma vida quase normal e que me fizeram ser taxado como “sensível” ou “fresco” por muitos. E eu estava indo bem, fazia anos que não tinha um ataque desses. Mas ver todo aquele sangue tão perto, em contato com a minha pele me levou de volta para minha infância e trouxe de volta antigos medos.

Acabo não indo a escola no dia seguinte em parte porque estou envergonhado pelo que aconteceu e em parte porque estou receoso em aparecer por lá. E se acontecer de novo? E se dessa vez eu morrer? Essas são perguntas que ficam rodando na minha mente e apesar de meu pai ter me assegurado que estou perfeitamente bem de saúde, que o que aconteceu foi apenas um epistaxe – um sangramento – causado pela mudança drástica de temperatura, que não existe chance alguma de acontecer mais uma vez, eu permaneci, fiquei no meu quarto o dia inteiro e no seguinte também e durante o resto da semana não fui capaz de sair de casa, de comparecer à escola e o pior, não fui capaz de sair do meu próprio quarto. Ali, entre aquelas quatro paredes eu me sentia seguro assim como me sentia seguro quando meu pai estava perto. Ele até mesmo me receitou calmantes para me ajudar a dormi, já que os pesadelos se tornaram frequentes.

Maya me ligou em algum momento durante essa semana, me encheu de perguntas e de prescrições, pois Maya tinha herdado o jeito preocupado de papai e toda aquela pose de médico que ele tinha. Depois de perguntar mil vezes se eu estava bem e me de fazer prometer que iria me cuidar e que ligaria pra ela pelo menos uma vez por semana para contar as novidades, ela deixou que eu desligasse. Vovó e vovô também ligaram e diferente de Maya, colocaram a culpa em meu pai. Disseram que ele não estava cuidando tão bem de mim assim e que se eu quisesse eles podiam dá um jeito para que eu voltasse para LA e viver com eles e Maya, mas apesar de parecer tentador e de eu ter desejado essa oportunidade durante muito tempo, eu simplesmente recusei. Disse a eles que estava bem, que o que aconteceu não foi culpa do meu pai e que a cidade não era tão ruim assim.

No domingo, eu tinha acordado com o barulho da chuva batendo contra o vidro da janela do meu quarto ao mesmo tempo que o brilho pálido do sol escondido atrás das nuvens transpassava pelo vidro. Fiquei ainda muito tempo deitado, embolado no meu lençol apenas observando os pingos descerem pelo vidro como se fossem lágrimas. Eu não estava pensando em nada de importante, estava apenas deixando meu pensamento vagar e vagar e vagar. No fim, foi o barulho da porta se abrindo que me trouxe de volta para a realidade.

Me sentei na cama, com metade do corpo ainda coberto com o lençol, esfreguei os olhos na esperança de parecer que acabei de acordar e depois me preparei para dizer ao meu pai que não estava com fome. Pois todas as manhãs desde a minha crise, papai tem trazido meu café da manhã no quarto, além de não ter ido trabalhar nenhuma vez desde que me recusei a voltar para escola. Entretanto, ali, nos segundos que a frase começava a sair da minha boca, acabei sendo pego de surpresa ao ver uma figura loira parada à frente da minha cama como se estivesse estado ali desde sempre.

Will estava vestido como um adulto que acabou de sair de uma entrevista de emprego numa empresa super famosa. Paletó, calça social e camisa social tudo preto. E por um momento desconfiei que ele tivesse vindo direto de um enterro.

– Oi. – ele disse ajeitando os óculos no rosto.

Ainda pasmado, disse:

– Oi... – mas saiu mais como um sussurro.

– Você não me encontrou na biblioteca como tínhamos combinado. – falou.

Encarei ele mais um pouco, uma parte de mim surpresa e a outra totalmente consciente da minha aparência bagunçada.

– Aconteceu um imprevisto.

O loiro fez menção de dá um passo em minha direção, mas como se eu fosse um animal perigoso, ele se manteve onde estava. Se limitou a colocar as mãos para trás e olhar pro chão.

– Eu soube. – confessou de cabeça baixa e então levantou o olhar para mim. – Fiquei preocupado com você.

E por um momento não soube o que pensar, o que responder, o que fazer. Fiquei ali, como um idiota, apenas o encarando de volta. O castanho no azul. E enquanto fazia isso me dei conta que o paletó escuro dele fazia o azul dos seus olhos parecer quase negro.

– E-eu estou bem agora. – falei e olhei pro lado, só porque tínhamos ficado tempo demais nisso e eu estava começando a me senti envergonhado.

– Trouxe uma coisa pra você. – disse de repente, voltei a olha-lo.

Will mexeu no bolso interno do seu paletó e tirou um punhado de folhas dali. Eram folhas de caderno, unidas por um grampo. Ele se apressou em vir na minha direção, esquecendo todo o seu nervosismo em se aproximar ou não, estendeu as folhas para mim. Peguei-as e senti quando a ponta do meu dedo raspou levemente na sua pele.

Folhei-as e imediatamente reconheci a letra. Eram anotações dos assuntos dados na escola.

– Elizabeth me obrigou a trazer para você. – explicou antes que eu perguntasse. – Ela me parou no corredor da escola e me ameaçou. – e sorriu minimamente.

– Liz te ameaçou? – perguntei ainda olhando para as anotações incapaz de imaginar Elizabeth frequentando todas as aulas apenas para anotar os assuntos e me entregar.

– Ah, sim. Foi bem engraçado, na verdade.

Mas assim que cheguei na última folha, encontrei a prova incontestável de que aquilo era de fato dela, pois escrito numa letra desleixada, Elizabeth deixou no verso da última folha:

“Fiquei bom logo.

Estamos com saudade.

– Liz.”

Sorri.

Levantei meu rosto para olhar o loiro, e perguntei o que tinha chamado minha atenção desde que o vi no meu quarto:

– Qual é a dessa roupa?

Will olhou para si e depois sorriu, então se sentou na beira da minha cama sem perguntar se podia. Mas de qualquer forma podia. Ele era a primeira pessoa com quem eu falava, que não era meu pai, desde o incidente na escola.

– Eu estava numa reunião. – respondeu.

– Uma reunião de negócios? - brinquei.

– Meu pai me obrigou a ir numa reunião com os fornecedores da loja. – ele avaliou os seus sapatos, olhei para lá também e percebi que em vez de sapatos sociais, Will estava usando o bom e velho tênis all star e isso me deu mais vontade de rir.

– E pela sua cara, você adorou. – me inclinei até a cômoda e deixei as folhas ali.

– Ele acha que tenho que começar a me interessar pelo negócio da família. – E fez o sinal de aspas em “negócio da família”.

– Ele não sabe que você quer ser jornalista? – joguei o lençol pro lado e me aproximei dele, me sentei mais próximo dele. Agora podíamos ficar de frente um pro outro.

– Até sabe. – e continuava olhando para baixo. – Mas ele vem de uma família tradicional, onde o mais velho era quem herdava o negócio da família e blábláblá.

– Meu pai não nunca disse que eu tenho que ser médico. – comentei por comentar.

– Mas o seu pai é legal. – ele levantou o rosto para me encarar.

– O seu não é? – ergui uma sobrancelha.

Ele sorriu e eu acompanhei.

– Quer saber, odeio essa roupa. – então ele simplesmente tirou o paletó, o cinto e os jogou no chão do meu quarto, desabotoou os botões que tinha no pulso e ergueu as mangas até os cotovelos, então desabotoou os dois primeiros botões da camisa. Bagunçou o cabelo e então me olhou e sorriu mais um pouco.

As facetas de Will ainda me deixavam confuso, mas nos momentos que estávamos juntos, ele era alguém totalmente diferente do que todos conheciam. Eu tinha a impressão de que Will era mais autêntico quando estava na minha presença, acho que porque eu era única pessoa que não se importava, porque essa era a verdade. Eu não me importava nenhum pouco com quem ele era, com as coisas que ele fazia ou com o que ele pensava. E essa minha não-importância com ele, dava ao loiro uma liberdade quase boa demais para que ele não aproveitasse. Então, Will acabava deixando escapar essas faces, pedaços simples e leves dele e que eram autênticos e bonitos de se olhar, como um caleidoscópio.

– Por que não foi mais a escola? – perguntou depois que ficamos tempo demais em silêncio.

– Aconteceu um problema. – olhei para baixo, envergonhado por ter deixado o medo me dominar e me impedir de sair.

– Seu pai me disse que estava doente.

– Estou melhor agora. – desconversei.

– O que você tem?

– Não é nada.

O escutei suspirar e pensei que agora era o momento que Will se levantaria e diria que precisava ir embora, e eu deixaria. Mas incrivelmente, ele segurou minha mão. Entrelaçou sua mão esquerda com a minha direita e perguntou, a sobrancelha arqueada em desafio:

– Quer tentar a sorte?

– Saiba que eu sou o rei da guerra de dedão. – me gabei.

– Ah, meu caro Noah prepare-se para perder o seu posto.

– Veremos.

– Veremos. – ele concordou.

E por mais infantil que seja isso, foi um bom passatempo. Brincamos disso por um bom tempo, com direito a risadas e gritos de vitória toda vez que um de nós perdia. E lá pela décima rodada, Will começou a falar:

– Sabe, coisas ruins também aconteceram comigo.

Desviei meus olhos da nossa pequena disputa e o encarei, confuso. Will acabou ganhando já que eu tinha me distraído, então foi a vez dele de levantar o olhar para me encarar. Nossas mãos ainda continuavam juntas, deixei assim.

– Antes de eu ser adotado pelos Moore. - contou e fiquei mais confuso ainda. Will é adotado? – Eu vim de um orfanato não muito longe daqui, um dia antes do natal os Moore apareceram lá e acabaram me levando. – ele explicou ao ver a confusão no meu rosto. – Mas antes disso, muitas coisas aconteceram naquele lugar.

– Que tipo de coisas?

– Quando não estávamos trabalhando até cair, estávamos sendo vendidos como animais. – disse simplesmente.

– Te machucaram? – perguntei subitamente preocupado com o loiro, mas ele se limitou a lançar um sorriso triste para cima de mim. E deixou transparecer toda a dor.

Apertei sua mão na minha em solidariedade, pois de uma forma triste eu sabia como era ser machucado.

– Também me machucaram. – confessei. Já que ele havia dito algo íntimo e doloroso sobre si, não vi problema em compartilhar também. Usei a mão livre para levantar um pedaço da minha camisa, deixei a mostra um pedaço de pele do meu abdômen. – Minha mãe fez algumas coisas ruins. – e peguei o olhar atento de Will cair sobre minha pele desnuda, sua mão ainda entrelaçada com a minha.

O loiro apertou os olhos em direção as minhas cicatrizes e eu sabia o que ele estava vendo: quatro riscos irregulares e esbranquiçados pelo tempo, e enfileirados um embaixo do outro.

Will soltou minha mão e tocou com a ponta dos dedos uma das cicatrizes, estremeci sob seu toque.

– Ainda doem? – perguntou baixinho como um segredo.

– Às vezes. – respondi, mas não me referia a dor física. Não, essas cicatrizes não doíam mais assim, elas doíam de outra forma. Doíam dentro de mim, no meu peito, na minha consciência. E de alguma forma, eu sabia que Will entendia muita bem a que eu me referia.

Seus olhos me encontraram mais uma vez e estávamos tão perto que eu era capaz de senti o cheiro de roupa limpa que vinha dele somado a um perfume amadeirado. Eu quis me aproximar mais um pouco e abraça-lo, encaixar meu rosto na curva do seu pescoço e capturar seu cheiro, mas eu estava assustado demais com essa repentina aproximação e com os meus pensamentos para fazer qualquer coisa que não fosse ficar parado onde estava, muito quieto e olhando nos olhos dele.

Senti quando seus dedos deixaram a minha pele e eu mesmo soltei a barra da minha camisa, deixei que o tecido cobrisse minhas cicatrizes.

– Como as conseguiu? – ele perguntou e não se afastou.

– Digamos que minha mãe gostava de brincar com facas. – falei simplesmente e também não me afastei.

– Bom, ela era louca. – falou e Will se inclinou em minha direção, não me afastei.

– Você está certíssimo. – sussurrei de volta e então não pude mais me segurar, simplesmente me inclinei em sua direção e terminei o espaço que nos separava.

Ao contrário do que pensei, Will não me afastou. E eu não o afastei. E nenhum de nós sequer pensou em se afastar. E nos segundos que se seguiram, eu só consegui pensar que Will beijava muito bem.


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Notas finais do capítulo

~~~~~~~~ sem nada a comentar ~~~~~~