“Um anjo alto e forte, de cabelos castanhos claros e olhos escuros se vira ameaçadoramente em direção a Philip, que avança impiedosamente em direção ao anjo, destruindo a todos que atravessavam seu caminho com sua lâmina muito afiada. O anjo que se virara para Philip aguarda parado a aproximação do inimigo e, assim que se encontram frente a frente, passam a duelar furiosamente, lâmina contra lâmina, até que em um golpe inesperado Philip perfura a barriga do anjo e me encara com seus olhos assassinos”.

Acordei gritando e suando, há dias que não tinha sonhos como esse. Levantei e procurei Ryan, que deveria estar na sala dormindo no sofá, mas ele não se encontrava lá. Procurei pelo resto da casa, mas o anjo tinha simplesmente desaparecido. Constatar isso me fez ficar ainda mais preocupada com o que o meu sonho poderia significar para o desenvolvimento da guerra. Ryan deveria nesse momento estar liderando o exército, impedindo que o mesmo destino do anjo de meu sonho se repetisse. Dei um pulo ao ouvir meu celular tocar e rapidamente o atendi:

– Alô? – perguntei confusa ao não reconhecer o número que me ligava.

– Sophie? Isso está funcionando? – perguntou uma voz que não reconheci pelo volume com que falava.

– Faith? – perguntei, pensando que essa era a única pessoa que faria uma pergunta assim.

– Sophie! Como eu... – não ouvi o resto da pergunta, acho que ela afastou demais o telefone do ouvido.

– Aproxime o telefone do ouvido Faith – falei alto para que ela ouvisse mesmo com o telefone distante.

– Agora consigo ouvir melhor – falou a loirinha.

– O que houve? Por que você está me ligando?

– Ryan estava preocupado com você, disse que Philip fez algumas investidas sobre o exército dos Céus essa noite – explicou.

– Eu sonhei com isso – informei-a – diga a Ryan que estou bem, Philip não me fez nenhum mal, somente ficou me observando novamente.

– Ele não vai gostar dessa notícia Soph – suspirou – mas ele não vai poder passar o dia com você. Você vai ter que ficar em casa.

– O quê? Por quê? – perguntei indignada.

– Você ainda tem aquele filtro dos sonhos? – questionou.

– Sim, está em uma gaveta. Por quê?

– Coloque-o em sua janela, ele irá impedir que Philip lhe localize – ela parou de falar por um instante – preciso ir, faça o que eu disse. Beijos.

Faith desligou antes mesmo que eu pudesse falar mais alguma coisa. Pensei por um momento se deveria fazer o que a loirinha disse e resolvi que mal não deveria fazer. Eu não tinha nenhuma intenção de deixar Philip se aproximar de mim novamente, ainda mais agora que Ryan não poderia aparecer para me livrar do Caído. Após posicionar o filtro dos sonhos, resolvi pintar o retrato de Philip, sua imagem não me saía da cabeça após a ligação de Faith (eu não tinha ideia de que ela sabia usar um celular). Resolvi que antes de começar a pintar deveria ligar para Cindy e avisar que não poderia ir hoje, mentindo que não estava passando bem e insistindo para que ela não viesse me visitar.

Peguei uma tela em branco (logo teria que comprar novas, minhas telas brancas estavam no fim) e comecei a pintar seus traços levemente quadrados, com uma expressão fria e calculista. Philip tinha a aparência de alguém de mais de 30 anos, mas seus longos cabelos castanhos lhe davam um aspecto jovial. Os olhos azuis com o contorno negro que, dependendo do momento, se sobrepunha ao tom azulado de sua íris. Em meu único encontro com o anjo não pude observar sua forma física detalhadamente, então pintei-o somente até o busto.

Algumas horas depois finalmente concluí a pintura e me deitei no sofá para descansar. O cheiro de Ryan rapidamente me atingiu e pus-me a pensar no anjo que se tornou parte da minha vida recentemente. Por que ele havia me beijado? Foi algo tão impulsivo e dominador que na hora simplesmente não pude pensar em mais nada. Mas foi tão... bom. Será que para ele teve algum significado? Não, não pode ter tido, ele é muito mais velho do que eu e definitivamente já conheceu mulheres muito mais bonitas que eu (e que eram anjos). Suspirei e percebi que não conseguia parar de pensar em Ryan. Mas eu não posso ter sentimentos por ele! Isso é errado, anjos são seres inatingíveis, eu não deveria nem ao menos ser capaz de vê-los! Como se eu o tivesse invocado em meus pensamentos tive um vislumbre de Ryan:

“Ele está de frente a um grupo de anjos, todos com machucados no corpo, falando sobre algumas táticas de guerra. Faith circula pelo grupo de anjos fazendo um feitiço para curar os feridos. Parece que, apesar do que eu vi, os Caídos tiveram mais baixas do que o exército de Ryan, que lutou bravamente até a chegada de seu líder que conseguiu impedir o avanço de Philip pelo menos por um tempo. Um dos anjos de repente pergunta sobre mim, sobre a minha importância, por que Ryan mantinha um de meus quadros sempre por perto e qual será a minha participação na guerra. Ryan fica em silêncio por um momento, suspira e (evitando as outras perguntas feitas) afirma que não sabe exatamente como, mas que eu terei um papel fundamental na luta contra os Caídos. Após a resposta de seu líder todos os anjos se calam e somente Faith se mexe, terminando de curar os anjos. Assim que ela chega perto de Ryan percebo que ele tem muitos cortes espalhados pelo corpo, alguns mais profundos do que o outro. Num corte particularmente profundo Ryan fecha os olhos e minha visão obscurece junto”.

O que Ryan afirmou me deixou confusa, eu nunca imaginei que chegaria o dia em que eu teria um papel fundamental e ativo na guerra. Obviamente eu não poderia lutar ao lado dos anjos, pois não tenho como voar e nem tenho reflexos tão rápidos quanto eles. Em um minuto estaria morta. Entretanto, não consigo imaginar o que eu poderia fazer que outros anjos não possam. Se eu nunca tinha entendido o significado dos meus sonhos, agora mesmo que eu não entendia mais nada. Por que agora? Por que eu? O que o futuro me aguardava?