Pela primeira vez em muito tempo consegui acordar antes de o relógio despertar. Espreguicei-me e senti a cama vazia ao meu lado. Estranhei isso, mas Ryan já deveria estar acordado. Levantei-me, tomei um banho e fiz minha higiene matinal.

Cantarolando, escolhi minha roupa do dia: um vestido floral e um all-star branco. Simples, mas ao mesmo tempo confortável. Prendi o cabelo em um rabo de cavalo e coloquei um batom. Estava pronta para sair.

Fui até a cozinha preparar meu café-da-manhã e encontrei uma mesa repleta dos mais variados tipos de comida com uma carta que tinha o meu nome. Abri-a:

“Bom dia, querida. Precisei ir ao Céu para resolver alguns problemas referentes ao ataque de Philip. Não se preocupe, voltarei ainda hoje. Com amor, Ryan”.

Suspirei com a mensagem, eu já devia saber que isso iria acontecer. Sentei-me a mesa e comi calmamente. Quando terminei, guardei o que sobrou e lavei a louça. Fui até meu quarto pegar meu material e, de fones de ouvido, caminhei tranquilamente até a faculdade.

Assim que cheguei lá, me encaminhei para a sala de aula. Ainda não tinha ninguém, então resolvi pegar meu caderno de desenhos. Me distraí com um retrato que fazia de Ryan e mal percebi que a sala estava cheia, até que ouvi uma pessoa se sentar ao meu lado.

— Nossa, faz muito tempo que não via você chegar tão cedo – riu Cindy.

Olhei em sua direção e, sorrindo falei:

— Dormi bem essa noite.

— Não parece ser só isso – duvidou ela – você parece mais relaxada, mais feliz.

Não respondi nada, mas Cindy era muito boa em saber o que os outros pensavam.

— Você dormiu com o Ryan! – exclamou alto demais, o que fez algumas cabeças se virarem em nossa direção.

— Fala mais alto que acho que ainda não lhe ouviram no corredor – sibilei.

Ela somente bufou e me mostrou a língua, como se não tivesse importância.

— Eu estou certa, não estou? – deduziu.

— Sim – murmurei e enterrei meu rosto no caderno, envergonhada.

— Não tem porque você ficar assim, não é como se vocês nunca… - neguei com a cabeça.

— Sério que essa foi a primeira vez de vocês?!? Nossa, eu estou chocada!

— Ryan está sempre ocupado, não é como se tivéssemos todo o tempo do mundo para nós – desconversei.

— Não me venha com justificativas – ralhou – mas eu estou tão feliz por você.

Ela me deu um abraço inesperadamente, sussurrando:

— Foi bom?

— Cindy! – cortei-a.

Por sorte o professor entrou na sala nesse momento e ela teve que se calar. Tem uns momentos que eu odeio a minha melhor amiga.

Hoje a aula foi teórica e o professor ficou o tempo inteiro em um monólogo na frente da sala, mostrando fotos no telão para exemplificar o que falava. No fim da aula eu já estava muito cansada.

— Que bom que essa aula acabou – bufou Cindy – não aguentava mais a voz desse cara.

Ri do jeito que Cindy falou, eu era obrigada a concordar com ela. Saímos juntas da sala e vimos Miguel na frente da nossa porta. Cindy sorriu e deu um beijo no namorado, dizendo que me encontrava depois. Revirei os olhos pela sua atitude, sem saber se isso era efeito do feitiço de Miguel ou ela queria mesmo dizer isso.

Caminhei até o estúdio que ficava aberto nos horários livres e peguei uma tela branca. Eu precisava me distrair. Pintei uma representação do Céu visto de cima e, quando estava terminando, vi uma sombra atrás de mim. Virei-me.

— Que bom que você está aqui. Não estava afim de ter que inventar uma desculpa para você sair da aula – disse Faith.

— E por que você faria isso? – questionei.

— Eu preciso que você venha comigo. Agora – enfatizou.

Pedi-lhe que me deixasse guardar o quadro e logo fui levada a algum lugar que não reconheci.

— Onde estamos? – manifestei minha dúvida.

— Bem vinda ao Céu – sorriu.

— Como assim eu estou no Céu? Ryan disse que nenhum humano pode vir aqui enquanto estiver vivo – eu não estava entendendo nada.

— Teoricamente isso é verdade, mas como um anjo da guarda eu sou muito boa em convencer as pessoas a fazerem o que eu quero – piscou o olho.

— Por que você me trouxe aqui?

— Eu preciso lhe mostrar algo. Venha comigo – começou a me arrastar atrás de si.

Por onde passávamos todos me olhavam, afinal minha roupa contrastava com a de todos ali. Percebendo isso, Faith me fez trocar de roupa. Agora eu vestia um leve vestido branco que ia até minhas coxas e uma sandália simples.

Depois de eu me encontrar adequadamente vestida, ela me levou até uma área praticamente vazia e que lembrava uma biblioteca. Avançamos por esse prédio, indo para o segundo andar. Parecia que eu estava em uma biblioteca medieval. Anjos esculpidos em mármore decoravam vários cantos do cômodo e livros estavam empilhados em milhares de prateleiras até onde eu podia enxergar.

Um livro em especial me chamou a atenção e me senti atraída para ele: em cima de uma pilastra que tinha a forma de um anjo com as mãos abertas estava um livro muito antigo, com as páginas amareladas, muito grande. Caminhei até lá. O livro continha uma coletânea com os mais diversos feitiços que um anjo poderia fazer, era impressionante o conteúdo daquelas páginas.

— Parece que eu estava certa ao trazer você aqui – disse Faith, orgulhosa.

— Por quê? – perguntei.

— Esse livro é um dos mais antigos dessa biblioteca, se não for o mais antigo. Ele explica todos os feitiços que anjos podem fazer e o que é necessário para cada um deles. Muitos caíram em desuso, mas ainda hoje é considerado uma relíquia e todo anjo pelo menos uma vez já aprendeu com ele – explicou.

Vendo minha expressão de confusão, ela continuou:

— O motivo pelo qual alguns feitiços caíram em desuso é que eles têm consequências, algumas até cruéis – parou por um momento – mas alguns anjos, como Philip antes da queda, não se importam com isso.

Observei com mais calma o que estava na minha frente e li o feitiço. A consequência dele era que quem o fizesse perderia uma parte da sua alma. Surpreendi-me, eu não podia acreditar que Philip iria tão longe somente para ganhar a guerra.

— Como Philip teve acesso ao livro se ele não mora mais no Céu? – estranhei.

— Só existem duas alternativas: ou algum anjo viu o feitiço por ele ou, durante alguma batalha, ele passou despercebido e entrou na biblioteca.

— Mas como ele sabia exatamente em que página esse feitiço estava? – o livro era muito grande para ter sido aleatório.

— Não é tão difícil assim, o livro é dividido de acordo com a complexidade, esse é um dos mais perigosos de toda a Criação – me olhou profundamente – eu mesma o achei rapidamente, afinal eu já sabia o que procurar.

Fiquei sem palavras ante às palavras de Faith, aquele feitiço era capaz de deixar Philip muito mais forte do que os outros anjos, tanto física quanto mentalmente, sendo capaz de realizar feitiços que outros anjos não podem, como aquele em que ele e Ryan foram teletransportados para uma dimensão alternativa. Isso era assustador.

— E o que nós podemos fazer para impedi-lo? – perguntei.

— Sinceramente? Eu não sei, não conheço nada que possa impedir isso. Exceto, talvez… - pensou por um momento – não, é muito perigoso.

— Me diga o que é, Faith! – exigi.

— Eu não posso, pelo menos não antes de falar com Ryan. Mas nós precisaremos contar sobre as mensagens para ele.

Gemi em protesto, eu não queria que isso acontecesse.

— Miguel não disse nada que possa nos ajudar?

— Disse, mas isso foi antes de Philip fazer esse feitiço. Agora é inútil – suspirou derrotada.

Fiquei em silêncio, pensando no eu poderia fazer para ajudar. Eu tinha que fazer algo, mas o quê?