Assim que passei pela porta de casa vi uma loirinha bem irritada me encarando.

— O que houve agora? – perguntei rolando os olhos.

— Como assim, você sai para fazer compras e não me convida? – perguntou apontando para as sacolas na minha mão.

Me desvencilhei rapidamente das sacolas e a encarei com uma expressão culpada.

— Desculpa, foi algo de última hora. Eu precisei de um novo celular – mostrei o aparelho para ela.

— Você quebrou o seu próprio celular? Por quê? – me encarou seriamente.

— Eu… precisava descontar a raiva – murmurei.

— O que aconteceu? – em um segundo Faith já estava do meu lado.

Eu não queria falar disso, mas não havia outra pessoa em quem eu pudesse confiar.

— Você tem que prometer que não vai falar nada para o Ryan, pelo menos por enquanto.

— Claro que eu prometo, o que houve? – perguntou preocupada.

— Philip, de alguma maneira, descobriu o número do meu celular e está me mandando algumas mensagens… estranhas.

— Estranhas como?

— Do tipo “quero ficar com você”.

— Philip?!? Mas ele não tem sentimentos! – surpreendeu-se.

— Eu não sei direito o que fez ele começar a me mandar essas mensagens, mas parece que foi depois daquele dia que eu segurei seu braço.

— E desde então ele vem mandando mensagens? Como você descobriu que era ele?

Resolvi explicar a história desde o início e, quando acabei, Faith me encarou em silêncio por incontáveis segundos.

— Ele não sabe onde você mora, sabe? – questionou.

— Ainda não, mas se ele descobriu até o número do meu celular… - não completei a frase.

— Isso é muito grave, nós temos que falar com o Ryan.

— Eu quero tentar resolver isso sozinha – contestei – os dois se enfrentarem não é uma boa ideia.

— Eu sei que você está se achando “superforte”, mas você não é capaz de impedir o líder dos Caídos – desesperou-se.

— Me dê um tempo pelo menos, por favor – supliquei.

Faith ficou quieta, pensando.

— Eu vou lhe dar dois dias e depois contar para Ryan.

— Obrigada, Faith! – respirei aliviada.

— Mas isso não quer dizer que não contarei para Miguel, ele tem que saber disso.

— Por quê? – choraminguei.

— Miguel é mais equilibrado que Ryan, especialmente porque ele não está apaixonado por você, e saberá o que fazer.

Acabei concordando com a loirinha, afinal eu não teria escolha. Resolvi me sentar no sofá para descansar minhas pernas, mas no segundo que ia sentar Faith me impediu: ela queria que fossemos na casa de Cindy para falar com Miguel. Andamos até lá sem falar uma palavra, cada uma imersa em seus pensamentos.

— Sophie! Há quanto tempo! – Cindy pulou em cima de mim assim que abriu a porta de sua casa.

— Como você é dramática – ri – nos vemos na aula todos os dias.

— É diferente de sairmos juntas e você sabe disso – disse.

Entramos na sua casa e não fiquei surpresa ao ver Miguel vendo televisão na sala. Parecia que o relacionamento deles estava ficando sério. Faith rapidamente deu uma desculpa e foi falar a sós com Miguel.

— Eu ainda não me acostumei a ver o Miguel por aqui – comentei.

— Sabe que nem eu? Nós não estávamos nos dando tão bem e de repente ele se declarou e me pediu em namoro – deu de ombros.

Me aproximei dela e sussurrei:

— Você gosta mesmo dele?

— Gosto, não sei se ainda estou apaixonada que nem no início, mas ainda sinto algo por ele – respondeu.

Fiquei em silêncio. Será que ela ter se apaixonado por ele era algum efeito ocasionado por ele ser um arcanjo? Decidi deixar para perguntar para Faith depois.

— Bem, imagino que você não tenha vindo aqui para falar do Miguel, não é? – Cindy foi perspicaz como sempre.

— Você está certa – bufei – eu preciso lhe falar sobre Philip, o meu admirador secreto.

Cindy me puxou até o seu quarto, de maneira que ficássemos longe dos olhos e ouvidos de Faith e Miguel.

— O que tem ele? – perguntou curiosa.

— Ele descobriu o número do meu celular – comecei – e começou a me mandar mensagens de texto.

— Ai meu Deus! Ele não sabe que você voltou a namorar o Ryan?

Parei por um tempo, eu realmente não sabia a resposta para essa pergunta.

— Acho que não – acabei dizendo – mas eu mandei uma mensagem que dizia a Philip explicitamente que eu não tinha sentimentos por ele.

— E ele não respondeu?

— O pior não é isso: Ryan leu a mensagem.

Cindy ficou em choque, mas logo se recuperou e me interrogou mais, até que acabei falando tudo o que aconteceu a ela.

— E depois disso eu não liguei mais o celular, não sei se ele respondeu – conclui.

— E o que você está esperando para ligar? – me pressionou.

Liguei o aparelho e, para a minha surpresa, não havia nenhuma mensagem. Respirei aliviada.

— Isso é uma boa notícia, perseguidores não são legais – fez uma cara de nojo.

Acabamos colocando a conversa em dia, falando dos mais diversos assuntos. Há um tempo não conseguíamos conversar tanto.

Horas depois, quando saímos do quarto para comer algo, encontramos um bilhete escrito às pressas:

“Eu precisei da ajuda do Miguel para resolver um assunto. Não se preocupem, voltamos logo”.

Cindy achou a mensagem estranha, mas a tranquilizei com uma desculpa qualquer. Nos dirigimos para a cozinha e, por falta de algo que nos agradasse mais, decidimos pedir uma pizza. Poucos minutos depois o entregador nos trouxe a comida e desfrutamos dela na frente da televisão enquanto víamos uma série de comédia que passava. Quase no fim do programa ouvimos passos no corredor e logo Faith e Miguel apareceram.

— Oi! Sentiram nossa falta? – perguntou Faith enquanto se jogava entre nós duas no sofá.

Miguel, mais discreto, somente se aproximou de Cindy e lhe deu um selinho, dizendo que não ia poder ficar porque tinha um trabalho em grupo da faculdade para fazer. Ela pareceu acreditar, às vezes me dá pena de ver minha melhor amiga tendo que ouvir tantas mentiras.

— O que vocês estão vendo? – resolveu perguntar Faith vendo que o clima da sala estava estranho.

— Por que você teve que sair apressada com o meu namorado? – perguntou Cindy enciumada.

— Eu… - parou, pensando – tinha que falar sobre o Ryan, afinal os dois são muito amigos.

Cindy pareceu não acreditar e, antes que uma briga começasse entre as duas, tirei Faith de lá.

— O que foi isso? – perguntei logo que saímos da casa de Cindy.

— Isso é o que uma atração sobrenatural pode fazer – suspirou.

— Atração sobrenatural? – não entendi.

— Somente os arcanjos podem fazer isso e só o fazem raramente. Eles fazem com que uma pessoa se apaixone por eles para que mantenham um disfarce ou para descobrir algo.

— E isso não faz mal para a pessoa?

— Não, ou pelo menos não muito. A pessoa não entende o que está acontecendo, é como um “amor à primeira vista”, quando ela vê já está apaixonada pelo anjo. Obviamente isso tem efeitos colaterais, como o que você acabou de ver.

Fiquei em choque pela informação. Era absurdo o controle das nossas vidas que os anjos podiam ter.

— Não se preocupe, quando ele atingir os objetivos dele o feitiço acaba. Será como o fim de qualquer relacionamento.

— Por que ele fez isso?

— Para ficar próximo de você sem levantar suspeitas.

Fiquei sem saber como responder. Eu odiava prejudicar os outros, ainda mais aqueles que eu realmente gostava. Saber que Miguel fez isso com Cindy por minha causa doía e muito.

— Não se preocupe com isso agora, nós temos outras preocupações no momento – afirmou.

— Que preocupações? – eu não podia acreditar que mais algo havia acontecido.

— Vamos para a sua casa e eu lhe explico – disse, encerrando o assunto.