Depois de finalmente me acalmar, decidi que precisava de um pouco de normalidade na minha vida. Pensando nisso, liguei para as minhas amigas, que definitivamente me ajudariam a esquecer de tudo: Cindy e Anne. Nada melhor que uma noite das garotas para melhorar o meu humor.

Após a ligação, ficou acertado que em duas horas nos encontraríamos na casa da Cindy e que ela providenciaria as bebidas e comidas – nessas horas ter uma amiga rica era muito útil. Ri comigo mesma.

Não querendo voltar para casa e muito menos ver um dos anjos decidi ir até uma loja de roupas para comprar algo e tirar aquela roupa que só me trouxe confusão. Pensando assim, rapidamente fui em direção à minha loja de roupas favorita e sai de lá me sentindo eu mesma vestindo um macaquinho jeans, blusa regata de rendas e o sapato de salto que já usava. Sorri comigo mesma, feliz com o resultado. Quando saí da loja já estava quase na hora que eu encontraria as garotas, então me dirigi à casa de Cindy.

Chegando lá, bati na porta e fui recepcionada pela minha melhor amiga muito animada. Rindo de seu entusiasmo entrei e vi Anne sentada no chão com sua cabeça apoiada no sofá. Elas já tinham começado a beber antes de mim? Indignada, fingi xingar as duas, que somente riram. Logo me juntei a elas e começamos a beber e falar bobagens por um tempo, até que o assunto se tornou mais sério:

— Não que eu esteja reclamando, mas qual foi o motivo de você ter proposto uma noite das garotas assim de repente? – perguntou Anne.

— Além de tudo você comprou roupas novas – complementou Cindy.

Encurralada, não vi outra saída a não ser tentar explicar a situação:

— Ryan terminou comigo porque está muito sobrecarregado com a faculdade e tendo que ajudar Faith que acabou de se mudar – disse a primeira ideia que se passou pela minha cabeça, sabendo que o anjo não se preocupava com nada disso.

— Só por isso? – bufou Cindy – eu achei que Ryan fosse mais persistente.

— Espere, você falou a ele que o ama? – questionou Anne, me fazendo corar.

— Como é que é? – Cindy estava chocada que eu não havia lhe dito aquilo antes.

— Não tive coragem depois do que ele disse – suspirei.

— Depois você vai me contar isso direitinho – intimou Cindy – mas, lembre-se: “se você ama alguma coisa ou alguém, deixe que parta. Se voltar é porque é seu, se não é porque jamais seria”.

— Citando Shakespeare, Cindy? Por essa eu não esperava – surpreendeu-se Anne, ao passo que Cindy somente deu de ombros.

— Eu sei disso, mas não é só o que me preocupa. Há alguns dias eu tenho recebido bilhetes de um admirador secreto...

Mal falei isto e as duas garotas me encararam de boca aberta, prontas para fazer perguntas. Dispensei-as com um gesto de mão.

— Esse admirador secreto se revelou hoje, quando fiquei na sala depois da aula – encarei Cindy – e… me assustou saber quem ele é.

Fiquei em silêncio por um tempo, pensando em uma maneira de explicar isso.

— Você não pode falar uma coisa dessas e esperar que não perguntemos nada. Por que você se assustou? – questionou Anne curiosa.

— Por que é uma pessoa que Ryan odeia e que nunca pensei que gostaria de mim – falei sem olhar as garotas nos olhos.

— Ora, se Ryan terminou com você o problema é dele! Invista nesse garoto! Como ele é? Qual o nome dele? – Cindy, curiosa como sempre, perguntou maliciosamente.

— O nome dele é Philip e ele é mais velho, talvez tenha uns 30 anos. Cabelos castanhos e olhos azuis com um contorno negro que, dependendo do momento, se sobrepõe ao tom azulado de sua íris – lembrei-me de meu quadro ao descrevê-lo.

— Para alguém que se assustou com ele você prestou muita atenção na aparência – disse Anne maliciosa.

— Eu sou uma artista! Eu observo essas características naturalmente! – disse indignada – e eu já havia o visto antes.

— Certo, certo. E o que você pretende fazer? – perguntou Cindy ansiosa.

— E-eu não sei. Tenho que pensar – desconversei, incerta sobre como continuar o assunto sem revelar mais nada.

— Eu acho é que você tem que beber mais e esquecer esse drama amoroso todo – propôs Anne, me surpreendendo.

Anne sempre é mais discreta e reservada, raramente fala assim. Mas quando bebe...

— Vamos dançar! – gritou Cindy já ligando o rádio.

Rimos de seu entusiasmo e começamos a dançar desajeitadamente, meus saltos há muito fora dos meus pés. Ficamos agindo que nem três malucas por muito tempo, até que fui ao banheiro. Lá, quando fui lavar as mãos, tive um súbito blecaute e desmaiei, tendo sonhos sobre a guerra novamente:

“Miguel gritava com outros anjos, falando que tinha voltado porque tinha ouvido falar que Belial iria ajudar os Caídos a vencer e ele não podia permitir isso. Ryan tentou dizer que isso não podia ser verdade, mas o arcanjo estava irritado demais para dar atenção a qualquer coisa”.

Acordei assustada por ter tido esse sonho e a imagem de Miguel gritando não me saía da cabeça. Belial. O que isso significava? Curiosa, fui até o quarto de Cindy sorrateiramente e pesquisei em seu notebook. O que vi me deixou surpresa.

Belial costumava ser “o primeiro dos anjos”, um Anjo da Virtude, que, como muitos anjos altos hierarquicamente que caíram, foi transformado em um demônio. Atualmente é o demônio da arrogância, loucura e luxúria. Além disso tudo, o que mais me deixou apreensiva foi a informação que o cargo anteriormente ocupado por Belial no Céu agora era ocupado por Miguel. Isso explicava a aparição repentina de Miguel: ele tinha medo do que o ex-anjo poderia fazer.

Cansada de tentar entender o que os anjos pensavam ou faziam, decidi esquecer que tinha lido isso. Depois eu pensaria com calma no que aquilo significava. Com esse objetivo em mente, limpei o histórico de Cindy e voltei a festejar com as garotas, torcendo para que Miguel estivesse errado.