Estava imersa em pensamentos a respeito do admirador que me mandava cartas a alguns dias e mal percebi Cindy sentar ao meu lado. Minha amiga tentou puxar alguma conversa comigo, porém a chegada do professor e o início da aula fizeram ela se silenciar. Tentei prestar atenção na aula, mas os acontecimentos recentes voltavam ao meu pensamento. Como isso foi acontecer? Quem poderia ser essa pessoa? Eu não fazia ideia.

Cansada de perder tempo tentando decifrar isso, pensei sobre o que Ryan havia me falado. Como tudo pode mudar tão rapidamente? Não fazia sentido. Analisei todas as possibilidades para mudar a situação em que eu estava, mas nada fazia sentido. Lembrei-me do que o anjo falou, sobre investigar Miguel, e cheguei à conclusão que essa era minha única alternativa. Só não tinha ideia de como fazer isso sem que Cindy soubesse. Olhei para minha amiga e pensei em como ela reagiria ao saber que havia se envolvido em um mundo além de sua compreensão.

Mal percebi o tempo passar e, ao toque do sinal que indicava o fim da aula, Cindy me puxou pelo braço, me fazendo sair da sala. Ao invés de percorrermos o caminho normal em direção à próxima aula caminhamos o dobro do caminho somente para passar na frente de Ryan. Cindy e suas estratégias malucas para tentar fazer o anjo me perceber. Entretanto o anjo somente me encarou quando passei por ele, seu olhar como se lamentasse o que estava acontecendo. Cansada de sofrer por algo que eu não era capaz de mudar, resolvi não demonstrar nenhuma emoção e passei por ele como se não o tivesse visto.

Ao finalmente chegarmos na sala, me dirigi para a tela mais ao fundo da sala e esperei a professora entrar. A sra. Young era uma pessoa muito conservadora e não gostaria de me ver com esta roupa. Poucos minutos se passaram e logo a professora chegou, dando a ordem do dia: pintura surrealista. Definitivamente não é um dos estilos que mais gosto. Bufei e, sem escolha, comecei a pintar.

Comecei a pintar, me distraindo momentaneamente, quando de repente senti olhos me observando. Me virei repetidas vezes para ver quem era, mas nunca via ninguém. Na última vez que fiz isso, porém, vi um outro bilhete:

“Por que não consigo parar de encará-la? Me parece que você está curiosa sobre mim também. Quer saber quem sou? Permaneça na sala após o sinal e descobrirá”.

Fiquei surpresa com o que o bilhete dizia. Será que eu deveria ficar? Resolvi não pensar nisto e me concentrar em meu quadro. Finalizei minha tela na hora exata em que Cindy me chamou para ir para o intervalo. Entretanto surpreendi a mim mesma ao responder que iria ficar na sala para terminar o trabalho. Apesar de estranhar um pouco, minha amiga concordou e logo fiquei sozinha na sala.

Depois de alguns minutos em que me sentei apreensiva na frente do quadro esperando algum movimento estranho, finalmente ouvi um barulho. Olhei na direção do som e me surpreendi ao ver Philip me encarando profundamente. Diferentemente da última vez, ele não parecia querer me machucar. Pelo contrário, parecia esperar pela minha reação antes de se manifestar.

— Sophie – disse ele em uma voz séria e contida – você não precisa ter medo.

— O-o que você quer? – falei, gaguejando.

— Acalme-se, eu não vou lhe fazer mal – me acalmou.

Respirei fundo e decidi confiar nele, certa de que se esse não fosse o caso eu poderia impedi-lo até poder pedir ajuda.

— O que você quer comigo, Philip? – perguntei mais firme dessa vez.

— Assim está melhor – sorriu – eu sou a pessoa que lhe mandou os bilhetes anônimos nesses últimos dias.

— Você?!? – me surpreendi, eu nunca imaginara isso – por quê?

O Caído riu sem graça.

— Você já deve ter ouvido histórias sobre como como alguns anjos caíram do Céu, certo? – perguntou e concordei – Desde que isso ocorreu eu nunca tinha sentido nada a não ser ódio ou desprezo pelos humanos. Eu fazia parte dos seguidores mais fiéis de Lúcifer e por isso sou o responsável por liderar a guerra.

Fiquei em silêncio, tentando absorver essas informações. Philip continuou:

— Isso mudou quando você impediu que eu tocasse seu quadro. Ninguém nunca tinha me impedido de fazer algo e você… - ele se aproximou de mim – tem uma força impressionante que nenhum outro humano tem.

Fiquei nervosa com a sua proximidade e perguntei sem fôlego:

— E o que você quer comigo?

— Você ainda não percebeu? – perguntou sorrindo – eu desenvolvi algum tipo de atração por você desde aquele momento.

O Caído tocou suavemente em meu rosto, falando:

— Você é especial.

Me assustei com a súbita atitude de Philip e dei um passo para trás, murmurando uma desculpa qualquer e saindo correndo da sala de aula.

Corri sem rumo pelos corredores, mal enxergando algo a minha frente. Esbarrei em alguém que me segurou pelos ombros. Eu tremia.

— Sophie, você não está bem – ouvi uma voz me dizer – venha comigo.

Me senti sendo amparada por alguém em direção à saída da faculdade e logo não senti o chão embaixo dos meus pés. Já estava acostumada com aquela sensação e não me assustei quando senti que estava em outro local. A pessoa me ajudou a sentar.

— Sophie, me ouça – parecia uma voz feminina.

Senti uma mão tocar em minha testa e de repente tudo pareceu voltar ao normal. Vi que era Faith quem se encontrava ao meu lado.

— O que aconteceu com você? – perguntou preocupada.

 Fiquei receosa em lhe contar tudo que Philip tinha me dito. Eu mesma mal entendia o que aquilo significava. Resolvi mentir.

— Eu ainda estou um pouco abalada depois do que Ryan me disse.

A loirinha pareceu ficar sem fala por um momento, como se soubesse exatamente do que eu falava, o que não me surpreendeu.

— Você sabe que ele não teve escolha, certo? – me olhou com pena – ele não podia correr o risco de Miguel descobrir.

Não querendo ouvir todo aquele discurso novamente e precisando pensar, pedi para que Faith fosse embora. Ela se foi e fiquei sentada sozinha no banco da praça, imersa em pensamentos.