Não sei se pelo fato do dia ter sido desgastante ou o que quer que fosse, mas não tive uma visão sequer durante o tempo que Ryan passou no Céu. Acabei adormecendo no sofá depois de pintar o meu mais novo quadro e acordei com um cheiro de comida queimando. Levantei assustada e corri para a cozinha, onde vi Ryan desesperadamente tentando fazer o jantar. O anjo se perdia no meio de tantas panelas e percebi que o cheiro que sentira não vinha de comida queimada, mas sim flambada.

O anjo não parecia ter percebido minha presença ainda, então me aproximei de suas costas e o abracei pela cintura, o que o faz dar um pulo:

— Sophie! – exclamou – eu ia lhe chamar só quando tudo estivesse pronto.

— Eu senti um cheiro forte e vim ver o que era – ri – mas vejo que fiz bem, você parece que precisa de ajuda.

Fui em direção às panelas e me surpreendi com o que vi: frango ao molho de conhaque, batatas sauté, salada verde ao vapor e banana flambada de sobremesa. Esse anjo só podia querer me engordar fazendo esses pratos maravilhosos.

— Onde você aprendeu a fazer tudo isso? – questionei, espantada.

— Depois que aprendi a mexer no fogão passei a me interessar por culinária. É bem simples na verdade – deu de ombros, começando a retirar as panelas do fogo.

— Existe algo que você não possa fazer? – perguntei sorrindo.

O anjo se limitou a rir e ajudei-o a arrumar a mesa para comermos aquela refeição divina (literalmente). O anjo sabia cozinhar muito bem e mal conversamos durante o jantar, dada a qualidade da comida. Terminado o jantar, me propus a lavar a louça, mas Ryan me impediu, dizendo que com a velocidade sobrenatural dele arrumava aquilo em segundos, o que de fato fez.

Fui em direção ao meu quarto, evitando falar com o anjo depois do que conversei com Anne, mas fui impedida:

— Quadro interessante. Pintou-o hoje? – perguntou, apesar de saber a resposta.

— Sim, me senti um pouco entediada – menti.

— Sei… - se aproximou do quadro – é um trabalho impressionante.

— Obrigada – respondi simplesmente, dando as costas e continuando meu caminho.

— Sophie, eu acho que nós temos que conversar – me interrompeu Ryan novamente.

— Sobre o quê exatamente? – questionei com medo da resposta.

— Sobre nós e o que está acontecendo entre a gente – suspirou – eu preciso que você saiba algumas coisas.

Não querendo ouvir tudo o que Faith já havia me dito novamente, somente disse:

— Faith me contou como relacionamentos amorosos são difíceis para anjos, eu sei que você não pode se envolver comigo ou pode acabar expulso do Céu – bufei – não precisa me falar isso.

— Faith nunca deveria ter lhe revelado isso – murmurou – mas o que importa é que nenhum anjo tem a autorização de entrar na sua casa sem ser convidado, graças a um feitiço que eu e Faith lançamos na sua casa. Desse modo, é impossível que alguém saiba o que acontece entre nós enquanto estivermos aqui.

Ficou em silêncio por um longo tempo, me deixando absorver a informação.

— Isso quer dizer que todos acham que tudo faz parte da mentira para me proteger? – perguntei virando em sua direção.

— Sim, ninguém sabe que eu acabei…desenvolvendo sentimentos por você – confessou.

Me aproximei lentamente do anjo e parei na sua frente.

— E que tipo de sentimento exatamente você desenvolveu por mim? – perguntei incerta.

— Eu não sei, é tudo tão confuso, eu… - silenciei-o com um beijo.

— Não precisa explicar, eu entendo – sorri com a testa encostada na sua.

O anjo subitamente se afastou de mim e começou a falar com uma voz séria:

— Agora que Miguel teve contato com você e você disse que está namorando Cindy nós não estamos tão seguros aqui. Miguel tem poderes impressionantes e pode entrar aqui a hora que quiser, não importando o feitiço que protege a casa.

— Isso quer dizer que não podemos ficar juntos? – perguntei chorosa, tendo entendido tudo rapidamente.

— Por enquanto não – suspirou – mas tentarei fazer com que Miguel volte para o Céu o mais rápido possível.

O anjo se aproximou novamente e tocou meu rosto num carinho delicado, mas se afastou rápido demais.

— Acho melhor irmos dormir. Você tem aula amanhã e eu preciso que você descubra mais sobre o relacionamento de Cindy e Miguel para mim. Boa noite – disse e se dirigiu ao sofá.

Inconsolada, me dirigi ao meu quarto querendo mais do que nunca mergulhar no mundo de sonhos e esquecer do que acontecia a minha volta. Infelizmente nem tudo é como desejamos e tive diversos sonhos com Ryan naquela noite.

Acordei mal-humorada por não ter dormido direito e peguei a primeira roupa que vi pela frente, não ligando para o que qualquer um fosse achar. Saí como um furacão do quarto e disse a Ryan que iria tomar café-da-manhã na casa de Cindy e que nos víamos na faculdade. Não ouvi a resposta do anjo.

Corri em direção à casa da minha melhor amiga e entrei direto pela porta (eu sabia onde ela escondia a chave). Encontrei uma Cindy sonolenta e descabelada fazendo um café preto na cozinha.

— Bom dia – disse irritada.

— Não parece um bom dia para você – comentou – coma alguma coisa, pode ser que você melhore.

A loira já havia posto a mesa com os mais variados tipos de comida e logo me servi de bacon e ovos, precisando de energia naquele dia.

— O que aconteceu? – perguntou depois de tomar o café e estar mais acordada.

— Ryan. Nós brigamos – bufei, sem querer entrar em mais detalhes.

— Problemas no paraíso? – brincou.

— Você não faz ideia – admiti.

— Pela sua cara vejo que você deixou o seu namorado na sua casa e veio correndo até aqui porque não queria ver o rosto dele, certo?

Fiquei impressionada com a sua dedução. Estava tão na cara assim?

— Vejo que acertei. Minha amiga, eu sei que você não gosta muito de se abrir e só tenho uma pergunta: é definitivo ou vocês ainda estão namorando? – me encarou incisiva.

— Acho que ainda estamos namorando, mas não tenho certeza – evitei olhar em seus olhos.

— Então nós temos que deixar Ryan babando por você de novo para ele perceber que precisa se desculpar – disse, já se levantando e me empurrando para seu enorme quarto.

Cindy tinha mais roupas do que eu poderia contar e nesse momento procurava roupas para mim, apesar de eu insistir que não queria. A loira acabou por separar uma roupa bem sexy para mim e que não me agradou muito: uma blusa social branca (que ela fez questão de deixar com alguns botões abertos) junto a uma saia rodada estilo colegial, meias ¾ e sapato de salto alto estilo boneca. Infelizmente Cindy não era o tipo de pessoa que se deixa contrariar e não tive opção a não ser vestir o que ela separou.

Depois de me maquiar toda, finalmente Cindy e eu fomos para a faculdade. Por onde eu passava todos me encaravam e eu não gostava nem um pouco disso. Logo que Miguel apareceu Cindy foi para o seu lado e me deixou sozinha no meio dos corredores. Percebi Ryan do lado oposto com uma expressão zangada. Engoli em seco e fui para a sala de aula.

A sala ainda estava praticamente vazia e, portanto, não foram muitas pessoas que me encararam enquanto eu me dirigia ao meu lugar. Ouvi um barulho do meu lado e quando me virei me deparei com um bilhete com a mesma letra do anterior:

“Gostei do seu novo estilo, mas me parece que seu namorado não. Fico feliz ao saber disso”.

Quem era essa pessoa? Por que estava me mandando cartas anônimas? Como se eu já não tivesse preocupações suficientes.