Mais uma vez acabei por dormir no sofá depois do filme, porém dessa vez Ryan não estava lá para me levar para o quarto. Acordei e me espreguicei descansadamente, esquecendo por um momento de que eu tinha aula naquele dia. Quando lembrei disso me levantei rapidamente, mas antes que eu pudesse ir ao meu quarto ouvi vozes na cozinha. Ryan gritava com alguém:

– Como assim vocês ainda não descobriram a localização do Philip? Eu fiz todos vocês procurarem por ele!

– Estamos tentando senhor, porém o Caído está muito bem protegido. Tentamos até mesmo torturar um dos seus seguidores, entretanto ele não abriu a boca – lamentou o anjo, que tinha a voz de um adolescente.

Fiquei parada por um instante, processando aquela informação. Anjos torturando Caídos? Achei que eles eram os bonzinhos! Tentei andar rapidamente e em silêncio até o meu quarto, mas ouvi a voz de Ryan me chamar:

– Sophie! Não sabia que você já estava acordada – disse, coçando a cabeça e vindo em minha direção – Cindy ligou e falou que sua primeira aula foi cancelada, então não lhe acordei.

– Você sabe usar um telefone?!? – Foi o que saiu da minha boca.

– Faith me ensinou – deu de ombros – você está bem?

– Sim, só um pouco dolorida de dormir no sofá – menti, não podia dizer que o tinha ouvido.

– Desculpe sobre isso, eu cheguei há pouco tempo e achei que você poderia acordar quando eu a movesse. Eu não sei porque Faith a deixou dormir aqui – bufou, inconformado.

– Sem problemas, daqui a pouco a dor deve passar – disse, gemendo um pouco ao mexer o pescoço.

– Venha aqui – o anjo me puxou pelo braço – vou lhe ajudar a fazer a dor passar.

Ryan me fez fechar os olhos e pressionou sua mão em minha testa. Senti um calor no meu corpo que curou todas as minhas dores e quando abri os olhos encontrei o anjo sorrindo.

– O que aconteceu com a sua regra de “não usar os poderes por qualquer motivo”? – perguntei, imitando a sua voz.

O anjo riu bastante antes de me responder:

– Essa foi uma péssima imitação da minha voz – ele ficou sério – e você não é “qualquer motivo”, você é importante para mim.

O anjo tocou meu rosto, num carinho delicado. Aproximou seu rosto do meu lentamente e nos beijamos calmamente até que meu estomago roncou de fome.

– Eu acho melhor eu tomar meu café-da-manhã – ri de mim mesma.

– Eu preparo para você. Vá se arrumar para a faculdade – ofereceu meu namorado. Ainda é tão estranho chamá-lo assim.

Sorri e fui para o meu quarto. Parei por um minuto para pensar no que tinha acabado de acontecer. Desde quando Ryan age assim? Sentindo uma felicidade inesperada, resolvi seguir pelo menos uma vez o conselho de Cindy e me arrumar melhor. Peguei uma blusa cropped justa listrada vermelha e branca junto a uma saia de cintura alta rodada azul. Para finalizar, uma sandália de salto médio branca. Fui para o banho e me vesti, satisfeita com o resultado.

Fui para a cozinha e não pude deixar de me surpreender mais uma vez pelo modo com que Ryan arrumava a mesa. Ele me fazia sentir como alguém da realeza desse jeito. Ri sozinha.

– Uau, você está linda – exclamou o anjo ao colocar um prato de panquecas com doce de leite na minha frente.

Fiquei vermelha com o comentário e agradeci. Comemos juntos em silêncio e depois seguimos para a faculdade. Chegando lá, Cindy me puxou pelo braço e me afastou de Ryan, dizendo que precisava falar comigo a sós.

– O que houve, Cindy? – perguntei logo que saímos de perto do anjo.

– Acho que alguém não ficou muito feliz de se afastar do namorado – alfinetou ela – mas o que tenho a falar é importante: estou namorando!

– Nossa, que ótimo! – comemorei com ela, a abraçando.

– Desculpa lhe afastar do Ryan, mas ainda é segredo – ficou vermelha.

– Eu não acredito no que estou vendo: Cindy apaixonada? Isso é maravilhoso amiga – falei, pulando em cima dela.

– Certo, certo. Menos, Sophie. É muito cedo para afirmar isso ainda – disse, não me olhando nos olhos.

– Sei. Vou fingir que acredito. Enfim, quem é ele? – perguntei, curiosa.

– Ele é novo na cidade, você não deve saber quem é. O nome dele é Miguel – falou, me surpreendendo.

– Miguel?!? Eu o conheci quando estava comprando minhas telas! Ele é uma pessoa legal. Fico feliz por vocês – sorri.

– Se eu não soubesse que você tem namorado eu ficaria com ciúmes – estreitou os olhos, mas parou ao ver as horas – a aula já vai começar.

Começou a me puxar pelo braço, mas eu vi Ryan em um canto escondido do pátio e soltei de sua mão.

– Guarde meu lugar. Eu já vou – expliquei para a garota que me olhava confusa.

Ela somente concordou com a cabeça e eu fui silenciosamente até um local em que pudesse ver com quem Ryan conversava. Me escondi atrás de umas plantas e observei embasbacada a cena a minha frente: Ryan falava com Miguel! Como eles se conheciam? Tentei me aproximar mais para ouvir o que falavam, mas a única palavra que captei antes de cair no chão foi “arcanjo”.

Caí com um barulho alto e Ryan logo surgiu ao meu lado, me ajudando a levantar:

– O que você estava fazendo aqui? Você se machucou? – perguntou, me observando em busca de ferimentos.

– Acho que não – balbuciei, ainda em choque com o que presenciei.

Tentei andar em direção à sala de aula, querendo me afastar de Ryan, mas logo senti uma dor aguda no tornozelo que quase me fez cair novamente não fosse a ajuda do anjo que me segurou em seus braços.

– Acho que isso responde a minha pergunta – riu baixo.

Tão logo disse isso Ryan tocou seus dedos em minha testa e senti meu pé voltar ao normal.

– Parece que vou precisar lhe ajudar mais vezes do que imaginei – disse o anjo enquanto me ajudava a endireitar o corpo.

– Obrigada – disse e saí em disparada para a sala.

Corri pelos corredores, confusa demais para pensar no que tinha ouvido. Irrompi pela porta e todos na sala me olharam. Tive sorte que o professor não tinha ido e só tinha passado uma tarefa de pesquisa para ser feita em aula. Caminhei envergonhada até onde Cindy estava e me joguei na cadeira ao seu lado.

– O que aconteceu nesses poucos minutos que você saiu do meu lado? – perguntou, me olhando em choque.

– Nada, eu só não estou muito bem hoje – desconversei.

– Sei. Vou fingir que acredito – repetiu minhas palavras de mais cedo.

Comecei a fazer meu trabalho silenciosamente, mas a visão de Ryan e Miguel juntos voltava a minha cabeça. O que será que estava acontecendo? Será que isso me traria mais complicações?

Tentei me concentrar no trabalho e percebi que não tinha levado um dos livros que precisaria. Tinha que ir na biblioteca. Levantei, peguei meus materiais e expliquei a situação para Cindy. Andei até o computador de consulta e, ao fazer meu login, apareceu o meu histórico de retiradas de livros. Me chamou a atenção um dos volumes: “a hierarquia celestial”. Eu tinha retirado esse livro assim que Ryan tinha me dito o que era. Resolvi olhar o livro novamente, esquecendo completamente do trabalho que tinha que fazer.

Peguei o livro da prateleira e olhei o sumário, onde um nome se destacou: Miguel. Me lembrei do que Ryan me disse naquele dia que me contou sobre os anjos: Miguel era o responsável pela defesa do Céu! Eu não podia acreditar no que via! Como eu não havia percebido isso antes? Fechei o livro e permaneci em silêncio absoluto.

Ouvi um barulho repentino ao meu lado e, ao me virar, não vi nada a não ser um pequeno bilhete:

“Nunca pensei que diria isso, mas gosto de mulheres fortes”

Fiquei por uns minutos pensando no que aquela frase significava, sem chegar à conclusão alguma. Resolvi guardar o bilhete e procurar o livro que precisava, tentando esquecer todo o resto.